Gestão Alvinegra: Quem disse que o Galo não dança?

Foto: Bruno Cantini

 

Prof Denílson Rocha 
22/05/2020 – 19h30
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Em 20/05, o presidente Sette Câmara concedeu entrevista a alguns dos canais de notícias sobre o Atlético – Canal Alvinegro, Rede Galo, Canal Eu Acredito, Identidade Treze, TV Galoucura e FalaGalo. A oportunidade rara mostra que o Atlético – na figura de seu presidente – reconhece a importância das novas mídias para comunicação direta com a torcida.

Além da receptividade, do bom humor e da gentileza do presidente em responder a todas as questões – como um bom candidato à reeleição –, chamou atenção que a conversa teve maior foco na gestão do clube, especialmente na gestão financeira, e pouco espaço para debate sobre o time ou contratações. É uma profunda mudança no comportamento do torcedor, que se mostra interessado no que acontece na rotina do Clube, além do que acontece no campo. Demonstra a consciência quanto aos efeitos da gestão sobre o futebol e, em meio a uma pandemia e uma profunda crise no rival, a preocupação quanto à situação financeira do Atlético. A iniciativa de conceder esta entrevista e a forma como os representantes da Massa se portaram, mostram acima de tudo, que o Galo está mudando, ou ao menos querendo mudar. Isto, por si só, é um grande avanço para um clube do tamanho e dimensão do Galo.

A entrevista tem muitos pontos que merecem análise, mas vamos dar destaque a dois pontos.

Inicialmente, o presidente fala que o “crescimento da torcida está diretamente ligado ao sucesso que o clube tem. (…) Diante do que se avizinha, vai haver uma migração de uma geração que seria torcedora do Cruzeiro e que será torcedor do Atlético”. Obviamente, o torcedor adulto, fanático e com uma história junto ao clube não muda sua preferência. Mas a criança, o jovem ou mesmo o torcedor menos fidelizado pode trocar sua preferência em função do sucesso ou insucesso do time. Uma avaliação da preferência do torcedor segmentada por faixas etárias mostra que o presidente teve uma fala bastante certeira. Em uma cidade polarizada entre dois clubes, como é Belo Horizonte, o período de sucesso de cada um dos clubes leva a um aumento da sua torcida frente a do adversário. Assim, o final dos anos 1970 e a década de 1980 mostram o crescimento da Massa, enquanto os anos 1990 e início dos anos 2000 trazem o aumento da torcida adversária – que, ainda assim, não consegue chegar ao que é a torcida atleticana. Assim, a crise do rival abre uma oportunidade para que o Atlético amplie seu domínio entre os torcedores, especialmente os mais jovens.

Porém, é preciso compreender que o momento é bastante diferente do que tivemos no século passado. A oportunidade que aparece para o Atlético não é exclusiva – há diversos outros clubes buscando o mesmo torcedor (e a renda que ele pode gerar). A criança ou o torcedor mais suscetível à mudança tem muitas opções para escolher. Se antes deixava de torcer para o rival e passava a torcer pelo Galo, agora tem dezenas de clubes internacionais, com craques, ídolos e, principalmente, um trabalho de marketing intenso para captar seu interesse. Como exemplo, o Ajax fez, há alguns anos, o lançamento da nova camisa com uma ação de ativação em espaço público, simulando a troca de camisas como ao final de um jogo (veja aqui). Saiu dos eventos pomposos e restritos e colocou o clube na praça pública. Aproximou-se do torcedor e a troca de camisas serve, inclusive, para atrair quem não era um torcedor. É o tipo de ação que não se vê por aqui. A crise do rival pode trazer aumento no domínio atleticano, desde que o Atlético faça a sua parte. É preciso, então, o que já tratamos em texto anterior: aperfeiçoar o relacionamento com o torcedor e ações de marketing com bastante qualidade.

O segundo ponto a se destacar na entrevista é ainda mais importante. Para o presidente, “futebol está diretamente relacionado a dinheiro. Os maiores clubes de futebol do mundo são os mais ricos. (…) O Atlético tem que ser um clube rico. O Atlético tem que ser um clube sem dívida”. É uma abordagem bastante comum no meio empresarial, que acredita que o recurso financeiro é a CAUSA, ou a condição básica, para que as coisas aconteçam. Mas a realidade não é bem assim.

A questão do endividamento é o primeiro equívoco: os grandes clubes europeus têm dívidas – e dívidas bastante grandes também. Em fevereiro de 2020, o blog do Rodrigo Capelo publicou dados que mostram que não existe “dívida zero” (leia aqui). Ter dívida não é, por si só, problema. Não ter condições de pagar as dívidas é problema. E nesse quesito, é preciso reconhecer que o presidente Sette Câmara vem fazendo um trabalho de equacionamento e alteração do perfil das dívidas do Atlético. Não é só pagar, é reduzir juros e alongar prazos para pagamento, permitindo que o Clube se mantenha saudável.

