Por Max Pereira, do Fala Galo, em Belo Horizonte
A torcida atleticana tem muitas razões para considerar o ano de 2021 o melhor de sua vida. Durante os 13 dias que separam as conquistas do Brasileirão e da Copa do Brasil e a semana a que se seguiu à final vitoriosa disputada em Curitiba, o Galista ficou em estado de graça. Mas, se não existe tristeza que dure para sempre, o mesmo pode se dizer em relação à alegria. E o Galo tratou logo de mostrar que as coisas na sua história e na vida do atleticano são mesmo efêmeras, fugazes.
Confesso que, até a alguns dias atrás, seria difícil imaginar que um clube que tivesse fechado a temporada anterior com chave de ouro, tendo conquistado os dois principais títulos nacionais em disputa e amealhado a maior premiação de sua história e do próprio futebol brasileiro, o que o possibilitou terminar o ano de 2021 com superávit em sua meta orçamentária, pudesse entrar em 2022 sem treinador, sacudido por um sem número de notícias e “notícias”, predominante e tragicamente focadas nas saídas de vários jogadores e, em consequência, sob um risco significativo e preocupante de sofrer uma descontinuidade brutal e de consequências imprevisíveis.
Mas, pensando bem, quem conhece a história do Galo mais famoso e mais querido do mundo não deveria se surpreender com esta virada de ano prenhe de indefinições e com mais problemas para resolver do que com soluções. Nunca é demais lembrar que, na esteira de várias gestões calamitosas, o clube, não só acumulou ao longo dos anos um endividamento gigantesco., como também se notabilizou por se tornar um exemplo de como não se deve gerir um clube de futebol.
A relação do Atlético com o mercado da bola, por exemplo, sempre foi complicada e extremamente perversa para com o alvinegro das Gerais. Para muitos uma relação cármica, tal o volume de negócios desastrosos para o clube efetivados ao longo de décadas e décadas, tanto em relação às muitas contratações temerárias, quanto no que se refere às vendas historicamente mal feitas e mal conduzidas. Não atoa o Glorioso angariou a fama de pior vendedor da história do futebol brasileiro, talvez do mundo.
Quando se imaginava que o Atlético, a bordo de uma base montada e de um trabalho consolidado, se dedicaria tão somente a fazer ajustes pontuais, o clube, ao que tudo indica, se permitiu deixar levar pelo canto da cotovia.
Por uma questão de justiça e amor à verdade não há como não reconhecer uma vez mais que o Atlético vive um momento revolucionário em sua história no que tange à modernização e à profissionalização de sua governança e à sua reorganização estrutural e financeira. Mas, também é induvidoso que determinadas práticas que já deveriam estar abolidas da vida do clube ainda persistem e, se não forem atacadas na raiz, podem provocar estragos de proporções incalculáveis.
Historicamente o Atlético sempre se colocou no mercado da bola como alguém com a corda no pescoço. Sempre pródigo em recados na mídia tradicional quanto à necessidade de se desfazer de seus ativos em razão do crescente e incontrolável endividamento, não é necessário explicar porque, em consequência dessa postura, vender mal se tornou uma prática recorrente.
O chamado agrojornalismo, muito comum nos cadernos de política, onde notinhas “informativas” são plantadas com endereço certo e a guisa de interesses específicos, também se tornou prática habitual no noticiário esportivo. Nesses últimos tempos, recados desta natureza também se proliferaram e se multiplicaram nas redes sociais, onde alguns perfis claramente se especializaram nessa missão.
E, conforme fartamente alardeado aqui e ali, ao publicizar a sua peça orçamentária para o exercício de 2022, o Atlético, com as justificativas de sempre, mais uma vez deu ênfase especial à rubrica relativa à meta de vendas de jogadores. Recado mais claro ao mercado da bola, impossível.
Não sem razão, a Arena MRV, a transformação do clube em SAF e até a propalada venda do restante do Shopping ficaram em segundo plano até desaparecerem por completo do noticiário alvinegro.
Não obstante ter terminado 2021 com superávit em seu orçamento graças às premiações recordes e à diversificação e a ampliação da receita, tão festejadas em vários momentos ao longo da temporada passada, o clube sempre lamentou publicamente não ter cumprido em 2021 a meta de venda de jogadores, o que nos faz remeter à seguinte questão:
O Atlético só conseguiu manter durante a temporada passada o desempenho que o permitiu remover, uma a uma, todas as pedras colocadas em seu caminho e mostrar uma resiliência absurda e uma capacidade de superação fantástica e, em consequência, conquistar o que conquistou, porque tinha time, elenco e banco. E por que tinha time, elenco e banco? Apenas e, tão somente, porque contratou e reforçou pontualmente o elenco já qualificado que tinha à sua disposição e, à exceção de Marrony, não vendeu mais ninguém.
