Os “Sette” pecados capitais e o inferno pintado em Preto e Branco
Max Pereira
04/03/2020 – 06h
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Peço licença a Chico Buarque para dizer que a Dudamel foi servido um cálice de vinho tinto de fel.
E duvido que tenham pedido autorização ao compositor de “Geni e o Zepelim” para parodiar sua letra, cantando:
Joga pedra no Dudamel! Joga “bosta” no Dudamel!
Ele é feito pra apanhar! Ele é bom de cuspir!
Ele perde pra qualquer um! Maldito Dudamel!
Como deve ser difícil acordar massacrado quem, na calada da noite, sonha insano e quer soltar um grito desumano, como quem busca uma maneira de ser escutado.
Esse vozerio todo, o atordoa. Atordoado, ele permanece atento na arquibancada porque, a qualquer momento, vai emergir o monstro da lagoa que, sem piedade alguma, o devorará e cuspirá. Apoplético, ele só sabe apanhar. Ele é bom de cuspir. Maldito Atlético.
1. O disse me disse
Rimas à parte, o treinador venezuelano comeu o pão que o diabo amassou com o rabo.
Ruim? Incompetente? Despreparado? Conservador? Ditador? Venezuelano e bolivariano? Fraco? Juvenil? Péssimo?
Jogaram muitas pedras no Dudamel e dele falaram muita “merda”.
Diferente de Cristo, Dudamel morreu afogado no semiárido nordestino e padeceu sob as “SETTE” pragas pretas e brancas, ao lado de dois outros miseráveis “bandidos”: Rui Costa e Marques.
No calvário atleticano não há espaço para o bom ladrão. E nenhum deles certamente despertará desse pesadelo no Paraíso.
O ex-diretor e o não mais xodó da Massa também desceram ao inferno de braços dados com Dudamel. E os três proscritos alvinegros, tal e qual os vendilhões do Templo, foram expulsos da Cidade do Galo e saíram do Atlético amaldiçoados para todo o sempre.
As redes sociais e a imprensa convencional mais uma vez disputaram a primazia da vilania e se superaram na missão de desconstruir, inflar o ódio e minar o ambiente interno.
Os eternos “passadores de pano” e os “chutoristas” de plantão deitaram e rolaram. Viva a guerra dos cliques e dos “joinha”!!! “Ah! Por favor, se inscreva nesse canal e dê o seu like 👍🏼. É muito importante”. Claro, só não é importante para o clube.
Ih! A onda agora, muito antiga por sinal, é espalhar por aí que o elenco estaria rachado. Parte comemora a demissão do treinador, parte não aceita a saída de Dudamel. “Arre, égua! Sai de retro, Satanás!!!
E um post premonitório invadiu as redes sociais há vários dias: “Savarino vem aí… O craque das Américas! Vai chegar e, até se adaptar ao futebol brasileiro, o Gargamel já caiu!”
Gente, a mãe Diná reencarnou.
2. Quem não se ajuda (e não se comunica) se “trumbica”
De Dudamel e de seus auxiliares venezuelanos não se pode exigir sequer saberem quem foi Chacrinha, um dos mais famosos comunicadores do Brasil. Mas, a qualquer brasileiro não se pode dar o benefício dessa dúvida.
Chacrinha deixou uma lição em um dos seus mais famosos bordões: “Quem não se comunica se ‘trumbica’”. E saber se comunicar é a forma mais eficiente e inteligente de, mais do que se fazer entender, buscar entender o outro e, óbvio, de se ajudar, se fazer ajudar e auxiliar a quem precisa.
Como ajudar quem não quer ser ajudado? E como entender quem muito não faz para ser entendido?
E como pode haver uma interação perfeita se não há atenção e compreensão sobre as diferenças e o que acontece à sua volta?
Isso é o que, para muitos, o clube deixou transparecer. Dudamel, Rui Costa, Marques, Sette Câmara parece que até se esmeraram nesse quesito.
