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Coluna Preto no Branco: Vender ou vender, solução ou um tiro no pé?

 

Por Max Pereira, colaborador independente, de Belo Horizonte

O Atlético realiza hoje a sua primeira partida na atual Copa libertadores em seus domínios e, curiosamente, será um clássico inédito nesta competição contra um de seus mais tradicionais adversários regionais, o América. Isso por si só já seria um farto material para um artigo e, certamente, já é um tema bastante explorado aqui e ali.

Tenho insistido bastante que não se ganha futebol e no futebol apenas dentro de campo e também tão somente fora das quatro linhas. Tenho defendido, por isso, que para se ganhar no futebol é preciso vencer concomitantemente nestas duas frentes, o que requer organização e trabalho harmônicos e igualmente efetivos.

E, como o Atlético, se mostra cada vez mais sacudido e focado em questões extracampo como a reforma de seu estatuto, a venda dos 49,9% restantes do Shopping e a constituição de sua SAF, o que perpassa também por uma pressão constante para realizar nesta temporada a tal meta orçamentária relativa à venda de jogadores, compensando o “prejuízo” suportado pelo clube na temporada passada em relação a esta rubrica, vejo-me na obrigação de abordar estas questões, mesmo porque se de tudo isso resultar uma brutal descontinuidade no trabalho que está sendo realizado, a indiscutível qualidade técnica do grupo alvinegro e o leque de opções de qualidade que o elenco atleticano hoje oferece ao seu treinador de nada mais valerão, aliás, virarão pó.

Em 24.12.2021 já preocupado com estas questões e, inspirado pelo clima de natal, atipicamente para o atleticano temperado por um ano mágico que estava chegando ao fim, escrevi do Blog CANTO DO GALO do Guru Eduardo de Ávila, um artigo com o sugestivo título “OS VENDILHÕES DO TEMPLO ATLETICANO” no qual, diante das imensas expectativas da massa torcedora alvinegra de muitas conquistas mais nesse 2022 e ciente dos muitos desafios e dificuldades que naturalmente iriam se interpor nos caminhos do Atlético nessa temporada, além da promessa de muitas e muitas emoções, companheiras de sempre de cada Galista apaixonado, busquei discorrer sobre os cuidados que o clube deveria ter no enfrentamento e no exorcismo dos fantasmas desse endividamento que mais parece uma praga cármica sem fim.

Lembrei naquela oportunidade que, em um festival de especulações e de notícias, ora plantadas, ora sugeridas sutilmente, a alienação do restante do Shopping é vendida como uma solução única e miraculosa para os problemas financeiros do Atlético que ainda são graves e, como não poderia ser diferente, devem preocupar a qualquer gestor sério e diligente.

Um dos pilares da atual gestão e tida como base daquele Atlético profissional e pujante que está sendo construído, é a transparência. Um Portal de Transparência já está no ar, inclusive, Paradoxalmente, porém, as explicações sobre a real necessidade de se desfazer de um patrimônio para quitar dívidas como estratégia vital não só para a sobrevivência do clube, como também para a solidificação do processo em curso, ainda são escassas e, a meu ver, pouco convincentes.

Não, não estou me posicionando radicalmente contrário à venda dos 49,9% restantes do Shopping, nem tampouco colocando em dúvida as intenções de quem quer que seja e, obvio, nem deixando de reconhecer a evolução do clube e tudo o que de bom foi feito até agora. Apenas busco respostas, por entender que é direito e também obrigação de cada atleticano e, em particular, de cada conselheiro que terá a responsabilidade de votar, conhece-las e analisa-las em profundidade antes de tomar qualquer decisão, seja favorável ou não.

Vale a pena repetir que alguns caminhos apontados como a solução ideal podem, na verdade, se constituir em um agravante insanável para as finanças do clube. Assim, a “alardeada venda do restante do Shopping, em particular, além de, no mínimo, reconfigurar radicalmente o patrimônio do Glorioso, pode ser tanto um tiro no pé, como pode ser a salvação da pátria”.

