No Atlético não existe o meio termo. É 8 ou 80!

Foto: Flickr oficial do Atlético

 

Max Pereira
25/08/2020 – 14h28
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Uma das características do Atlético, moldada ao longo dos tempos por um comando historicamente incauto e inapetente e, costurada pela passionalidade de uma torcida histriônica e, quase sempre, irracional, é o paradoxismo.

É que no Atlético, embora os sentidos das coisas muitas vezes soem opostos e pareçam contraditórios, no fundo, no fundo, sempre reforçam uma mesma ideia, a da incúria, a da imprevidência e a do contrassenso e chegam ao coração do torcedor com uma gentileza cruel. Até o silencio é estrondoso e autoexplicativo.

Já escrevi mais de uma vez que, dentro e fora de campo, o Atlético sempre fez escolhas erradas e foi punido por isso. Mas, se de um lado já existem sinais claros de que o Atlético já se preocupa em corrigir as crônicas falhas de planejamento de elenco e em deixar no passado a recorrente má gestão da instituição e das dívidas, provendo o clube de uma estrutura profissional no futebol, de uma filosofia e de um projeto de time vencedor e campeão, por outro, ainda é possível identificar uma gama preocupante de erros, ações e escolhas equivocadas do comando central, em especial no que concerne à irrefreável incapacidade do Glorioso de se blindar, aos seus profissionais e às suas ações e informações estratégicas.

E, como TUDO O QUE ACONTECE DENTRO DE CAMPO É CONSEQUÊNCIA DO QUE OCORRE FORA DAS QUATRO LINHAS”, não é de se estranhar essa oscilação do time atleticano e o costumeiro pipocar intempestivo de noticias que, ora levam a massa do êxtase à agonia, ora levam a torcida do desespero a uma euforia sem limites.

Nunca é demais lembrar uma máxima de um autor desconhecido que diz que, no futebol moderno, uma partida começa bem antes do apito inicial e que, para ganhar o jogo ao final dos 90 minutos, é essencial vencer, antes, a batalha de bastidores.

E essa batalha de bastidores envolve não só os cuidados naturais com os agentes externos e as injunções politicas e comerciais que permeiam e dão o tom do esporte bretão nessas terras tupiniquins, como também as complexas questões internas que vão desde a preparação do elenco sob o ponto de vista físico, tático e técnico, até o trato adequado da gestão de grupo e da blindagem do clube e de seus profissionais. Historicamente, o Atlético tem perdido esta batalha, às vezes até de goleada.

Em AGONIA, ÊXTASE, AGONIA, ÊXTASE! UMA GANGORRA EM PRETO E BRANCO escrevi que “a irregularidade tem sido a marca dos clubes brasileiros ao longo dos tempos. Na verdade, nada de anormal se considerarmos a vida de qualquer mortal nesse “mundão de meu Deus”, como dizia minha velha e saudosa avó”.

E é, a partir da percepção de erros, omissões e decisões do comando central e das escolhas do treinador, é que, neste ensaio, buscaremos identificar e criticar os problemas atuais do Atlético que possam estar se refletindo de forma decisiva no comportamento e na oscilação da equipe durante as partidas e de jogo para jogo.

No artigo NO CAMINHO DO ATLÉTICO E DO FUTEBOL BRASILEIRO AINDA TEM UMA PEDRA. TEM UMA PEDRA NO CAMINHO!”, defendi que “o caminho do Atlético e do futebol brasileiro não é outro, senão o de se reinventar. E se reinventar significa romper fora de campo com este sistema de governança mofado e ultrapassado e, dentro de campo, resgatar a alegria, a criatividade, o lúdico e a magia”. E, também, chamei a atenção para o fato de que “nada será possível dentro das quatro linhas se não houver fora delas uma revolução de métodos e conceitos”.

Será que o atlético de Sampaoli, ainda desajustado e desarmônico, dentro de campo, está, de fato, neste caminho revolucionário rumo à criatividade, ao lúdico e à magia?

Sampaoli exige que o Atlético proponha o jogo quase que obsessivamente. Mas, será que essa ideia de futebol intenso e ofensivo que o time já mostra vai dar as respostas que o atleticano tanto anseia? E mais: o jogo posicional de Sampaoli prescinde de um gênio criativo? E o genioso treinador argentino aceitaria em sua equipe um transgressor tático, ou seja, um jogador que subvertesse a ideia de jogo planejada e orientada por ele?

Particularmente, entendo que um treinador que ao chegar ao Sevilha pediu em primeiro lugar a contratação de Paulo Henrique Ganso, que ao comandar a seleção chilena fez de Valdívia a sua referência de criação e que, agora como juram as boas e as más línguas, estaria pedindo a contratação de Alexandre Pato, ainda não abdicou, nem do talento, nem da inteligência diferenciada.

Aqui um parêntesis: ainda que as críticas à baixa intensidade do futebol praticado por estes jogadores, em especial pelos dois brasileiros, seja compreensível, o talento e a qualidade deles são indiscutíveis. E, independentemente de aprovar ou não a contratação de Pato, vou logo dizendo que esta indicação, se é verdade que partiu de Sampaoli, me intriga bastante.

