Coluna Preto no Branco: Nem sempre querer é poder

ESTE TEXTO E DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR, NAO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL.

Por: Max Pereira, colaborador independente do FalaGalo

Quantas vezes você teve a impressão de que o time do Atlético queria fazer algo mais em um determinado jogo e, por alguma razão misteriosa, não podia ou não conseguia? Inúmeras vezes, não? Querer e poder são coisas diferentes e quando não caminham juntas um frustra o outro. Quantas vezes nos sentimos impotentes no nosso dia a dia quando tudo dá errado ou, pelo menos, foge do script sonhado. “Levantei com o pé esquerdo”, costumamos dizer para nós mesmos.

No futebol as coisas não são diferentes. A maioria absoluta dos jogadores faz questão de, ao entrar em campo, pisar o gramado sempre com o pé direito e, os católicos, de fazer o sinal da cruz. A oração é, por vezes, a companheira que sempre traz a confiança e garante aquela sensação gostosa de que nunca estamos sozinhos e desamparados. Sempre é bom estar bem com os santos de proteção e não fazer nada que traga má sorte, não é mesmo?

Não bastassem os fantasmas que, graças à tradição cultural que nos moldou como pessoas, nos assombram, e cada um de nós tem os seus demônios particulares, aqueles diabinhos que, vez ou outra, todos precisamos exorcizar, a vida sempre nos leva a passar ou a mudar de um lugar, de um estado de coisas, de uma condição, de um emprego ou de um cargo, de uma posição, de um endereço, de uma cidade, de um estado e até mesmo de um país para outro. Seja qual for a transição, seja qual for a mudança, é sempre um processo difícil que, se mal conduzido, quase sempre produz sequelas irreparáveis e traz prejuízos insanáveis.

Também é assim no futebol que, para o atleta profissional, produz inúmeras armadilhas e cria mil e uma situações que podem produzir cortes profundos e definitivos em carreiras promissoras. No artigo “A BASE QUE A BASE NÃO TEM…”,
publicado em 22 de abril de 2021 aqui no Fala Galo, escrevi, por exemplo, que entre “jovens promessas emprestadas de forma açodada e inconsequente e outras tantas negociadas em definitivo de forma prematura e temerária por razões mil ou dispensadas de forma nebulosa, vários garotos de inegável potencial vêm sendo jogados, ano após ano, em uma espécie de limbo dentro do próprio clube”.

E expliquei: “Limbo é uma palavra que vem do latim limbus, que significa basicamente margem, beira, borda, orla. No sentido informal, significa cair no esquecimento. É o lugar para onde se atiram as coisas inúteis. E, dentro do catolicismo, o termo serve para definir o local onde almas, que não vão para o céu e nem para o purgatório ou inferno, ficam à margem da presença de Deus. Ao longo dos anos, um sem número de garotos que emergiram da base atleticana e que, por ventura, conseguiu permanecer algum tempo no clube foi, por diversas razões, marginalizado no profissional, seja porque o pessoal da base não se sentia mais responsável por eles, seja porque não foram recebidos com o cuidado e o carinho que lhes deveria ter sido dispensado”.

Não custa repetir que “esse fenômeno indigesto, e que tem sido um corte ou um redefinidor cruel de várias carreiras promissoras, pode ser explicado, dentre outros fatores, pela indisponibilidade do treinador do momento de trabalhar com eles ou pela falta de critérios para lançá-los com parcimônia, cuidados e planejamento, seja porque alguns técnicos não gostam de trabalhar com jovens promessas, seja porque outros, se sentindo pressionados por uma campanha ruim ou pela ameaça iminente de perder o emprego, buscam se socorrer apenas dos chamados jogadores prontos. Entra ano, sai ano, vários ex-atleticanos engrossam a tribo dos nômades do futebol, rodam o mundo e desenvolvem uma carreira obscura”.

Mas, não é só isso. As recorrentes crises atleticanas, a crônica descontinuidade dos trabalhos, as trocas equivocadas ou extemporâneas de treinadores e dos comandos da base e do profissional, sempre com perfis, valores e métodos inteiramente diferentes, a habitual falta de planejamento de elencos e a inexistência de uma política e de um projeto de transição das categorias de base para o profissional, vêm se constituindo, ao longo dos tempos, em um gargalo intransponível para muitos e muitos garotos que vão do céu ao limbo e depois descem ao fogo do inferno, frustrando suas expectativas de uma carreira sólida e vitoriosa.

