Sampaoli, o talento e a mistica da camisa 10

Foto: Flickr oficial do Atlético

 

Max Pereira
01/09/2020 – 04h00
Clique e siga nosso Instagram
Clique e siga nosso Twitter
Clique e siga nosso YouTube

Clique e siga nosso Facebook

Jogo é jogado e lambari é pescado é um ditado popular. Para muitos é uma forma de se descrever uma vitória. Qualquer vitória? Não, é claro. Para se definir uma vitória que seja para o bem.

A frase é velha e faz parte do mundo da bola. Entre comentaristas e treinadores há sempre quem gosta de citá-la. O treinador Guto Ferreira é um deles.

Essa metáfora, tão ao gosto de muitos, nos lembra de que o jogo não acaba enquanto não termina. Pois, se é assim mesmo, que o time trate de pescar o lambari antes de convidar a torcida para saborear a fritada.

É que o lambari é um dos peixes mais difíceis de ser pescado. E, assim, como você só pode dizer que pescou o lambari quando ele efetivamente estiver em suas mãos, só se pode dizer que ganhou o jogo quando efetivamente a vitória se confirmar ao soar do apito final.

O Atlético de Sampaoli tem primado por provocar fortes emoções no seu torcedor até o fim de seus jogos, quando finalmente o lambari é definitivamente pescado, i.e., sem conseguir escapar do anzol atleticano. Nesse brasileiro, em duas pescarias em aguas revoltas, o arisco lambari escapou e a massa, convidada para degustá-lo, nada saboreou.

A ideia de jogo de Sampaoli prescinde de um gênio criativo? Sim e não. Sem poder utilizar Nathan, um jogador dono de uma aguda percepção tática e de um indisfarçável talento, e se recusando a escalar Cazares, indiscutivelmente um craque diferenciado e maior meia de criação em atividade no futebol sul-americano na atualidade, o treinador argentino se vira como pode e faz do futebol tático e de intensidade a sua maior arma.

Não que eu queira dizer que os jogadores utilizados por Sampaoli para armar o meio de campo atleticano sejam meramente operários. Não, não há espaço no time de Sampaoli para jogadores brucutus, apenas marcadores. Não confundir, pois, esse futebol de intensidade, de muita posse de bola e de muitas finalizações com o antigo futebol força.

A proposta de Sampaoli é inovadora e, como tal, carece de ajustes. Não atoa, o Atlético vem pecando pela falta de criatividade em seu meio de campo. Seja por razões médicas ou táticas, seja por falta de confiança em outras opções, Sampaoli, vem escalando, utilizando e rodando no setor de criação do time atleticano os mesmos jogadores. Para muitos atleticanos, mais do mesmo.

A ideia de jogo de Sampaoli parte de uma estrutura posicional com os dois meias-atacantes de beirada bem abertos pelos flancos, buscando gerar amplitude. Assim, estes dois homens não se movimentam com frequência por dentro. Já os dois laterais, quando o time tem a posse de bola, transformam-se em meias e se movimentam, via de regra, pelo meio.

Enquanto Nathan estava no time, o meio campo do Atlético era envolvente. A movimentação do meia/volante/falso9 furava as linhas e surpreendia o adversário.

Nathan dava ao Atlético rara inteligência tática. Sem ele, o time se apequenou e se burocratizou. E Hyoran, por seu turno, parece se ressentir das cobranças da torcida. Inseguro e muitas vezes desconfortável em razão de suas características, não consegue ser este tipo de protagonista que o time precisa.

A falta de imaginação do meio de campo atleticano sem Nathan é flagrante. E aí, um talento como o de Cazares não pode ser desconsiderado e, muito menos, aprisionado. Não atoa Sampaoli vem pedindo a contratação de um meia criativo.

Enquanto no Atlético o talento diferenciado continua apartado do jogo, na Tombense o veterano e engenhoso Ibson deu uma aula de percepção tática, experiência e malandragem.

No artigo NO ATLÉTICO NÃO EXISTE O MEIO TERMO. É 8 OU 80! defendi a ideia de que “somente um jogador diferente, que saiba fazer o diferente pode, em determinado momento e tempo, levar o time a desacreditar, com eficiência e sucesso, no plano de jogo inicialmente estabelecido e, em consequência, romper as barreiras impostas pelo adversário”.

Se Botafogo e Internacional mostraram no Brasileiro que os jogadores que vêm atuando no setor de criação da equipe ainda não mostraram este nível, a Tombense, apesar de ter perdido o campeonato, também provou que o Atlético está longe do ideal e tremendamente carente de talento criativo.

Ainda no artigo NO ATLÉTICO NÃO EXISTE O MEIO TERMO. É 8 OU 80!” escrevi e vale a pena repetir que defender a reintegração de Cazares significa defender a presença de um gênio criativo no time, de alguém que possa fazer possível o impossível.