Não custa, pois, repisar que, “embora a dívida do Atlético venha acarretando anualmente juros pesados, cujo montante vem superando significativamente o que o clube obtém de receita no mesmo período com o Shopping, alienar um patrimônio simplesmente para quitar uma dívida é sempre um passo delicado, perigoso e de consequências imprevisíveis, se não houver planejamento e gestão equilibrada e proficiente. Sem uma governança de qualidade e se os passos seguintes não forem bem medidos e conduzidos, dentro de pouco tempo o clube estará novamente bastante endividado e, agora, sem patrimônio”.

E mais: é preciso cuidar para não se inviabilizar a capacidade de alavancagem do clube, i.e., “a sua capacidade de utilizar determinados recursos para aproveitar oportunidades de multiplicar seus resultados. Ou seja, seria desastroso se, após a alienação da metade do shopping, como o clube planeja e já busca a aprovação do Conselho Deliberativo, o Atlético se visse sem condições de potencializar os seus ganhos em um investimento ou de ampliar ou mesmo diversificar o seu patrimônio restante”.

Aqui renovo o alerta: as recentes conquistas do Glorioso e a notável performance da receita naquela temporada e o bom início desse 2022 não podem embriagar nenhum torcedor e, muito menos, levar qualquer conselheiro a aprovar irrefletidamente qualquer medida. Diante de tudo isso, algumas perguntas precisam ser respondidas pelo clube e, claro, buscadas por todo e qualquer atleticano minimamente consciente e responsável, conselheiro ou não:

Quais dívidas seriam priorizadas e quitadas? E por quê? Quando se fala de um montante expressivo de juros que anualmente estariam asfixiando o clube, estão sendo incluídos nesta conta os juros decorrentes do Profut? Considerando que dentro de alguns anos a receita advinda do Shopping poderá alcançar valores bem significativos, talvez não fosse mais interessante buscar novamente renegociar as dívidas de curto prazo mais pesadas, alongando-as, i.e., trocando-as por dívidas de longo prazo com juros menores, como, aliás, já foi feito em 2021? Como o orçamento não prevê novos aportes dos investidores (4 R’s) e, nem tampouco, há previsão de novos empréstimos, como o clube pretende suprir a necessidade eventual de recursos se, por exemplo, esta ou aquela meta de receita não for atingida, o que é factível em razão das recorrentes crises econômicas, pandemia, flutuações de mercado, etc.? Quais são as amarras e as garantias de que o dinheiro auferido com a venda desse patrimônio será alocado de fato para a quitação das chamadas dívidas onerosas, estando a salvo de desvios eventuais?

Da mesma forma, entendo que a busca pelo cumprimento da meta de venda de jogadores não deve ser defendida e, muito menos empreendida, se se colocar em risco a qualidade do elenco atual e mitigar perigosamente o leque de opções de nível que hoje Mohamed tem à sua disposição e que são o diferencial atleticano em relação aos demais coirmãos.

Não se pode deixar de lado ou colocar em segundo plano o fato de que um clube de futebol, transformado ou não em empresa, com ou sem SAF constituída, não é apenas um negócio como outro qualquer que vise lucro. O resultado esportivo deverá ser sempre um objetivo nobre e não menos importante.

Assim nunca é demais lembrar que é fundamental manter íntegra a identidade da agremiação, e que, no caso do Galo o seu gigantismo deriva desse amor e dessa paixão ímpar de sua imensa e fiel torcida. Clube, time e torcida constituem um todo, indissolúvel e perene que se chama Atlético Mineiro.

Enfim, vender ou vender nem sempre é a melhor solução. Pode ser um tremendo tiro no pé. Debater a exaustão e buscar o melhor caminho para o Atlético não é apenas um discurso politicamente correto. É obrigação de qualquer atleticano.

 

*As opiniões neste artigo não representam, necessariamente, a opinião do Fala Galo.