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Por Max Pereira @pretono46871088 @MaxGuaramax2012
No artigo “UMA REVOLUÇÃO NO FUTEBOL ESTÁ A CAMINHO. O GOVERNO BEM QUE PODERIA COPIAR”, o jornalista, blogueiro e atleticano Ricardo Kertzman, vaticina, com rasgado otimismo, tempos áureos e de protagonismo atleticano no cenário mundial a partir do que ele descreve como um dos melhores, maiores e mais promissores “turn over” empresariais – e esportivo – do momento no Brasil e que, segundo ele, por obra e graça dos 4 R’s, estaria em curso no Atlético.
Depois de lembrar que sucessivas administrações passadas, umas por incapacidade e falta de boa vontade, outras por irresponsabilidade e sede de poder, outras ainda por má fé e práticas condenáveis de uso da Instituição em benefício próprio, haviam tornado o clube inadministrável e irrecuperável, e de destacar que empreguismo, favorecimento pessoal, salários exorbitantes, transações temerárias, mentiras e politicagem – inclusive a política pública – se misturaram, sobretudo nos anos recentes, e destruíram o Clube, Kertzman comparou o Atlético a uma carreta sem freios, pesada e desgovernada, que rumava ao precipício cada vez mais próximo, dando cada vez mais sentido a uma comparação direta com o maior rival local. E, segundo ele, esse cenário tem tudo para ser revertido por meio das medidas anunciadas no Galo Business Day.
Tudo indica que o Atlético está passando mesmo por um processo revolucionário. Pelo menos no discurso e na intenção o Galo mais querido do mundo parece estar rompendo de fato com a série histórica de gestões cartoriais e amadoras, cujo legado é trágico e aterrador. Que o Atlético de hoje já é bem diferente daquele clube de alguns anos atrás é induvidoso. Se o clube, à luz de sua história, foi sempre marcado por paradoxos, agora também não é diferente.
Não sem surpresa o balanço recém-apresentado pelo clube mostrou que a dívida atleticana atingiu valores que ultrapassam 1 bilhão de reais, mais precisamente algo em torno de 1 BI e duzentos milhões, o que, em si, seria o prenuncio de um fim melancólico. Porém, ao mesmo tempo o clube apresenta um modelo de plano de equalização e de superação desse passivo estratosférico e, em princípio impagável, tendo como carro chefe a possibilidade de venda do restante do Shopping. A ideia é simples: com a grana na mão o clube teria melhores condições de renegociação e barganha.
Premido pelos juros que, ano após ano, vêm corroendo a saúde financeira do clube, o grupo gestor entende que é vital para o futuro do Atlético estancar de vez essa sangria, o que significa abandonar a pratica recorrente de enxugar gelo. Os juros corroem cerca de R$ 60 milhões dos cofres do clube todos os anos. Portanto, é um dinheiro que, simplesmente, vai para o ralo. Para isso, zerar estas dívidas e amarrar todo o projeto na reforma do estatuto são metas indissociáveis. Ou seja, zerar as contas com juros e equilibrar.
E como ficariam as dívidas fiscais e com os 4 R’s? As primeiras já estariam sob controle graças à tão alardeada posição confortável do Atlético no Profut e os mecenas não teriam juros nos aportes que fizeram a partir de 2020. Eles irão esperar até quando para executá-las? Quem viver verá.
Algumas questões levantadas do Galo Business Day merecem atenção e vigilância:
- Reduzir a dívida para 314 milhões em 2026 significa grosso modo a realização de um lucro anual de cerca de 175 milhões em média durante os próximos 5 anos. Uma meta extraordinária, ímpar na história do futebol brasileiro.
- Valor do elenco: o clube estima o elenco atual em torno de R$ 650 milhões, o que é apenas uma expectativa e, portanto, sem nenhuma garantia de realização. O valor de mercado do jogador de futebol é algo sempre fluido, pois varia com a idade, o momento do atleta e do clube onde estiver empregado. Com vários jogadores acima dos 30 anos o Atlético, caso não consiga renovar o grupo regularmente com joias reveladas em suas categorias de base, jamais poderá contar com este valor estimado.
- Receita de vendas: o Atlético estima faturar anualmente cerca de 120 milhões com a venda de jogadores. O clube parece se esquecer de que as contratações de jogadores mais jovens que têm potencial de revenda foram feitas pelos investidores que, por óbvio, reivindicariam o retorno de seu investimento.
- Lucro anual de 66 milhões com o estádio: Mais uma vez o clube aposta em um resultado que não se vê hoje nas mais diversas arenas brasileiras, cujos resultados, nem antes da pandemia, não passam nem perto desses números. E isso vale para as arenas de Palmeiras, Inter e Atlético-PR, tidas como as mais exitosas até o momento. E o que virá pós-pandemia, só o futuro dirá.
No artigo “NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA…”, publicado em 29 de abril passado nessa coluna, lembrei que “como diz o companheiro Betinho Marques, o Galo Business Day deve ser recebido como uma carta de intenções. De boas intenções. Mas, apenas isso”.