Mais importante é mudar a concepção que acredita que dinheiro é a base do sucesso do negócio. Dinheiro é a CONSEQUÊNCIA de uma instituição que funciona bem e gera valor. Um instrumento bastante comum na gestão empresarial atualmente é o “Mapa estratégico” (Kaplan e Norton), diagrama que sintetiza os principais objetivos da instituição em “perspectivas de negócio” e que, tradicionalmente é elaborado considerando que os resultados financeiros são alcançados quando os objetivos em relação ao “mercado e clientes” são alcançados, que dependem dos “processos internos” e, por fim, que dependem de pessoas, tecnologia e estrutura. Ao aplicar tal abordagem à fala do presidente, é possível perceber a importância dada a diversos elementos (pessoas, tecnologia, estrutura, organização interna), mas falta clareza (e ações reais) nos objetivos quanto ao relacionamento com o mercado e os clientes (leia-se torcida). Então, os clubes não são grandes porque são ricos. Na verdade, são ricos porque são grandes!

A relação com o torcedor precisa ser construída a partir do que o mundo dos negócios chama de “gerar e entregar valor”. Quando as pessoas avaliam qualquer produto ou serviço (inclusive a relação com o time de futebol), elas esperam que sejam atendidos desejos ou supridas necessidades – isso é gerar valor. Em 2016, a revista Harvard Business trouxe um artigo que apontava elementos que geram valor (leia aqui), dispostos em uma pirâmide para retratar sua importância relativa. Ali é possível perceber o que faz o futebol ser tão relevante em nossas vidas: nos permite conexão com outras pessoas e o sentimento afiliação (ser parte da Massa), nos oferece diversão e entretenimento, nos oferece bem estar, motivação e esperança…

Clube grande não se faz com dinheiro. Chelsea, Manchester City ou PSG não vão reescrever seu passado porque receberam bilhões de algum investidor. Enquanto isso, o Barcelona, que é bastante usado como exemplo quanto ao estilo de jogo, à grandeza e aos títulos, se faz pelo que está no seu slogan: “mais que um clube”. O Barcelona não é somente um clube, é a representação da Catalunha (que frequentemente busca a independência), é o adversário maior do estado espanhol com sede em Madrid. Vencer o Real não é apenas vencer um adversário no futebol, é uma nação triunfando sobre o “invasor”.

O Atlético também não é apenas um clube. Se construiu e construiu uma história vencedora mesmo nas adversidades. É a representação do “povão”, é o preto e o branco, o pobre e o rico, é o clube de todos. O Galo não se tornou mascote por acaso. A inspiração veio das rinhas, das brigas de galo, diversão popular em Belo Horizonte no início do século passado. Ali, um galo se destacava pela entrega, luta e raça. Mesmo contra adversários maiores e mais fortes, havia a superação para conseguir a vitória. São elementos que ficaram marcados na história do Atlético e continuam no hino, no mascote e no grito da torcida. São essas características que definem o que é ser Atlético, o que é ser Galo. São esses elementos que precisam ser resgatados e reforçados para criar conexão com a torcida e identidade com a Massa. Esse é o valor de ser Atleticano.

No início dos anos 1990, a gigante de tecnologia IBM passava por uma imensa crise, acumulando prejuízos astronômicos. Um novo presidente, Lou Gerstner, assumiu a empresa e fez uma revolução, recolocando a empresa entre as principais do setor. Posteriormente, o executivo publicou sua experiência no livro “Quem disse que elefantes não dançam”. O título fazia referência ao tratamento que davam à IBM, um paquiderme, grande, lento e superado. Mas, ao contrário das inovações que se esperava, o ex-CEO afirmou que o principal ponto para recuperação da empresa estava justamente em colocar em prática os valores que já estavam presentes na empresa desde a sua fundação, recuperar sua essência, seu propósito, sua razão de existir.

Talvez seja isso que precise ser feito no Atlético: recuperar os valores mais básicos que nos faz Atleticanos. Em vários momentos recentes, o Atlético se afastou, dentro e fora de campo, de suas características mais fundamentais, de sua essência, de sua raiz. Esqueceram da raça, esqueceram da vontade de ganhar, esqueceram da própria história. É recuperar esses valores que fará o Atlético atrair novos torcedores para o lado alvinegro da força e que trará os recursos financeiros. É essa identidade atleticana que faz o Atlético grande, gigante. É o time da virada, o time do amor. É o Galo forte e vingador.