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E aí? Que Galo foi esse que você viu diante do Urubu?

Foto: Pedro Souza / Flickr Atlético

Por Max Pereira (@pretono46871088 @MaxGuaramax2012)

O que escrever sobre o Atlético horas antes de um dos jogos mais emblemáticos e esperados da temporada? O que escrever para você que só vai ler este texto depois do jogo e, portanto, sabendo do resultado e, principalmente tendo gostado ou não da atuação do time, hoje em dia irritantemente irregular? Falar sobre o time atleticano talvez seja nessas condições um ato de coragem, mas, não vou fugir dessa tentação. Mas, atenção, no momento em que redijo este ensaio não me move o desejo de ser premonitório em relação ao que possa acontecer logo mais e, para você leitor, sobre o que tenha acontecido e você obviamente já sabe.

O Flamengo é hoje o maior rival do Atlético em nível nacional. Sempre que esses dois gigantes vão se enfrentar um filme passa pela minha cabeça e, com certeza, pela mente de milhões e milhões de atleticanos. Ainda que o Atlético venha superando o rival carioca nos últimos confrontos, seja aqui no Mineirão, seja no Maracanã e até mesmo em outros templos do futebol, o atleticano sempre experimenta aquele desejo inesgotável de vingança em relação às funestas decisões de 1980 e 1981, nas quais o talento inescondível e absurdo dos 22 protagonistas que foram a campo naqueles fatídicos jogos não prevaleceu, vez que o extracampo roubou a cena.

Ou seja, infelizmente não foi permitido àqueles craques vestidos, seja de preto e branco, seja de vermelho e preto, decidirem a sorte daquelas decisões na bola, pelos seus próprios méritos e talentos. E, claro, a lembrança de tudo aquilo contamina, e não há como ser diferente, os sentimentos e os prognósticos de cada galista apaixonado.

Ainda que, grande parte dos jogos hoje em dia seja marcada por erros de arbitragem e do VAR, estapafúrdios e sem explicação à luz das imagens transmitidas pela televisão, o que fizerem ou deixarem de fazer os jogadores dentro de campo, explica muito os resultados e as atuações. E mais, escancara a qualidade do trabalho que vem sendo feito intramuros dos clubes e, também, o quanto vários fatores externos, como o calendário insano, pandemia e as longas e extenuantes viagens, estão afetando o desempenho de várias equipes. No caso do Atlético, então,… .

Não obstante possuir um elenco inegavelmente qualificado, o Atlético ainda não vem mostrando dentro de campo o nível de excelência tão desejado pelos seus torcedores e Cuca vem encontrando dificuldades imensas para fazer com que o time atleticano não oscile tanto quanto vem oscilando. A irregularidade tem sido a tônica da equipe alvinegra. Contusões, convocações, surtos de Covid, desgaste físico de vários atletas, além das dificuldades naturais decorrentes da profunda mudança de modelo tático em relação ao que era executado com Sampaoli, estão na raiz dos problemas atleticanos.

Soma-se a isso tudo, a melancolia e o emocional conturbado do treinador que chegou ao clube em um dos momentos mais tensos e complicados de sua vida pessoal. Tudo indicava, não canso de repetir, que ela havia chegado ao lugar errado e na hora errada. Imaginar que os jogadores passariam imunes a todos esses fatores é não entender os meandros do futebol.

E, como um carma que não deixa de obsidiar o Atlético, as arbitragens ruins e um VAR por vezes omisso passaram a atormentar a vida do clube, ora não marcando lances capitais a favor do Galo, ora invertendo erroneamente marcações quase sempre a desfavor do Glorioso, ora não coibindo como devia a violência sobre os jogadores alvinegros, em particular sobre Hulk. Não sem surpresa, vimos, com frequência indesejável, os jogadores com os nervos à flor da pele, ora errando de forma fatal, ora acumulando advertências, cartões vermelhos e amarelos, o que, também, resultou em desfalques importantes em um jogo ou outro.

Mas isso tudo elimina, ou pelo menos absolve Cuca e o comando central do clube, em relação aos erros que vêm cometendo desde a chegada do treinador campeão da Libertadores de 2013? Claro que não.

E, por isso, um alerta: mais do que nunca, a crítica construtiva é necessária neste momento, mesmo porque, tudo o que poderia ser considerado atenuante, mostra que Cuca e o Atlético estão sentados em cima de um barril de pólvora que pode explodir a qualquer instante, vez que jamais podemos nos esquecer de que estão sempre presentes dois incômodos e indisfarçáveis companheiros de jornada: de um lado da nave atleticana, a passionalidade da torcida. Do outro, as deficiências da gestão do futebol que ainda deixam o clube perigosamente vulnerável a ataques alienígenas, ao extracampo e às incontroláveis e frequentes turbulências internas, sempre geradoras de crises intermináveis.