Escrevi, ainda, que “muito se fala em apoiar e em acreditar no projeto. Mas, para jogar junto, é preciso mais que apoiar e acreditar. É preciso acompanhar, vigiar, cobrar e participar. Ou seja, é fundamental que os fóruns que o clube garante disponibilizar para que a sua massa torcedora possa sempre se inteirar de todo o processo, como o Portal de Transparência, sejam efetivamente construídos e disponibilizados. Só assim será possível jogar junto, subverter a história e fazer o Atlético vencer o sistema”. E, claro, derrotar as suas próprias idiossincrasias.
E, por falar em sistema, faz-se necessário destacar outras questões que extrapolam os interiores do clube, mas que podem afeta-lo no futuro de maneira radical e sem volta.
O senador da República Carlos Portinho (PL-RJ), relator do projeto de lei sobre a criação dos clubes-empresa, informou que a ideia é que seu projeto permita a mudança dos clubes de associações para sociedades anônimas, seja com capital aberto ou capital fechado. E, por isso, conversou com dirigentes, sindicatos de atletas, advogados desportivos e agentes de futebol a fim de formatar o texto que está prestes a ser votado no Congresso Nacional já em meados deste mês de maio.
O projeto prevê que os investidores brasileiros terão incentivos fiscais e outros benefícios para assumir as dívidas dos clubes e, em consequência, serão os credores os controladores das novas “empresas”. Há também um lobby violento de investidores estrangeiros que há muito monitoram o futebol brasileiro querendo entrar no mercado nacional para, além de adquirirem o controle acionário dos nossos novos clubes empresa, claro, contarem com diversos benefícios para investirem no país, em particular facilidade de remessas de lucros para o exterior. Gente, portanto, que não tem e não terá nenhum compromisso com a tradição, com a história, com identidade e a essência dos nossos clubes.
Se de um lado é fato que a forma de gerir futebol evoluiu muito e que a gestão de futebol de um clube grande não permite mais improvisar, de outro, a meu ver, os clubes não podem ser transformados em empresas sem determinados cuidados. E um deles, na contramão do que muitos dizem, é a preservação da identidade, das cores, dos símbolos, enfim da essência do clube.
Que o futebol é um negócio multibilionário é uma verdade inquestionável. Mas, que os valores culturais e a essência do futebol brasileiro devem ser respeitados, não tenho a menor dúvida. Não me vejo e não vejo nenhum outro torcedor, seja ele quem for, torcendo por e para empresas. E, também, não me vejo em um estádio gritando “Red Bull”, “Red Bull”, “MRV”, “MRV”, “BMG”, “BMG”. E, tampouco, gostaria de ver o Atlético entrando em campo vestindo azul ou vermelho e preto ou qualquer outra combinação de cores que não fosse o tradicional preto e branco. Olhem o exemplo do Bragantino, clube que nasceu alvinegro e que hoje desfila pelos gramados mundo afora trajado de azul e vermelho, vermelho e branco, i.e., ao sabor das cores, da identidade e da vontade do “dono” Red Bull.
O que aconteceu com o voleibol no Brasil também chama a atenção. A partir daquele primeiro momento em que algumas equipes-empresas (Bradesco, Pirelli, etc.) encantaram o público e o esporte cresceu, a sua evolução como negócio refluiu porque, sem tradição e sem raízes, esses times deixaram de empolgar. O vôlei ainda resiste com a entrada dos chamados clubes bandeira como o Atlético no passado, o Minas, o Flamengo¸ o próprio rival azul e outros no presente. E são exatamente os clubes bandeira que ainda dão vida a diversas modalidades de esporte no país. O próprio rubro-negro carioca, por exemplo, dá sustentação ao basquete nacional, onde praticamente não tem rival na atualidade, e também ao remo brasileiro.
Mais uma vez recorro ao grande Betinho Marques: “a cultura e a brasilidade não podem ser desprezadas”.
Os estados do Sul têm forte influência europeia e a mudança do nome do Furacão com o acréscimo da letra “H” só funcionou por isso, não obstante ter causado desconforto e rejeição entre muitos atleticanos de lá.
Nenhum clube de futebol, ainda que transformado em sua constituição social, jamais será apenas uma empresa como outra qualquer, que precisa, para crescer e ter sucesso, buscar tão somente a excelência administrativa e o lucro.
Serve de alerta para o Atlético e os demais clubes brasileiros o que aconteceu recentemente em Manchester, Inglaterra. Horas antes de o Manchester United enfrentar o Liverpool, centenas de torcedores se organizaram na porta do Old Trafford para um protesto contra os donos do clube. Os torcedores exibiram faixas pedindo a saída da família Glazer do comando da equipe de Manchester.
Os irmãos Joel e Avram Glazer são alvos antigos da torcida do Manchester United, que protesta há muitos anos sobre a forma como a família vem conduzindo o clube que eles herdaram de seu pai, Malcom, empresário norte-americano que foi comprando ações de outros empresários no começo deste século. Os irmãos, aos poucos, foram tomando medidas de gestão que irritaram a torcida, principalmente a abertura do capital do Manchester United na bolsa de Nova York, que estariam afastando o clube inglês de suas tradições.
