Coluna Preto no Branco: Projeto ou “pôjeto”? Eis a questão!
Foto: Bruno Cantini / Flickr oficial do Atlético
Max Pereira
06/07/2020 – 04h00
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Nesse 2020, pandêmico e prenhe de incertezas, a palavra projeto entrou no vocabulário atleticano revestida de um ufanismo quase religioso e com tal frequência, que mostra a certeza de grande parcela da torcida de que, finalmente, o Glorioso alvinegro das Gerais encontrou a solução definitiva e acertada de todos os seus problemas e está no caminho, sem volta, de se tornar um dos maiores clubes, não do Brasil apenas, mas do mundo.
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Será mesmo? Fiel ao meu espirito provocador e amante da duvida, permito-me a fazer o papel do advogado do diabo a partir da minha experiência, do meu conhecimento, da análise da historia do clube, dos fatos que o cercam e à luz da realidade atual do futebol brasileiro e do papel dos agentes internos e externos envolvidos.
Tem gente que parece que veio ao mundo para marcar uma época, para fazer historia ou simplesmente para se tornar um marco em uma profissão ou em uma determinada área de atuação. No futebol alguns nomes bem familiares a todos nós cumpriram bem essa missão.
Um dos exemplos clássicos de alguém que veio para ser um marco na área em que militou no futebol foi o ex-árbitro, já falecido, Armando Marques.
Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques foi um dos mais controvertidos e discutidos árbitros da história do futebol, como atesta Milton Neves em seu Blog “Que Fim Levou”.
Armando Marques é tido por alguns, com absoluta justiça e razão, como a maior referência brasileira do apito.
Não obstante suas atuações, na maioria absoluta dos jogos que comandou, tenham sido irrepreensíveis, ganhou má fama por cometer erros históricos. Sua carreira impar e personalista o fez ser amado e odiado por torcedores, jogadores, dirigentes e cronistas esportivos.
A busca pela perfeição e o exercício da autoridade imparcial e acima das emoções clubistas e regionalistas fizeram de Armando um arbitro diferenciado e que mudou definitivamente a arbitragem nessas terras tupiniquins.
Armando Marques foi o único árbitro até hoje que, ainda em atividade, admitiu publicamente a paixão por um clube de futebol, o Fluminense do Rio de janeiro. E, menos de duas semanas depois dessa declaração, foi escalado, sem qualquer objeção do Flamengo par apitar um Fla x Flu decisivo. E o fez de forma notável.
Assim como o folclórico e polemico arbitro, Telê Santana que foi técnico do Atlético por mais de uma vez e levou o Galo ao seu titulo brasileiro de 71, também foi um marco na historia do futebol brasileiro, particularmente para os treinadores de futebol no Brasil que o sucederam e nele passaram a se espelhar.
Aliás, o Galo foi primeiro gigante do futebol brasileiro a abrir as portas para o “Fiapo de Esperança”, como o treinador era carinhosamente chamado pelos torcedores do tricolor carioca nos seus tempos de jogador e ídolo.
A relação entre os treinadores e os clubes de futebol no Brasil, entre técnicos e jogadores e entre aqueles e a imprensa brasileira mudou radicalmente com Telê Santana.
Personalista, disciplinador e absolutamente revel a qualquer tipo de interferência em seu trabalho, mesmo dos dirigentes, Telê foi o primeiro treinador que mostrou uma visão holística e diferenciada do futebol, buscando acompanhar e interagir com a base dos clubes onde trabalhou.
Mas, foi Vanderlei Luxemburgo, uma das crias mais bem sucedidas do fenômeno Telê Santana, quem forneceu a primeira visão científica e estruturada do trabalho de um treinador.
O “Profexô”, como é jocosa e carinhosamente chamado até hoje, inovou a arte de treinar um time de futebol, ao defender a importância de se construir e desenvolver um projeto que envolvesse uma equipe multifuncional e disciplinar, visando maximizar o rendimento e o desempenho dos atletas.
Ironicamente, onde colheu um dos fracassos mais retumbantes de sua vitoriosa carreira, sinalizando para muitos que, de fato, já estava em uma descendente sem volta, foi no Atlético que Luxemburgo pôde contar com a mais estruturada comissão técnica que teve ao seu dispor em toda sua brilhante trajetória.
Entre os nomes de ponta que formaram a sua equipe no Galo mineiro, destaca-se o do fisioterapeuta internacionalmente conhecido Nilton Petroni Vilardi Júnior, o Filé.
Filé tornou-se famoso por ter sido o fisioterapeuta que ajudou na recuperação do Ronaldo Fenômeno para a Copa de 2002, quando a volta do artilheiro era considerada praticamente impossível. Mas, Ronaldo, graças a Filé, acabou voltando em alto nível.
Filé trabalhou também no Santos, Palmeiras e na Inter de Milão, além da Seleção Brasileira. Atualmente trabalha como coordenador de fisioterapia do Fluminense. Particularmente, lamentei bastante que, com a saída tumultuada de Luxemburgo do Atlético, Filé também tenha deixado o clube.