Ou seja, alguém capaz de subverter o esquema tático e fazer o diferente, caso a fórmula ensaiada não esteja dando certo.

Não, não esperem de Cazares o mesmo jogo tático de Nathan. Enquanto este desequilibra o jogo para o Atlético, graças à sua absurda percepção tática, de Cazares deve ser esperado o insight do craque, o passe preciso, o drible desconcertante, a assistência mágica, a jogada individual diferente, a inventiva, a cobrança de falta certeira.

Nunca escondi que tenho uma forte e crescente impressão que alguém dentro do clube, de há muito, quer ver Cazares longe do Atlético. Não é informação. É apenas um sentimento.

Da mesma forma, começo a achar, também, que alguém, talvez o mesmo, fez a cabeça do treinador contra o equatoriano. Também não é informação. É achismo mesmo.

Esse sentimento é cada vez mais forte vez que, no meu entender, nada justifica o Atlético ter em sua folha de pagamentos um jogador desse nível, em condições legais e físicas, e não utiliza-lo.

“Cazares só joga quando quer”. Para um treinador que está montando um time e construindo uma ideia de jogo de alta intensidade e entrega, um jogador com estes “predicados” obviamente não interessa.

O curioso é que Sampaoli, ao buscar sedimentar a sua ideia de jogo, persegue, também, o amadurecimento tático de seus jogadores. Paradoxalmente, amadurecer significa descreditar da sacralidade das ideias. Aliás, não é o próprio treinador que tem buscado variar uma, duas, mais vezes, a proposta tática, a fim de fazer o time superar o seu adversário?

Caberia aos homens que conduzem os destinos do clube, ao empresário do jogador e a quantos mais dele se acercam, o amam e lhe querem bem, insta-lo a provar ao treinador que ele pode ser confiável. E, caberia ao treinador, dadas as qualidades indiscutíveis do craque, a se desafiar a fazê-lo querer jogar.

Algumas funções são peças chaves no esquema tático e o treinador, seja ele quem for, só vai atribui-las a quem confiar. Mas, futebol, também, é feito de desafios.

Ah! Alguém poderia me perguntar se Alan Franco, diante da emocionada e determinada exibição contra a Tombense, principalmente no segundo jogo da final, poderia ser esse jogador criativo.

Não, ainda não, embora ele tenha mostrado recursos táticos importantes, evolução dentro da proposta do treinador e que pode ser muito útil. Sorridente, mais encaixado no sistema de jogo e sentindo a camisa pesar cada vez menos, Alan Franco fez, no último domingo, a sua melhor partida com a camisa do Atlético.

Muitos defendem que o treinador dê oportunidade aos novos talentos da base e do time de transição. Qual seria a razão para que Calebe, Savinho, Alessandro Vinicius e Guilherme Castilho por exemplo, até agora não terem tido nenhuma oportunidade?

Para muitos Sampaoli passa a ideia de que ainda não confia nos garotos do time de transição. Na verdade, o argentino já deu a entender que, para ele, esses garotos ainda não estão preparados, da mesma forma que também deixou claro que jogadores como Mailton e Dylan Borrero ainda não entenderam a sua ideia de jogo. Apenas Bruno Silva tem merecido a chance de entrar no time.

É verdade que os jogos contra a Tombense já mostraram uma novidade transgressora: os meias-atacantes de beirada começaram a cair por dentro e a confundir a marcação e a dificultar a saída de bola do adversário. Marquinhos, por exemplo, a critério dele próprio acredito eu, nos minutos finais do segundo tempo, abandonou a ponta, assumiu a articulação no meio, pressionou a saída de bola da Tombense e, por fim, fez a assistência para o gol da virada de Keno. Oxalá seja o prenuncio da redenção da criatividade transgressora.

Mas, atenção: a bola pune. Todas as vezes que o lambari escorregar das mãos atleticanas vai ser, para a massa ensandecida e passional, um choque. Espero que seja de realidade e que sirva de lição. Que os homens que estão à frente do time e do clube, diretoria e treinador, tenham a humildade suficiente para reconhecer possíveis erros e rever seus conceitos.

Espero, também, que o torcedor, a partir de eventuais frustrações aprenda a cobrar com proficiência e diligência.

Nunca é demais lembrar que Sampaoli é genioso, irascível, elétrico e que é natural que qualquer jogador que nunca trabalhou com ele ou nunca executou determinadas funções que ele manda desempenhar tenha dificuldades de executa-las. É preciso de, parte a parte, paciência, tolerância, esforço, colaboração. E, claro, gestão qualificada de grupo, maior desafio de Alexandre Mattos, de Sette Câmara e seus demais pares e do próprio treinador.

Ao bom pescador é preciso paciência, tato, habilidade, perseverança e talento, muito talento. Caso contrário não conseguirá levar nenhum lambari para a panela.

Todo bom pescador sabe que jogo bom é jogado e que lambari só é valioso se for pescado.