O Atlético é e sempre será mais que uma empresa qualquer. O Galo é, além de entidade, uma identidade a ser cuidada e preservada. É uma entidade simbiótica, que traz em seu DNA a alma, o sangue e a paixão de sua torcida. É uma identidade híbrida e, portanto, ímpar e única. E essa identidade tem que ser demarcada, cultivada e cuidada para todo o sempre, amém.
Mas, atenção: o Atlético só arrostará seus desafios com sucesso e se estabelecerá definitiva e perenemente na prateleira de cima do futebol mundial se, e somente se, passar por uma profunda reformulação e uma radical mudança de conceitos quanto à sua gestão. Ou seja, quando o discurso atual se ratificar na pratica, o que, necessariamente, não passa pela sua transformação em clube-empresa. O que importa é a qualidade da gestão.
Uma transformação que necessariamente deverá buscar uma nova filosofia quanto à gestão da entidade, ao trato transparente de suas ações, negócios e contas e ao cuidado com a sua marca. E, para se construir esse Atlético do mundo é preciso romper definitivamente com essa nefasta tradição da descontinuidade. Governança, compliance (auditoria), valorização da marca, transparência, comunicação e marketing, planejamento e profissionalismo deverão ser os pilares do novo Atlético.
A renovação, modernização e profissionalização de qualquer clube passam, de forma imprescindível, por mudanças em seu Estatuto. E essa é uma bandeira legítima que deve ser defendida por todo e qualquer atleticano em todos os fóruns a que tiver acesso. O estatuto de um clube é a sua espinha dorsal, vez que define o conjunto de normas que norteiam a gestão, o Conselho Deliberativo e os demais órgãos que o próprio novo “mandamus” estatutário por ventura vier a prescrever.
Isso vem ao encontro do alerta de Kertzman: “é providencial uma reforma estatutária que assegure, ao longo das décadas futuras, a continuidade do trabalho e o retorno dos investimentos que estão sendo implementados”.
Modernizar o estatuto é uma necessidade imperiosa, pois objetiva evitar, de uma vez por todas, que o clube jamais volte a passar por situações parecidas com as atuais. Se aprovado o estatuto vai amarrar o clube contra ações que o façam definhar e, também, viabilizar todo o processo de resgate da saúde financeira do clube. E não se iludam, o comando alvinegro sabe que reformar o estatuto e dar fim de vez a esse modelo cartorial de gestão que tem conduzido e infelicitado o clube ao longo dos anos não vai ser fácil. Uma batalha se anuncia.
Sou um eterno e contumaz defensor de que as torcidas participem intensa e diligentemente da vida política e na até mesmo da formulação das estratégias dos clubes e, óbvio, com filtros e regras claras e transparentes de participação e governança.
Não se costuma dizer que as torcidas são a razão de ser dos clubes? Ao mesmo tempo em que dizem que o torcedor é o verdadeiro “dono” do clube, aquele que dá identidade e força à agremiação que ama e venera, muitos, de forma incongruente e paradoxal, intencionalmente ou não, veem com reservas o que chamam de “intromissão” do torcedor na vida intestina e nos meandros políticos do clube do coração. Por isso, falar em abrir a política e os fóruns decisórios do clube aos seus aficcionados, “in casu” ao sócio torcedor que contribui e ajuda financeiramente a sustentar a máquina atleticana, é uma heresia.
A meu ver, o Atlético caminha inexoravelmente para se transformar em clube-empesa. Mas, e a participação de sua torcida e, em especial, do sócio torcedor nesse processo? Você sabia que um estatuto moderno e democrático lhe permitiria, por exemplo, na qualidade de sócio torcedor, e por meio dos fóruns próprios, reformar ele próprio? E mais, sabia, também, que, por hipótese, todos (as) os (as) sócios (as) poderiam propor emendas ao Estatuto, também na forma e modo nele estatuídas?
E aí? O que você gostaria de mudar? O organograma e a estrutura do clube? As regras para a eleição do Conselhos? As regras de gestão do clube? Os direitos e deveres dos (as) associados (as)? A forma como o futebol e a base devam ser geridos? O trato das contas do clube? Outras mudanças?
Nada disso, porém, será possível se o atleticano não se mobilizar. Nada disso será factível se o atleticano não compreender o seu papel nesse processo. Nada acontecerá se o atleticano não assumir o seu lugar de agente dessa história de resgate e de renovação desse Atlético tão amado. Enfim, nada será possível se não for construído com a sua participação.
Para que o Atlético possa vencer dentro de campo a todo e qualquer adversário, como deseja e sonha qualquer atleticano, é preciso, mais que torcer e acreditar, juntar esforços para que o clube vença também todas as batalhas fora dos gramados, que são muitas, complexas e que estão ainda muito longe de serem vencidas. Qualquer vacilo, o retrocesso será fatal.