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Preto no Branco: o Atlético do Cuca

Foto: Pedro Souza 

 

Por Max Pereira (@pretono46871088 @MaxGuaramax2012)

O Atlético desta nova era do treinador campeão da libertadores em 2013 tem despertado mil e uma emoções e um tanto de sentimentos controversos nos corações atleticanos. Entre jogos que afagaram intensamente o lúdico e a fantasia do galista apaixonado, o Galo de Cuca também proporcionou espetáculos de triste memória. É 8 ou 80, assim é o Atlético dizem muitos. Afinal, o Galo não é paradoxal por excelência?

O futebol é, talvez, o único esporte em que o time mais fraco ou menos qualificado pode surpreender e vencer o melhor até com certa autoridade e, por isso, é fascinante, apaixonante e, não atoa, coleciona milhões e milhões de aficcionados em todo o planeta.

Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos brasileiros de todos os tempos, dizia que a unanimidade é burra. E, claro, uma torcida impar como a do Atlético jamais poderia esposar um só pensamento ou uma só preferência em relação a este ou àquele treinador ou a este ou àquele jogador. Assim, se de um lado muitos continuam gritando e protestando pelo “Fora Cuca”, outros tantos estão vendo o trabalho do treinador atleticano sob uma ótica bem diferente, reconhecendo avanços e pontos positivos que os permitem exercitar um otimismo que os faz sonhar muito alto.

E quem tem razão? Aqueles que defendem este otimismo, para muitos exacerbado, ou aqueles que entendem que o Atlético vem praticando um futebol que não inspira confiança e que, no seu modo de ver, reflete uma filosofia de jogo que nada tem a ver com aquele Galo Doido e arrojado de seus desejos?

Afinal, o que é esse Atlético de Cuca que, nessa temporada e, até o momento em escrevo esse artigo, já conquistou o campeonato mineiro, fez a melhor campanha da fase de grupos da Libertadores, já avançou para as quartas de finais da maior competição do continente, está encaminhando a sua passagem para as quartas de final da copa do Brasil, é o 2.º colocado do Campeonato brasileiro, está a 22 jogos sem tomar gol, 10 jogos sem perder, com 7 vitorias seguidas e tem a melhor defesa da série A? Estes números são suficientes em si para justificar tanto otimismo que se vê por aí?

O mês de julho, apesar de alguns sustos e de algumas atuações que estiveram longe de serem brilhantes, foi, de fato, mágico e animador. Dentre as mensagens que li aqui ou ali, escolho está para definir que o que, efetivamente, tenho sentido sobre o time atleticano: “Algo de muito novo, e bom, está acontecendo com o nosso Galo. Até que enfim o Atlético está melhorando a defesa. Parece-me que só “tomou’ 3 gols em julho”.

Gostando ou não do trabalho de Cuca, nenhum atleticano pode deixar de reconhecer que o Atlético de hoje está fugindo de sua curva histórica no que tange ao seu sistema defensivo. Sinceramente não me lembro de quando foi a última vez que o Atlético se aproximou de um final de turno ostentando a marca de ter a melhor defesa da competição.  Esse fato muito me agrada porque sou daqueles que entende que dificilmente se ganha um título importante de qualquer campeonato de tiro longo, como o Brasileirão, com uma defesa vulnerável.

A própria história do Atlético no campeonato brasileiro deixa isso muito claro. Quantas vezes o Galo deixou pontos importantes para trás e oscilou de forma fatal graças à recorrente vulnerabilidade de seu sistema defensivo. Uma defesa forte e bem postada, é meio caminho andado para se ter aquela regularidade que, no caso atleticano, quase sempre foi peça de ficção no campeonato brasileiro, em particular a partir da era de pontos corridos.

Uma frase atribuída a Paul “bear” Bryant, lendário técnico da NFL, traduz fielmente o que eu e muitos atleticanos como este da mensagem citada acima, defendem: “Offense wins games, defense wins championships” que, em bom português quer dizer “ataque ganha jogos, defesa ganha campeonatos”.

Curiosamente, o setor tido por muitos e muitos atleticanos como o mais vulnerável do time, tem sido hoje o sustentáculo da equipe atleticana e, cá entre nós, a razão para que alguns desastres que se desenharam não tivessem se materializado. Éverson que o diga. Aqui é preciso reconhecer com todas as letras o mérito do treinador atleticano no crescente do sistema defensivo alvinegro.

Ainda que Igor Rabello viesse jogando bem a ponto de muitos atleticanos reclamarem a sua titularidade, Cuca, sem titubear, fez entrar no time o jovem e, para muitos, desconhecido zagueiro Nathan Silva. A partir daí, bastaram pequenos ajustes e o que era absolutamente insuspeito para milhões de atleticanos, inclusive para mim, aconteceu: surge um dos mais promissores zagueiros dos últimos tempos da história do clube e do próprio futebol brasileiro, e a defesa atleticana adquire uma consistência realmente alvissareira e rara nas campanhas do Glorioso.