Já escrevi outras vezes e nunca é demais lembrar que, entre os atleticanos mais antenados outra crítica sempre ganhou corpo e, em muitas rodas e grupos, se tornou um consenso, segundo a qual, enquanto o Atlético continuar mantendo relações no mínimo equivocadas com empresários e se mantiver refém de credores, negócios temerários irão continuar acontecendo indefinidamente diante dos olhos de uma torcida apaixonada, mas, por vezes, passiva, não reativa e, quase sempre, impotente.

A bem da verdade e da justiça é forçoso reconhecer que nesses dois ou três últimos anos, mais precisamente a partir da contratação de Sampaoli, o Atlético, apesar de algumas turbulências normais no futebol, vem mantendo o treinador e apostando na continuidade do trabalho. Foi assim com Sampaoli e com Cuca e vem sendo assim com o turco Mohamed. Mas, nem tudo são flores e a simples troca de um comandante, ainda que necessária, prudente, acertada e feita no momento certo, já é suficiente para produzir mudanças no ambiente de trabalho que não podem ser desprezadas sob pena de se pagar um alto preço no futuro.

Em qualquer empresa ou instituição as chegadas e as saídas de novos funcionários, independentemente de sua posição na escala hierárquica da organização, alteram os paradigmas e afetam o ambiente interno. No futebol também é assim.

Em recente entrevista, o técnico Lisca disse que, em uma conversa com ele, Cuca teria lhe revelado que não teria ficado no Atlético após as conquistas históricas de 2021, porque sabia que seria muito difícil manter o Atlético no topo aonde chegou. E por que seria tão difícil assim a ponto de fazer um técnico extremamente vitorioso pegar o seu boné e dar no pé?

Não é difícil intuir que Cuca, sanguíneo por natureza, temia que, continuando à frente do Atlético, teria que enfrentar um desgaste absolutamente natural, mas para ele totalmente indesejável, talvez insuportável. Afinal, comandar um elenco tão pesado quanto o do Galo não é fácil. E, claro, o treinador não saiu incólume, tendo acumulado diversos atritos, o que, também, é mais do que normal. “Imagina o que é administrar um grupo onde todos querem jogar”, teria dito Cuca para o seu companheiro de profissão. E ”tem que ver as histórias que ele me contou, mas que eu não posso revelar para vocês”, emendou Lisca.

Assim, somando-se tudo isso a uma exigência cada vez mais crescente e dura da massa atleticana para que o time repisasse as conquistas de 2021, acrescentando no bornal dos canecos os títulos da Libertadores e do mundial interclubes, em um cenário de provável, quase certa, reconstrução do elenco, em razão das saídas já efetivadas e de outras tantas já “anunciadas” e que, para muitos, inevitavelmente acontecerão na próxima janela do meio do ano, manter o Galo no topo seria uma tarefa indigesta da qual ele abdicou.

Não se monta ou remonta um time da noite para o dia. Demanda tempo, trabalho, paciência, ajustes e correções de rota. Cada jogador tem a sua capacidade própria, individual, de assimilação de uma ideia de jogo nova. As velocidades de assimilação de cada jogador a uma nova função, a um novo posicionamento, a um novo clube, uma nova cidade ou um novo país, são diferentes. Ninguém é igual a ninguém. Embora até um neófito de futebol saiba de tudo isso, para o torcedor atleticano nada disso existe ou importa.

Não sem razão, pois, o jogador de futebol, ainda que o queira bastante, por vezes não pode ou não consegue realizar em nível de excelência a função confiada a ele. Como entregar o que eu não tenho ou não posso?

Por fim, alerto ao exigente torcedor atleticano que a próxima janela do meio do ano que já é a razão de inúmeros pesadelos que vem tirando o sono de um número cada vez mais significativo de galistas apaixonados, eu entre estes, poderá e, quase que certamente, produzirá transformações no elenco atleticano e na forma do time jogar que, independentemente da qualidade de quem sair e de quem, porventura chegar, serão significativas e tornarão mais distante ainda o querer ganhar títulos do poder e conseguir conquista-los.