PRETO NO BRANCO
VIGIAR, QUESTIONAR, PROVOCAR, COBRAR E INCOMODAR, A MISSÃO
Por Max Pereira
@pretono46871088
@MaxGuaramax2012
Enquanto continua tropeçando e vendo o sonho do título brasileiro ficar distante e, ainda brigando pela conquista de uma vaga direta na próxima Libertadores, o Atlético-MG vive um período de transição fora das quatro linhas com a chegada de uma nova diretoria executiva. Dentre todas as áreas que passam por reformulações está a diretoria de futebol que, recentemente, trocou de mãos. E é justamente aqui que deverão ser resolvidas questões importantíssimas e pendentes. Tarefa delicada e complexa para o diretor de futebol Rodrigo Caetano, que chegou há menos de 30 dias ao clube, e para o colegiado gestor.
É vital para o clube, por exemplo, definir de forma inteligente, cuidadosa e responsável o destino de mais de 20 atletas emprestados pelo clube, a maioria de garotos mal aproveitados na transição da base para o profissional, e que têm retorno programado à Cidade do Galo, a maioria ainda nesse primeiro semestre de 2021.
À luz do que foi divulgado até agora a preocupação central do comando atleticano é desonerar a folha salarial e, para isso, o clube vai buscar dispensar, vender ou recolocar estes atletas em outros clubes por meio de empréstimos, com o Atlético sendo o responsável pela menor parcela ou por nenhuma fatia dos vencimentos.
Se este for o único critério é muito preocupante. Historicamente a transição das categorias de base para o profissional tem sido problemática no Atlético. Os garotos são jogados em uma espécie de limbo, mal aproveitados e, por vezes lançados fora de sua zona de conforto e de suas características. Vide o caso de Bernard, exemplo emblemático, lançado na lateral direita de forma irresponsável por Dorival Junior que contou com a omissão do comando da época.
A grande maioria acaba mergulhando sem volta no inferno e têm as suas carreiras comprometidas para todo o sempre. Poucos, muito poucos, como o próprio Bernard, acabam alcançando o céu.
Preocupa bastante, também, o fato de vários garotos de idades entre 15, 20 anos estarem escondidos por tempo demasiado, apenas treinando no time de transição e servindo de “sparing” da equipe principal. Sem jogar e sem disputar qualquer competição, estes garotos não têm como amadurecer e evoluir.
Por mais que o clube se utilize de profissionais gabaritados e de métodos e instrumentos modernos de avaliação, jogar e competir são insubstituíveis ao desenvolvimento de qualquer atleta. E mais: faz parte da formação desses garotos aprender a ser campeão, a gostar de ser campeão, a querer ser campeão, a buscar e a fazer por onde ser campeão e, isso só se aprende, só se absorve, só se introjeta em cada um competindo.
Sem poder avaliar corretamente os garotos do time de transição, o que só seria possível com uma sequência de jogos e competições, o Atlético fatalmente fará dispensas equivocadas.
Futebol não é ciência exata. São muitas as variáveis que podem determinar para o bem ou para o mal o futuro de um garoto no futebol. Escondidos, sem jogar, sem serem curtidos nas competições, sem sequência e inseridos em um ambiente de indefinições ninguém rende.
Certos gastos representam investimentos e não podem ser reduzidos ou evitados. Sem investimentos não há retorno. O mínimo que se espera é que o clube dê condições para os garotos mostrarem serviço. A história do clube indica que urge ao Atlético repensar o aproveitamento dos garotos da base antes que sejam queimados, mal vendidos, mal emprestados ou simplesmente dispensados.