Enquanto muitos na imprensa e nas redes sociais pediam a continuidade do trabalho e outros fritavam o treinador (com muita gente fazendo jogo duplo), a incapacidade do departamento de futebol para ajudá-lo na adaptação e no conhecimento melhor dos atletas passou despercebida ou, o mais provável, foi relegada a um segundo plano.
Não fiz campanha para derrubar Dudamel. Mas, confesso ter perdido a paciência. E há que se reconhecer que o treinador teria que ter se ajudado. E não o fez. Era fundamental que ele repensasse os seus conceitos.
Dudamel falou várias vezes em uma de suas coletivas sobre ambição e “mentalidade competitiva e vencedora” que queria implantar no clube, um dos principais problemas do elenco nos últimos anos. Um insight?
Além do árduo trabalho para mudar isso, ele teria que lidar com a mentalidade imediatista e limitada da torcida do Galo e com o apoio estruturado e logístico do comando, além de tempo, um tempo bem maior que teve. Dudamel caiu de 4 e o Atlético escancarou de vez suas incertezas e suas inconsistências.
Em relação ao clube, ao comando central e ao Conselho, a falta de transparência não é novidade. É uma marca indelével.
Não é à toa que o Atlético se tornou, se não o clube mais fechado do Brasil, um dos mais fechados e menos transparentes.
Pouco convincente, semântico, retórico e nada carismático, Rui Costa até que tentou dar alguns recados, mas a massa, que queria a sua cabeça, fez, por sua vez, olhos e ouvidos de mercador. E Marques entrou mudo e saiu calado.
3. A nacionalidade de Dudamel e as injunções políticas decorrentes
Mais importante do que ficar dedilhando sobre quaisquer das “qualidades” que estavam sendo atribuídas aqui e ali ao treinador venezuelano, perceber e analisar o conjunto de variáveis que vinha demarcando o início de seu trabalho, me parece que seria mais profícuo e interessante para o clube.
A nacionalidade do treinador e a pouca tradição de seu país no futebol, fatores alardeados por muitos como a razão principal de sua inadequação à função que exercia no Atlético e a causa maior do pífio futebol apresentado pelo time atleticano até agora, são argumentos que não se sustentam diante de uma análise mais profunda do que certamente estava e ainda está acontecendo intramuros do clube.
Da mesma forma, o regime político da Venezuela e uma sugerida formação militar autoritária do treinador, adquirida na cartilha bolivariana, são apenas elucubrações raivosas de quem vê as coisas sob o prisma deturpado do viés ideológico e se põe a deitar falação virulenta aos quatro ventos.
Mais razoável e lógico seria falar de um natural choque cultural que poderia estar demandando ruídos, previsíveis e normais, de comunicação e entendimento entre o grupo, majoritariamente brasileiro, e o treinador.
A omissão da diretoria ao tratar esta questão, não blindando o treinador, constituiu falha gritante e decisiva para que o trabalho de Dudamel fosse, desde o seu início, cercado de desconfiança e de uma rejeição raivosa por parte de vários segmentos da mídia e da massa.
Ou alguém duvida que, por trás da rejeição a Dudamel, não existam traços de xenofobia e de ódio ideológico?
4. Falta de planejamento
Fosse qual fosse a nacionalidade de Dudamel, fosse qual fosse a sua experiência em clubes, fosse qual fosse o regime político e a tradição de seu país de origem no futebol, fosse qual fosse a sua experiência em clubes e a sua trajetória pessoal no futebol, é certo que o trabalho demandaria tempo para produzir resultados.
Mais sério e responsável seria reconhecer que esse diagnóstico vale não só para Dudamel, mas para qualquer outro treinador, seja ele brasileiro ou estrangeiro, seja veterano, seja jovem, seja consagrado ou não.
Mais justo e decente seria apontar falhas claras de planejamento que fizeram o Atlético perder o “timing” das decisões dos mata-matas previstos para o mês de fevereiro, o que provocou as recentes eliminações, mais que precoces, bastante dolorosas.
Mais honesto e objetivo seria criticar o fato de que qualquer treinador precisa de estrutura e condições de trabalho. O futebol de hoje está a exigir cada vez mais um nível de estrutura, planejamento e cuidados cada vez mais complexos.