Como se encaixaria um jogador como Pato em um time que pretende ser dinâmico, intenso, agressivo e ofensivo o tempo todo? Essa deve ser a pergunta de centenas, talvez milhares de atleticanos. Obviamente, quem tem a resposta para este “enigma” é exatamente Sampaoli.

Sampaoli é genioso, irascível, elétrico e é natural que qualquer jogador que nunca trabalhou com ele ou nunca executou determinadas funções que ele manda desempenhar tenha dificuldades de se adaptar. E é também mais do que normal que o torcedor atleticano, imediatista e passional por natureza, ora gargalhe, ora se irrite, ora cultue o treinador, ora exija a sua imediata demissão.

É preciso que todos, treinador, atletas, funcionários, dirigentes e torcedores, muita paciência, tolerância, esforço, colaboração. Àqueles que militam no clube, qualquer que seja a função ou posição hierárquica, muita habilidade e tato. Facilitar, por exemplo, a saída de um atleta para resolver qualquer ruído entre ele e o treinador nunca foi, não é e jamais será uma decisão sensata e inteligente porque soa como um recado perigoso para os demais jogadores. O caso Otero fez acender um alerta amarelo na gesto do futebol.

É aqui que o trabalho e a competência de Mattos terão que ser mostrados. Cabe ao diretor aparar arestas, gerenciar conflitos, harmonizar o grupo, ganhar a confiança do treinador e dos atletas, se cercar e tirar o melhor de profissionais que têm a missão de dar respaldo aos atletas como psicólogos, e assistentes sociais, por exemplo. Não é segredo para ninguém que o futebol hoje exige dos clubes uma estrutura multifuncional que vai muito além da preparação física, técnica, tática e dos cuidados médicos e odontológicos.

E antes que digam que tudo isso é um luxo, lembro que um atleta com problemas particulares renderá muito pouco. Antes de ser jogador de futebol, qualquer atleta é, antes de tudo, um ser humano. E muitos ainda são incapazes de enfrentar os holofotes e de enfrentar e resolver seus conflitos pessoais e profissionais sozinhos e sem alguém que os oriente e lhes dê sustentação. Cabe a Mattos e à sua equipe auxiliar os atletas coadministrando esses conflitos.

Não a toa, o mundo do futebol é comparado a um moedor de carnes e o numero de jogadores que nele se perdem e são literalmente triturados é imenso, absolutamente significativo.

Ao torcedor é dado viver e se iludir com aqueles momentos que virariam história se não fosse o conectivo condicionador “se”: “Ah, SE o Bruno Silva tivesse alçado aquela bola na área no último lance do jogo, em vez de recuá-la no meio campo! Poderia ter sido o nosso sobrenatural de Almeida. Nosso milagre rodriguiano!”, filosofou um torcedor anônimo em suas redes sociais. Fazia referência ao texto de Nélson Rodrigues, um dos mais importantes e revolucionários teatrólogos brasileiros, apaixonado pelo Fluminense e morto em 1980. Mas, ao clube a seus profissionais não é dado se deixar levar por estes momentos.

Aliás e, por falar em Nelson Rodrigues, o jogo do Atlético nada tem de improvisação ou de inspirado no universo rodriguiniano de “O Beijo no Asfalto”, por exemplo.

Se dentro de campo claramente falta harmonia ao time, provavelmente fora das quatro linhas existem também descompassos e desarmonia. E, não há dúvida de que ENTRE O SUCESSO E O FRACASSO HÁ UM CAMINHO LONGO E DESAFIADOR PARA O ATLÉTICO E O SEU FRENÉTICO TREINADOR. Se quiserem ver este time campeão, é preciso isso seja entendido pelo treinador e pela diretoria. E, se não quiser tumultuar, mas, ao contr5ario, ajudar, o torcedor também tem que entender isso.

A proposta de Sampaoli tem que amadurecer e, para tal, tem que ser assimilada pelo grupo. E isso demanda tempo. Ao mesmo tempo, esse amadurecimento contem um paradoxo inevitável: desacreditar na sacralidade da ideia. Somente um jogador diferente, que saiba fazer o diferente pode, em determinado momento e tempo, levar o time a desacreditar, com eficiência e sucesso, no plano de jogo incialmente estabelecido e, em consequência, romper as barriras impostas pelo adversário. Botafogo e Internacional mostraram que o Atlético ainda não chegou a este nível.

Mas, atenção: todo processo de amadurecimento é doloroso e, apesar de se buscar um entendimento coletivo, ele é individual. Assim, cada jogador tem o seu tempo e as suas dificuldades.

Segunda derrota consecutiva. E vamos perder outras vezes até Sampaoli ajustar este time. E, nesse processo, Sampaoli, querendo ou não, estará colocando seus conceitos em xeque. E eu, se fosse ele, urgentemente repensaria a situação de Cazares. E Cazares aqui significa a presença de um gênio criativo no seu time, de preferencia alguém que veja o futebol a lá Nelson Rodrigues, fazendo possível o impossível. Alguém capaz de subverter o esquema tático e fazer o diferente, caso a fórmula ensaiada não esteja dando certo. Alguém que saiba que entre o 8 e o 80, sempre existe o 40.