E por que, então, o “pôjeto” do “Profexô” desandou e fez água, se Luxemburgo tinha conseguido reunir em torno de si a comissão técnica mais qualificada do futebol brasileiro daquela época?
Acreditei, e não vou esconder, que a chegada de Luxemburgo e de sua comissão técnica ao Atlético fatalmente iria significar o inicio de uma nova era para o clube.
Cheguei a acreditar que seria o fim de uma dissonância crônica entre todos os atores internos que sempre contracenaram nos intestinos do clube de forma canhestra e desarticulada, o que, ano após ano, vinha levando o Atlético ao caos, transformando o departamento médico em um hospital de campanha e comprometendo os resultados dentro de campo. Mera ilusão.
O hiato claro e corrosivo que havia e, de certa forma, ainda há, dentro do Atlético, entre uma forma e uma visão profissional e estruturada do trato do clube e do futebol, e a tradição feudal e fechada de governança e gestão, fez com que a experiência capitaneada por Luxemburgo fracassasse e, obvio, engordasse sensivelmente o passivo atleticano que já não era desprezível.
O calcanhar de Aquiles atleticano e que sempre feriu de morte todas as iniciativas e todos os projetos que visavam dar ao clube uma fisionomia minimamente profissional e transparente, não permitindo que nenhum deles florescesse, sempre foi a visão mofada e ultrapassada de gestão que vem marcando a história do Atlético há décadas.
Não à toa, e como já escrevi por mais de uma vez, o Atlético se tornou, se não o mais fechado, um dos mais fechados clubes do Brasil, onde transparência se tornou peça de ficção e a comunicação institucional, crônica e intencionalmente deficiente.
O Atlético de hoje vive um momento singular. Estrangulado por uma divida estratosférica e, até então, gerido de uma forma que apenas conseguia agudizar a sua já extremada situação financeira, o clube, sem conseguir apontar soluções e vislumbrar qualquer horizonte tranquilizador, se viu forçado a buscar alternativas absolutamente contraditórias com a sua clássica visão feudal de governança e gestão.
Tendo diante de si um horizonte incapaz de vislumbrar alternativas concretas e viáveis de diversificação e maximização da receita e, premida pelo medo de acompanhar o seu mais tradicional rival nessa insólita e terrível viagem (de volta incerta) ao fundo poço, a diretoria atleticana se agarra a duas taboas da salvação.
Primeiro, a ajuda inestimável e “graciosa” de parceiros que caíram do céu e, segundo, a contratação de quatro auditorias externas que, em princípio, visariam dar ao clube caminhos, formas e opções de se reestruturar e sair de vez dessa areia movediça na qual o clube mergulhando.
Enquanto se mostra o clube mais agressivo nessa pandemia e acaricia o imaginário de seu apaixonado torcedor, o Atlético, paradoxalmente, se contorce em mais uma de suas eternas crises politicas, chega ao segundo semestre de 2020 sem apresentar o oficialmente balanço do ano anterior, sinaliza que vai perder passivamente ativos de seu elenco sem qualquer retorno, vê seu passivo trabalhista crescer geometricamente, faz malabarismos para rolar suas dividas mais imediatas e deixa inúmeras dúvidas e preocupações na cabeça e na alma daqueles galistas menos eufóricos e mais prospectivos em relação à vida financeira e administrativa desse Galo esquizofrênico e, ao mesmo tempo, apaixonante.
Parceiros e diretoria defendem os investimentos massivos que estão sendo feitos e buscam tranquilizar a massa, dizendo que ao Atlético não está sendo imposto qualquer juro escorchante e o que clube só vai pagar o que puder e quando puder.
Como bom jogador de “truco” guardo o meu “zap” na manga e jamais gostaria de gritar: “Meio-pau”! “É Truco, seu, Moço”!” “Vale seis !!!”. “Lugar de pato é na lagoa”.
O certo é que esse projeto, no qual os parceiros estão encorpando significativamente o elenco atleticano, apostando em um retorno alvissareiro de médio a longo prazos, está exigindo do alto comando atleticano um nível de criatividade e gestão que, a meu ver, é bastante complexo e pode ser muito grandioso para as suas possibilidades.
O desafio de Sette Câmara, se ele efetivamente deseja ver este projeto consolidado e o Atlético definitivamente viável e se agigantando, é romper de vez com as amarras feudais.
Curiosamente seus parceiros têm a mesma origem e o mesmo trânsito na politica comezinha do clube. Se isso pode ajudar ou pode atrapalhar, quem viver verá. Torço para que não atrapalhe.
A necessidade faz o sapo pular. E é nela que reside a única esperança do Atlético.
Projeto ou “Pôjeto”? Eis a questão posta nas mãos de Sette Câmara, de seus pares e dos próprios parceiros.