5. Amadorismo. Carma ou DNA?
Poucas são as vozes que vêm bradando, nesse deserto de ideias e de ações propositivas e verdadeiramente consequentes, que o principal e crônico problema do Atlético é o fato de que o Galo, enquanto não houver uma revolução de métodos e concepções de governança e gestão do futebol, não será um clube transparente, sustentável e superavitário. Em consequência, jamais também terá um time vencedor e campeão. Até quando o Atlético continuará tentando enxugar gelo?
6. O paradoxo atleticano
Enquanto na base Chávare mostra um trabalho consistente e que tem tudo para render frutos importantes, a gestão do futebol profissional é um desastre e escancara a concepção feudal e ultrapassada de gestão que ainda perdura no clube. E não dá para esperar nada de bom desse atual comando.
Não há dúvida alguma de que Sette Câmara tem feito por merecer as críticas que vem recebendo. Mas, uma simples dança de cadeiras será suficiente para resolver de vez os problemas de gestão do clube? Tenho certeza que não. É preciso uma profunda reformulação de métodos e concepções de gestão e trato do futebol.
E um alerta sobre o trabalho na base atleticana, onde certamente residem os maiores acertos da atual gestão: ainda existe um hiato entre as divisões de base e o profissional.
Embora alguns jogadores estejam treinando entre os profissionais e alguns poucos, como Marquinhos, Cleiton, Michael, Bruno Silva e Bruninho tenham tido oportunidades até de jogar, há algo que ainda incomoda e suscita dúvidas e preocupações.
Apesar dos inegáveis avanços, ainda não se percebe uma clara política de aproveitamento proficiente dos garotos egressos da base e de outros vindos de clubes de camisa menos pesada e que, portanto, precisam de tempo e trabalho de adaptação e desenvolvimento.
E mais: a não realização de jogos para o time de transição até agora e a demora para iniciar a anunciada excursão à Europa, mais especificamente para disputar amistosos em Portugal, nos impõe uma pergunta que não quer calar. Vitrine ambulante?
7. Imediatismo: o tempo que o tempo não tem
O que eu sei, sempre soube, sabia e continuo sabendo é que, no futebol, nada fica pronto em um mês. A única mágica no futebol é aquela que acontece ou aconteceram dentro do campo, nos pés dos grandes gênios do futebol e nas mãos dos maiores goleiros da história.
Gente, para ver qualquer time campeão, temos que aprender a conviver com as coisas ora dando errado, ora dando certo, ora se corrigindo o errado, ora não. Isso demanda tempo.
Li em algum lugar e concordo: “todo mundo quer um time campeão, mas ninguém quer comprar a ideia e apoiar na hora da reestruturação”.
É preciso dar tempo ao tempo. Dudamel tinha cerca de quatro semanas de clube quando caiu. É certo que ele precisava evoluir para se acertar com a proposta do futebol brasileiro. Nós todos precisávamos de paciência e ele de apoio e de percepção do que precisava fazer para avançar. Nunca saberemos onde ele ia chegar.
Mas sabemos e tememos onde o Atlético corre o risco de chegar. Erro atrai erro.
8. Quem faz a fama deita na cama
Independentemente das razões que, de fato, acabaram justificando as demissões, o Atlético está com justa fama de cemitério de técnicos, e a massa de moedora de treinadores e jogadores. Algo que merece reflexão e atitude.
O bom jornalista Mário Marra, da CBN/Globo São Paulo e dos canais ESPN, postou a seguinte mensagem:
“Um ponto é facilmente compreensível: a direção tinha motivos para demitir Dudamel, Rui e Marques. O outro ponto é que é ainda um mistério. As demissões foram apenas para entregar as cabeças ou representam que a direção entendeu o processo e vai tomar o caminho dos acertos?”
Se para o público externo essa rotina insana de demissões e de falta de planejamento soam mal, internamente essa práxis sempre agrava a já recorrente e crônica delicada situação financeira do clube.