Em meio a tudo isso, o Flamengo chegou a Belo Horizonte cheio de empáfia e provocador. Com a desculpa de se preocupar com a segurança de sua delegação, queria escolta e privilégios no trânsito. Nada surpreendente para um time que, embora esteja comendo farofa, insiste em arrotar caviar. Também a bordo de desfalques importantes, com o seu treinador pressionado e frequentando o meio da tabela de classificação do campeonato graças a uma campanha irregular, o Flamengo sabe da importância do jogo de bastidores e, enxergando como sempre, tudo o que está fora do Rio de Janeiro como uma província de quinta categoria, já queria impor uma superioridade emocional e mental. Que todos se curvem diante do todo poderoso time da Gávea.

“Hoje não posso. Hoje tem Galo!” É a mensagem que normalmente invade as redes sociais atleticanas nos dias de jogos do Glorioso. E o coração atleticano, comandando com mãos de ferro cada galista apaixonado, sempre se faz uma pergunta que nunca consegue responder racionalmente: que Atlético vai estar em campo? E eu pergunto em um diálogo surreal, embaralhando a linha do tempo: que Atlético você viu ontem?

Aquele Atlético dinâmico e surpreendentemente vibrante e fluido que atropelou o Xará Goianiense, curiosamente outro rubro-negro, ou aquele Atlético desgastado, sofrido, fechado, administrando, diante do modesto Cuiabá, a pouca energia que ainda restava aos seus atletas e, claro, a minguada vantagem construída por Nacho Fernandes em mais uma assistência belíssima de Hulk?

Cada jogo é um jogo. E o que vai acontecer ou aconteceu em campo depende da proposta dos dois treinadores, da forma como os dois times vão executar ou executaram as estratégias adredemente preparadas pelos seus técnicos, das características técnicas e táticas de cada atleta escalado, do condicionamento e do desgaste físico dos jogadores que forem a campo, das nuances fora de controle que acontecem em cada partida, dos efeitos que possam resultar das substituições feitas, erradas ou certas, dos reflexos no emocional de cada time de possíveis erros cometidos pela arbitragem e pelo VAR e, claro, do momento pessoal de cada agente envolvido na disputa (Jogadores, árbitros, treinadores). Ou seja, do que podem ou vão conseguir entregar cada atleta que entrar em campo.

A volta de Alonso à zaga, a ausência forçada por lesão de Nacho Fernández e a simples possibilidade de poder contar com Eduardo Vargas indicam, por si só, um Atlético diferente, necessariamente diferente em relação àquele que vem jogando. Mais encorpado é verdade, mas, não necessariamente voando como todos os atleticanos gostariam de ver.

Ah! O Flamengo é um time grande que pratica ordinariamente um futebol propositivo e, por isso, ataca e deixa espaços e, assim, o jogo contra ele pode ser mais fácil do que contra o Cuiabá ou o Ceará, ou a Chapecoense ou ainda o Fortaleza, times que beliscaram pontos contra o Atlético e praticaram, via de regra, um futebol reativo, conservador e de contra-ataques enquanto o Glorioso ainda conseguia desempenhar com eficiência e energia um futebol ofensivo e dinâmico.

E aí? Que Galo foi esse que você viu diante do Urubu? Não, não me refiro apenas à escalação inicial, ou seja, se Cuca o agradou ou não. Aliás, sobre isso tenho outra pergunta: você já entendeu que a escalação deste ou daquele jogador, à exceção de algum expoente como Nacho e Hulk, vai depender fundamentalmente da proposta de jogo do treinador, associada à forma como o adversário deverá jogar? Ou seja, existem jogos a feitio de Guga e outros de Mariano. Há jogos em que o ideal é escalar Arana e em outros Dodô. Isso vale para Allan e Jair, Zaracho e Tchê Tchê, Hyoran ou Nathan ou ainda Calebe. Com Savarino dando ao time velocidade na frente e abrindo um corredor pela direita com os seus importantes deslocamentos por dentro, quem seria a melhor opção para aproveitá-lo, Guga ou Mariano? Mas, se Cuca, a exemplo de Sampaoli, resolver optar por um lateral na base da construção da saída de bola, articulando por dentro, quem deverá ser o escolhido?

Ih! Deixei o Alan Franco de fora. E o fiz de propósito. É que desde o episódio do surto de Covid do ano passado, do qual segundo reza a lenda, ele foi o jogador que mais sentiu os efeitos da doença, o volante atleticano não conseguiu mostrar um bom futebol, seja no atlético, seja na seleção equatoriana, onde foi o jogador mais apagado daquele selecionado na Copa América. Enquanto esteve em campo pouco ou nada produziu, seja ofensivamente, seja defensivamente, e foi pouco acionado pelos companheiros que demonstravam claramente pouca confiança nele. Alan Franco precisa de um trabalho especial para resgatar a confiança e demonstrar que, de fato, pode ser útil. Enfim, é preciso que ele reencontre a sua zona de conforto e, finalmente, possa justificar o conceito que goza com parte significativa da massa.