E por que não vendeu mais ninguém? Foi simplesmente porque não quis? Ou foi porque tinha se planejado para tal? Nem uma coisa e nem outra. Seguramente foi porque não teve como vender, já que durante toda a temporada perseguiu, sem disfarce algum, cumprir a meta de vendas previstas para o ano passado e não conseguiu. Caso contrário, não haveria razão para tantos lamentos em relação ao descumprimento desta meta e nem se justificaria o destaque midiático e panfletário que vem sendo dado a essa rubrica no orçamento de 2022.
E por que não conseguiu cumprir a meta de vendas em 2021? Por causa da grave crise econômica de proporções planetárias, provocada pela pandemia. O futebol, como não podia ser diferente, não passou imune e, em consequência, o mercado internacional refluiu e, em particular, o chamado mercado primário europeu, i.e., aquele movimentado pelas principais equipes do velho continente também vem se mostrando bastante refratário aos grandes negócios.
Sem fazer nenhum juízo de valor sobre a negociação de Junior Alonso, porquanto desconheço de forma oficial os seus números, é preciso dizer que o fato de tanto o clube que está levando o Xerife paraguaio, quanto aqueles que se mostraram interessados nos outros dois zagueiros, Nathan Silva e Rabello, pertencerem ao chamado mercado secundário, mostra que o mercado da bola continua ainda em baixa e, por isso, se movimentando apenas em torno de investidas pontuais, quase sempre não interessantes para o clube vendedor, o que recomenda bastante cuidado e tirocínio ao se desfazer de qualquer ativo.
Enquanto isso, a massa torcedora atleticana, como sempre, se divide entre aqueles que não questionam as negociações ventiladas e sempre se manifestam acriticamente em relação qualquer venda dada como certa, e aqueles outros que, ao contrário, não abrem mão do direito de crítica, de cobrança, de discordar e, claro, de exigir transparência nas ações e nos negócios do clube. Eu me coloco entre estes últimos.
Aqueles torcedores que sempre encararam as vendas de jogadores apenas sob o prisma mercantilista, i.e., da aferição do lucro fácil e imediato e, portanto, para eles qualquer negócio é aceitável, não estão mais sozinhos. Juntam-se a eles agora aqueles que outros que defendem cegamente qualquer negociação, sob o argumento vesgo e indefensável de que os homens que estão conduzindo o clube, em razão do que vêm fazendo em prol do Atlético e dos títulos conquistados, não podem e nem devem ser contestados e criticados.
Os jogadores vêm e vão. Faz parte. Quem fica sempre é o clube. Mas, que clube fica? Ou que clube deve remanescer a estas vendas? As saídas, ainda que algumas delas sejam inevitáveis, não devem se processar ao arrepio dos interesses esportivos do clube e nem em resultar em desmontes cujos resultados são catastróficos com a própria história do Atlético é rica em exemplos.
Assim, à luz da história da Atlético, e vendo o clube mais uma vez se colocar no mercado da bola como alguém que está com a corda no pescoço, precisando se desfazer de ativos, já que continua estrangulado por juros e mais juros decorrentes de uma dívida sufocante, o que, a exemplo do que vem acontecendo entra ano, sai ano, vai levar os seus dirigentes a negociar mal na busca obsessiva de cumprir a sua meta de vendas, me vejo na obrigação de alertar, de provocar o debate e de não aceitar de forma acrítica as ações dos gestores atleticanos.
Já passou da hora do Atlético se colocar no mercado da bola de forma altiva, i.e., indicando a qualquer clube interessado em algum de seus jogadores que os tempos são outros.
E, da mesma forma que critico esta relação equivocada e perniciosa do clube com o mercado do futebol que tem levado o Atlético, ao longo dos anos, a praticar maus negócios e, em especial, no que se refere às vendas de jogadores, considero temerária a proposta de alienação do restante do Shopping sem que várias questões atinentes ao caso sejam respondidas. Mas, isso é assunto para outro ensaio.
Enfim, vender ativos, sejam os direitos de jogadores, sejam imóveis, simplesmente para pagar dívidas, sem determinados cuidados estratégicos como o clube reiteradamente tem feito ao longo dos tempos, será sempre um tiro no pé.
Apoio incondicional leva a aplaudir erros e fracassos.