A exemplo do que já aconteceu várias vezes na história do clube, essas duas recentes eliminações inevitavelmente trarão ao Atlético imenso prejuízo e derrubam o orçamento previsto para este ano.
O Atlético é, sempre foi e continua sendo um elefante que não sabe a força que tem. Se soubesse, a sua história seria muito diferente e os títulos de expressão teriam acontecido em profusão.
Navegando eternamente contra a maré e a má fama que ele próprio vem construindo ao longo dos tempos, o Atlético vê vários nomes serem especulados, aqui e ali, para comandar o seu time e outro tanto de recusas serem “noticiadas” ao sabor das más línguas.
EPÍLOGO
É 8 ou 80. É tudo ou nada. É “DEUS E O DIABO NAS TERRAS DA ARRUMAÇÃO ATLETICANA. E 2019 FOI ASSIM”. E 2020 quem viver, verá.
Entre os nomes mais citados para comandar o time atleticano destacaram-se Mano Menezes, conservador, Cuca, uma incógnita e Roger Machado, um Cristo em potencial.
Mas é Sampaoli, tal e qual uma fênix, quem renasceu das cinzas na fogueira atleticana, magnetizou e iluminou o imaginário sofrido do atleticano. É ele quem vai comandar o Atlético de agora em diante.
Uma opinião e não uma informação: a chegada do argentino forçosamente provocará uma mudança de postura do clube no trato do futebol, além de ser determinante para a contratação de um diretor de futebol mais cancheiro e de nível.
Fosse qual fosse o treinador contratado, todos no Atlético, diretoria, funcionários, conselheiros e torcida, precisam entender que o planejamento tem que ser feito visando 2021. Isso não significa que nesse 2020 o clube não tenha que se doar ao máximo e nem buscar os melhores resultados. Ou seja, o torcedor deve estar preparado para não ver um elenco pronto e campeão ainda neste ano. O que se pode e deve esperar é trabalho e evolução.
Resta a cada atleticano torcer para que o novo treinador e o comando atleticano tenham diligência e sapiência suficientes para driblar o imediatismo e a passionalidade da massa e os habituais golpes baixos de parte da mídia e dos inimigos de sempre.
Saber cobrar com proficiência e saber ajudar também são os grandes desafios que se impõem à massa atleticana nesse momento delicado e de grandes incertezas.
E todo o cuidado é pouco. O atleticano é mesmo bipolar. Se o Atlético contrata um treinador de ponta como Sampaoli, para muitos é um tiro no pé. Porque, certamente, trará prejuízo e irá inflar a dívida do clube que já é enorme. Porém, se o Galo contrata um treinador sem grife, aí já é falta de ousadia, é pensar pequeno, é apostar em um estagiário, é levar o time a brigar para não cair. É sempre 8 ou 80.
Se a contratação do novo treinador será para o bem ou para mal, só saberemos com certeza dentro de algum tempo. Confesso que a notícia da contratação de Sampaoli teve o poder de reduzir a minha desesperança. Ilusão? Pode ser. Mas não vou mentir: gostei.
Uma coisa é certa e essencial para que o Atlético não mais saia dos trilhos e não mais corra o risco de mergulhar de vez no inferno, ainda que pintado em preto e branco: o Atlético precisa saber se planejar, estabelecer metas e estratégias para alcançá-las e blindar o trabalho. Sem nada disso, independentemente da grife do treinador, o fracasso é certo.
A quem critica esse investimento, é bom lembrar que o barato pode sair muito caro. Se não houver planejamento, profissionalismo, metas, estratégias e cuidados com o trabalho e com o ambiente, qualquer contratação barata vai certamente se transformar em um prejuízo nababesco. A passagem de Dudamel e de outros treinadores sem grife pelo Atlético mostra isso.
Por fim, lembro um tweet irônico e apocalíptico postado na terrível madrugada de quinta-feira, dia 27 desse trágico fevereiro de 2020:
“#MomentoFilosofiaBarata O cachorro late, o gato mia, o leão ruge e o Galo não cantou nessa madrugada”
E, a continuar como tem sido, eternamente um Galo bipolar, dificilmente voltará a cantar novamente.