Coluna Preto no Branco: Coisas do Atlético, o clube dos contrastes
*ESTE TEXTO É DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR. NÃO REFLETE NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO PORTAL
Por: Max Pereira, colaborador independente
Dizem que o Atlético é o clube dos paradoxos. E não é que é mesmo! Enquanto, por exemplo, o Footstats aponta o Galo entre todos os times do Brasileirão 2022 como o primeiro em gols (11), o primeiro em finalizações (128), o primeiro em finalizações no alvo (45), o primeiro em média de finalizações (9,9) e o segundo em média de finalizações certas (6,4), o time ainda não consegue encantar o seu torcedor, não consegue inspirar confiança, ora se mostra tenso, ora entorpecido, e vem gerando críticas, celeumas e dando aos inimigos e adversários oportunidades de deflagrar crises e corromper o ambiente sabidamente saudável intramuros da Cidade do Galo.
A marca indelével do atual elenco atleticano, apesar das saídas de vários atletas a partir do final da temporada passada e ainda sem reposição, foi e vinha sendo, ao contrário do grupo do biênio 2013/2014, quando o “Eu Acredito” saiu das arquibancadas e embalou o time conduzido pela magia do Bruxo e abençoado pelos milagres de um goleiro que se tornou santo, fazer a Massa acreditar e confiar, porque ela via em campo, uma equipe mostrando uma absurda resiliência aos maus momentos, uma capacidade fantástica e inabalável de superação e uma vontade imorredoura de vencer e de ser campeão.
Mas, eis que este time, hoje atravessando momentos de instabilidade emocional e mental, que vêm tirando o brilho de suas atuações e contraditando os números reconhecidos e divulgados pelo Footstats, obteve da massa alvinegra o alimento vital para consolidar uma vitória diante do Dragão que corria claros riscos de escorrer entre os dedos atleticanos. A mística atleticana do “Eu Acredito” voltou sob a forma do jogar junto, do estamos aqui e vocês não estão sozinhos.
O décimo segundo jogador entrou em campo com a autoridade e força que lhe é própria e, por meio do grito de GALÔÔÔÔ!!!, fez com que os onze atleticanos que estavam dentro das quatro linhas resgatassem aquela capacidade de superação que parecia perdida e exorcizassem aquele torpor que os estavam engolindo desde que retornaram dos vestiários para a etapa complementar. Torcida e time se misturaram em uma simbiose de energia, força e vontade, reeditando os grandes e apoteóticos momentos da Massa alvinegra jogando junto com time do coração.
O time que este ano já conquistou o bicampeonato mineiro e confirmou em campo o que já era de fato e de direito, ou seja, Supercampeão do Brasil, lidera seu grupo na Libertadores, já encaminhou a sua classificação para a próxima fase da Copa do Brasil e, ainda que aos trancos e barrancos, é o segundo colocado na classificação geral do Brasileirão 2022, vem deixando claro que nem tudo são flores na Cidade do Galo.
A equipe atleticana parece ter perdido a alegria de jogar. Os jogadores raramente sorriem. Até mesmo as comemorações dos gols têm sido feitas com o semblante anuviado, em tom de desabafo. O nervosismo claramente exibido por alguns atletas talvez justifique as contusões musculares que vêm ocorrendo. A tensão faz os músculos se retesarem e, quando forçados, podem se romper.
Hulk há algum tempo, Arana recentemente, Nacho há poucos dias e Hulk novamente após o jogo contra o Xará Goianiense exaltaram as qualidades e o trabalho de Antonio Mohamed. De comum em todas estas declarações ficou a impressão de que o Turco é mesmo bom de grupo.
Mas, ainda assim, não escapa até aos olhos do mais incauto dos observadores que alguns jogadores vêm encontrando muitas dificuldades em assimilar e em desenvolver a ideia de jogo do treinador o que, aliás, é absolutamente normal, vez que as velocidades de adaptação e de leitura tática dos atletas são diferentes, tanto quanto eles são diferentes entre si. Não existe ninguém igual a ninguém. Cada um de nós é único no cosmos.
E nada mais natural que aquele jogador que mais demora a absorver o plano de jogo do treinador mais vai demorar a render o que dele se espera, mais vai se tornar alvo da intolerância da torcida e vai começar a perder espaço no time titular. E isso pode gerar insatisfações e minar o ambiente. A um, porque o próprio atleta vai se sentir desprestigiado pelo treinador e, a dois, porque os seus empresários começarão a pressionar para que ele seja escalado e ou até negociado. Aliás, este é um filme que temos assistido no clube com uma frequência indesejável. Trabalho e desafio para Mohamed e aqueles que cuidam do futebol atleticano.
Dizem que paciência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Mas, acerta quem diz que no universo atleticano a palavra paciência quase nunca é lembrada e ainda menos praticada. No seio da Massa, então… . O mercado da bola, aquela praia onde o Atlético quase sempre nunca se dá bem e morre afogado, é outra fonte de paradoxos e, claro, de ebulições que fazem o mundo atleticano ferver. O frenético quem sai e quem chega, ora tira o atleticano do sério, ora faz o torcedor sonhar e exigir soluções, algumas impossíveis, outras temerárias, ora congestiona os intestinos do clube.
Se dentro das quatro linhas o Atlético tem evidenciado com clareza meridiana que os interiores alvinegros estão sendo sacudidos por alguma intempérie ainda de contornos nebulosos para a grande massa torcedora atleticana, as notícias que vêm dos bastidores estão deixando mais dúvidas do que certezas e mais perguntas do que respostas nos corações e mentes galistas.
Como pode um clube que bateu os seus recordes históricos de receitas, amealhou as maiores premiações já distribuídas a um clube brasileiro na história do futebol tupiniquim e fechou a temporada passada com lucro, i.e., com superávit orçamentário, que possui o maior patrimônio entre os clubes brasileiros, iniciar 2022 com pires na mão, anunciando que precisa vender os 49.9% restantes do Shopping e cumprir a meta orçamentária de venda de jogadores prevista para este ano, sob pena de se inviabilizar? Apenas o clube dos contrastes poderia protagonizar uma situação tão estranha quanto intrigante como esta. Coisas do Atlético?
De repente um turbilhão de monstros surgiu do nada e passou a levar o atleticano a ter pesadelos sem fim: dívidas bancárias exorbitantes, juros explosivos, contrapartidas milionárias e abusivas que estariam colocando a viabilidade da Arena em risco, mudança de discurso e de rota no projeto atleticano. 2022 que, em princípio, seria o ano dos grandes investimentos e da montagem de um time estelar para a inauguração da nova Casa atleticana, passou a ser o ano da contenção, do enxugamento das finanças e do elenco atleticano.
De repente o “rico”, “poderoso” e supercampeão, o temível super adversário a ser batido no futebol brasileiro, se transformou em um clube dividido entre um frenesi vendilhão e um time claramente doente que reflete exata e induvidosamente os contrastes gerados em seus bastidores. Coisas do Atlético, o clube dos paradoxos?