O calendário apertado vai ajudar o clube que pretende usar uma equipe mesclada de jogadores do time de transição, do sub 20 e de outros que vêm sendo pouco ou nada utilizados por Sampaoli. Chance e ouro para testar de fato no campo de jogo estes garotos que, normalmente, engrossariam a lista já interminável de jovens que apenas passaram pela base atleticana. Oportunidade também para que jogadores como Hulk, Tardelli e Blanco adquiram ritmo de jogo, para que garotos como Borrero e Alan Franco saiam definitivamente da casca de ovo e mostrem o seu potencial e para que Zaracho, não só recupere o seu melhor condicionamento como também vença seus bloqueios e se adapte de vez ao clube e ao país.
E não é só a base que está sendo sacudida pela perspectiva de mudanças. O Atlético, sem perder o foco desta reta final de campeonato, também mostra que já pensa na próxima temporada. As escolhas e o planejamento do futebol para a sequência de 2021 como indicam a contratação de Hulk e o perfil de outros nomes que vêm sendo especulados mostram que o clube vai buscar, de fato, agregar experiência e maior qualidade ao elenco atual.
O desempenho irregular do time neste Brasileirão tem suscitado reações e diagnósticos variados. A paixão da torcida e a sua exploração midiática levam a interpretações que desprezam variáveis que têm que ser consideradas, debitando, única, exclusiva e injustamente às concepções táticas e à ideia de jogo de Sampaoli a razão dos desacertos e dos pontos perdidos. Isso não quer dizer que Sampaoli não erra. A pífia atuação do time diante do Goiás é prova inquestionável de que o argentino não é infalível e que, por vezes, ele também contribuiu de fato para um resultado ruim. Ele tem que ser cobrado sim, mas, as oscilações do time vão muito além disso.
Esquecem-se, por exemplo, que a pandemia, o surto de Covid, os remanejamentos da tabela, as contusões e a chegada de jogadores durante a competição, com condicionamentos físicos variados e dificuldades especificas de adaptação ao clube, à cidade e ao país, desequilibraram física e tecnicamente o já temerariamente reduzido elenco atleticano. Isso sem falar que o grupo atleticano é operário tático por excelência e de qualidade mediana. E, juntem-se a isso, as dificuldades, até certo ponto naturais e previsíveis, de assimilação da ideia de jogo do treinador. Por tudo isso, garantir uma vaga direta na próxima Libertadores já será um bom resultado para essa temporada absolutamente atípica.
Ah! Mas o time tal e o técnico tal com menos tempo e menos investimento fazem muito mais que Sampaoli e o Atlético conseguiram fazer até agora. Comparar experiências diferentes, com elencos, treinadores e propostas de trabalho também diferentes leva sempre a diagnósticos injustos. O atlético tem problemas próprios, dificuldades próprias e precisa identifica-los logo e resolve-los. É de se esperar, em razão disso, que na temporada que está por se iniciar, o clube não só supra o elenco de opções, mas dê condições ao treinador que o permitam experimentar, diversificar e ousar mais e com a eficiência que hoje não é possível. A experiência e os erros, que não são poucos e desprezíveis, devem servir de alerta e referência para que em 2021 o time não atravesse tantos percalços.
Quem sabe se nesse ano o Atlético exorciza de vez o fantasma da irregularidade que o assombra há décadas?
Mas, não são só as perspectivas de mudanças no futebol que sacodem o clube e dividem a atenção do torcedor com a corrida para o título. Entre recados a quem possa interessar e uma histórica falta de transparência, temperada por uma crônica incapacidade de proteger as suas informações estratégicas e os seus segredos de negócios e, em meio aos tradicionais e nebulosos vazamentos, na vida do Atlético as mentiras repetidas se tornam verdades, os fatos distorcidos ganham uma dimensão trágica e avassaladora, os maus negócios são sempre feitos e o clube sempre sai perdendo.
Onde há fumaça há fogo. E há também incendiários que precisam ser contidos e afastados de vez da vida do clube.
Assim e, em relação a tudo isso, o que pode e deve fazer o atleticano agora e depois? Vigiar, questionar, provocar, cobrar e incomodar. Duvidar e checar sempre. Para quem já venceu o vento, convenhamos, não é uma missão muito difícil.