E aí? Zaracho é primeiro volante, segundo volante ou meia? Zaracho rende mais esperando a bola de costas para o ataque ou jogando de frente para os atacantes e para os meias mais agudos/avançados do time? Se eu escalo um meio de campo utilizando apenas jogadores carregadores de bola, quem ficará responsável pela transição rápida? Zaracho é um jogador de toques rápidos e, geralmente, de primeira. Jair, ao contrário, é um carregador de bola por excelência? Tchê Tchê seria um meio termo. Quem, então, escalar como segundo volante, então? Aquele de minha preferência pessoal, sem nenhuma análise de valia técnica ou tática? Vai para o banco aquele que simplesmente eu, por birra ou por uma intolerância incontrolável, não gosto e queria ver longe da Cidade do Galo? Ou vai entrar em campo aquele que é o mais indicado para desempenhar em campo a função tática que a proposta de jogo escolhida está a exigir?

Até mesmo a presença deste ou daquele zagueiro vai depender do adversário e da proposta de jogo que o treinador entender que deva ser aplicada em campo. Se o Atlético for enfrentar um ataque rápido e não alto, que prioriza o jogo no chão, Gabriel, por ser, entre os mais experientes, de longe o mais rápido e leve, deve jogar. Se, ao contrário, o time for enfrentar uma ataque alto, forte nas bolas aéreas, em princípio, Réver e Rabello levam vantagem sobre os demais companheiros. Se, no entanto, a saída de bola de trás for a prioridade do treinador, não existe melhor opção do que a dupla Rever e Alonso.

E aí? O que você viu diante do Flamengo?

Em razão da sentida e preocupante ausência de Nacho Fernández, jogador imprescindível e ímpar no elenco, a lógica derivada de uma visão tática mais conservadora, orientaria que Cuca escalasse, no lugar do craque argentino, Nathan ou Hyoran ou, em última análise, Calebe, por serem os três homens de criação por excelência. Allan, Zaracho e Tchê Tchê, o tripé mais indicado para muitos para formar o meio de campo atleticano enquanto Nacho estiver fora, não têm o perfil e nem as características necessárias para o desempenho desta função. São volantes, ótimos volantes e ponto final.

Savarino, atacante singular e sem igual no elenco em relação às suas características, foi uma surpresa agradável no segundo tempo diante do Cuiabá até ser substituído, quando, a partir do momento em que Nacho saiu sentindo uma lesão muscular, foi deslocado para o meio e não deixou a peteca cair, puxando o contra-ataque por dentro, possibilitando ao time uma transição rápida e acionando Hulk que, só não fez o segundo gol atleticano, porque pernas já lhe faltavam àquela altura do jogo.

E aí? O que você viu diante do Flamengo? Um meio de campo criativo, uma transição rápida e vertical? Quem fez o corredor pela esquerda? Se do lado direito, quando Savarino fecha por dentro, Mariano habilmente explora o corredor, pelo lado esquerdo como funcionou o jogo atleticano? É bom lembrar que a experiência com Arana e Tchê Tchê diante do Cuiabá não funcionou plenamente e o time ficou manco.

Ah! Fecho os olhos e consigo ver Vargas correndo pelo direito, Savarino armando por dentro e Marrony rompendo pelo lado esquerdo. Sonho? Talvez. Ou não? E aí, lembro que, seja qual for o caminho adotado, o time pode não funcionar. Afinal, ninguém combina o jogo com o adversário, não é mesmo? Bom, pelo menos, quero acreditar que não.

Mas nem precisa ver o jogo para imaginar aquele Urubu propositivo e soberbo buscando reagir à forma de jogar do Atlético. E, também, não é difícil imaginar o Atlético, por sua vez, buscando responder às artimanhas de Rogerio Ceni e ao jogo mental e tecnicamente impositivo do rubro-negro carioca. Nesse jogo de xadrez no tabuleiro verde do Mineirão, o melhor estrategista a meu ver está no banco atleticano. Para mim, Cuca, independentemente da confusão emocional que o atormenta, tem experiência e possui maiores recursos táticos que Ceni.

Todo esse exercício sobre como o jogo vai ser ou pode ser para mim no momento em que escrevo este artigo ou como que impressão todos nós já teremos tido dele quando este ensaio for publicado, é apenas uma provocação a uma reflexão que julgo imprescindível para que todos, torcida e clube, acompanhem propositivamente a evolução do time daqui para frente.

Enfim, que Atlético você viu ontem contra o Flamengo? Esqueça o resultado por um instante e responda: um Atlético que te dá confiança no futuro? Um Atlético que pode ir muito longe, tão longe que você mesmo não ousa acreditar? E o principal: um atlético que provoca você a praticar o verbo esperançar? Ou seja, te provoca a somar nesse processo de construção de um Atlético vencedor e campeão, contribuindo proativamente com críticas e ações construtivas?