Ao mesmo tempo, me preocupa sobremaneira ver o time atleticano demonstrar ter inúmeras dificuldades para desenvolver um futebol fluido, leve, de transição vertical, rápida e eficiente. Falar e escrever sobre sentimento é sempre algo delicado e complexo. Só posso falar do meu. Do que eu sinto. Não raras vezes o Atlético me faz lembrar de Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes, aquele mítico e alucinado cavaleiro da idade Média que, no afã de defender e salvar a sua amada, investia e lutava contra dragões imaginários que, na realidade eram apenas simples moinhos de vento.

Ainda que gols e vitórias estejam acontecendo, ao contrário de Sancho Pança, fiel e simplório escudeiro do herói delirante que, não por deficiência cognitiva como muitos imaginam, mas por votar ao seu amo e senhor, um amor incondicional, era incapaz de remetê-lo à realidade, é que busco fazer da crítica construtiva um ponto de reflexão.

Nem lembro mais quando escutei pela primeira vez uma frase que, de certa maneira, me moldou como torcedor e observador do futebol: “gato escaldado tem medo de água fria”. Assim, sem me prender excessivamente à terra e, também, sem me aventurar irrefletidamente nas ondas revoltas do mar, busco não só administrar o meu otimismo, sem jamais podá-lo, como também analisar com os pés no chão este Atlético de Cuca, sopesar, o mais racionalmente possível, os pontos positivos e negativos e mostrar porque acho que, se não forem corretamente atacados, os últimos poderão frustrar as conquistas almejadas.

As comparações entre os trabalhos de Cuca e de Sampaoli, quase sempre injustas para ambos e nada produtivas, me ajudam, entretanto, a explicar o que, a meu ver, ainda falta ao time do atual treinador atleticano para decolar de vez e se tornar confiável aos olhos de seus mais desconfiados torcedores: o equilíbrio.

O Atlético dos primeiros tempos de Sampaoli era dinâmico, agressivo, impositivo, intenso e personalista. Se atacava o tempo todo e negava a posse de bola ao adversário durante os 90 minutos, não havia muito com o que se preocupar com a defesa, não é mesmo? Afinal, se a bola está comigo e não com o adversário, não tem como este me atacar e, muito menos, fazer gol em mim. Simples assim?

Não, não foi tão simples assim. À medida que os treinadores dos times adversários foram desenvolvendo esquemas e estratégias para se contrapor àquele futebol envolvente e asfixiador que o Atlético de Sampaoli vinha impondo, surpreendendo e encantando o mundo todo, as dificuldades do time atleticano em continuar fazendo o seu futebol prevalecer e se traduzir em vitórias foi aumentando exponencialmente. Ali, faltou também equilíbrio.

E, sem equilíbrio não é possível ser eficiente.  Outrossim, para ser eficiente é preciso ter repertório.  Caso contrário, como sair das armadilhas criadas pelo adversário? Ou como, no linguajar dos analistas de futebol da atualidade, romper as linhas de marcação do oponente? Ou como ainda, fazer uma transição rápida e eficaz?

O quero dizer em outras palavras, é que nenhum time segue em nível de excelência se for monotônico em suas ações e em sua dinâmica. Sampaoli, não só em razão do surto de Covid, mas, e, principalmente, em função da clara deterioração do ambiente sob o eu comando, não conseguiu e, nem sei se tentou rever alguns conceitos e, nem tampouco, desenvolver outras possibilidades táticas. Não sem razão, o seu trabalho chegou ao fim da forma que chegou.

Cuca, ao contrário, tem tempo e condições para rever o que for necessário rever, já que não enfrenta os problemas que conspiraram contra o treinador argentino, muitos deles frutos das condições objetivas daquele momento e que hoje não subsistem. O elenco, com poucas modificações, inegavelmente quer vencer e ser campeão. Podem, por vezes, jogar mal e parecerem impotentes, mas, tão certo quanto dois mais dois é igual a quatro, eles querem ganhar e, isto não tem preço.

É este o Atlético de Cuca. Visceral, contraditório, competitivo e delirante. Tudo isso, junto e misturado.

Patrulhamento de opiniões à parte, entre espasmos de otimismo e cornetas sombrias e deprimentes, o que diriam os arautos do apocalipse atleticano se o Galo estivesse na situação do rival? Eu diria que, imerso em um desespero profundo, estaria de mãos atadas, sem o que falar ou sugerir, porque, como acontece hoje do lado de lá, ao contrário do lado de cá, não haveria como exigir excelência, diversificar estratégias e repertório.

Enfim, é este o Atlético de Cuca. Um Atlético que permite ter esperança, mas, somente aquela do verbo esperançar, i.e., aquela que se constrói com trabalho e se persegue com ação.