Coluna Preto no Branco: Abraçado com Sampaoli
Foto: Flickr oficial do Atlético
Max Pereira
22/09/2020 – 10h50
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Segundo reza a lenda, em uma das suas frases mais sábias, o técnico Dorival Junior teria dito que “perdemos os grandes talentos para o futebol europeu”. E emendou: “O nível técnico caiu muito, mas continuamos esperando pelos grandes jogos de antigamente. Por isso, mesmo quando o seu time vence, tem torcedor que fica chateado porque o time não jogou bem. Sem talentos, como faz?”
Mas será que o futebol brasileiro está tão órfão assim de talentos? Sou daqueles que preza o talento, ama o futebol criativo e acredita que o diferencial do futebol latino-americano, em particular do brasileiro, tem lugar neste futebol extremamente tático e mental dos tempos atuais.
Ah! Sentencia alguém para quem a carência de talentos talvez seja irreversível: hoje não existem mais Pelés, Garrinchas, Reinaldos, Ronaldinhos Gaúchos, Deners. E também não surgem mais jogadores virtuosos como no passado e que, hoje, são apenas figuras lendárias de um futebol que não existe mais.
Embora reconheça que o futebol plástico, romântico, essencialmente técnico e criativo dos tempos dourados, deu lugar a um futebol estratégico, físico, mental, pragmático e de muita marcação, continuo acreditando que o talento e o gênio criativo ainda não perderam espaço e são coisas do passado. Ao contrario, têm um papel fundamental na construção da excelência das ideias modernas de jogo. E este gênio criativo ainda existe aqui e ali. Precisa, tão somente, ser trabalhado e, principalmente, compreendido.
Em meio a toda essa polêmica, onde os técnicos brasileiros ficam cada vez mais desacreditados, o Atlético, sob a batuta de Sampaoli, continua se credenciando à conquista do titulo máximo brasileiro, praticando um futebol que vem provocando sentimentos controversos nos corações e mentes de seus torcedores e deixando gregos e troianos incomodados e sedentos de ver um ponto final no trabalho do argentino no Glorioso antes que os seus resultados alcancem tudo aquilo que o apaixonado atleticano sonha há anos.
Ainda que, por vezes, o time atleticano abuse dos passes errados e das escolhas equivocadas, demore a se ajustar, exiba problemas aparentemente insolúveis de transição e articulação e alguns de seus jogadores se mostrem irritantemente irregulares, a impressão, cada vez mais forte entre os atleticanos é que o futuro que se está desenhando é bastante promissor. Comungo desse pensamento.
Além dos desajustes táticos, normais em um inicio de trabalho e ainda mais com as peculiaridades próprias da ideia de jogo do frenético e exigente treinador argentino, a cabeça de vários jogadores parece estar muito dançada. Ou o excesso de escolhas erradas teria outra razão? Será que os desajustes táticos estariam desafiando a qualidade técnica de alguns jogadores? Será que, na verdade, algumas das apostas do Alético estariam, tecnicamente, aquém daquilo que delas se esperava? Ou será que o nível de exigência imposto por Sampaoli estaria “enlouquecendo” nossos jogadores?
É verdade que falta aquele homem que faça o diferente, mas seja o que for que esteja travando o time Atleticano em vários momentos de seus jogos, tornando-o, por vezes, impotente ofensivamente, muito vulnerável defensivamente e sem imaginação, o atleticano vê a sua confiança no trabalho de Sampaoli crescer.
É que o galista está aprendendo que o ajuste de qualquer time demanda tempo e tem altos e baixos. Por isso, mesmo que por vezes se torture acreditando que há algo de muito estranho no Galo, ele não perdeu a fé e abraçou o treinador e o elenco de forma decidida, apaixonada e, principalmente convicta de que este trabalho, para vingar, precisa ser protegido e apoiado.
Ao mesmo tempo em que a tradicional impaciência atleticana produz diagnósticos que geram desconforto a muitos torcedores, mesmo diante dos três pontos conquistados e da ambicionada liderança do campeonato, o atleticano está aprendendo a se desafiar e a entender que a massa, ao contrario de ser uma geradora contumaz de crises como nos mostra a historia do clube, pode ser a solução de muitos dos problemas do clube.
O atleticano está vendo Sampaoli buscando fazer o Galo jogar como ele sempre sonhou, sem medo, sem covardia, com ambição, com vontade de ganhar e ser campeão, sem desistir da vitória e sem aceitar a derrota. Não atoa a hasteg “#fechadocomSampaoli” viralizou nas redes sociais com a força de um vulcão indomável.
Em uma semana intensa, com muita turbulência fora de campo provocada por contratações canceladas, pela divulgação de atraso nos salários e por uma enxurrada de “noticias” e postagens que não tinham outro o objetivo senão o de plantar no clube mais uma daquelas intermináveis e virulentas crises desestabilizadoras, o torcedor atleticano, num rasgo incomum de lucidez, abraçou o treinador e o elenco.
O próprio presidente do Atlético, Sérgio Sette Câmara, abandonando sua zona de conforto, se viu compelido a se posicionar e, nesta ultima sexta-feira tratou de afastar qualquer crise interna no clube. Em áudio enviado à Rádio 98FM, o mandatário atleticano sugeriu que o bom começo de Campeonato Brasileiro, sob o comando do técnico Jorge Sampaoli, além da liberação para obras do futuro estádio, a Arena MRV, parece ter ‘incomodado’. E incomodou mesmo.
Sette Câmara garantiu que não há atritos ou desgaste com o treinador argentino, que indicou os jogadores que estavam perto de acerto e foram descartados por causa da rejeição da torcida. O dirigente ressaltou, ainda, o bom trabalho dentro e fora de campo, com a conquista do título estadual, a boa campanha no Brasileiro e o andamento da construção da nova ‘casa’ alvinegra, a Arena MRV, mesmo em tempos de pandemia.
E, sem citar nomes, Sérgio Sette Câmara mandou o recado mais importante, ao alertar a torcida sobre as polêmicas criadas para desestabilizar o clube: “Então, está havendo uma inversão de coisas. Eu acho que isso não pode continuar, vamos deixar a torcida do Atlético bem alerta com relação a isso, porque estão tentando tumultuar o nosso ambiente. Deve ser porque estamos incomodando”.
Mesmo errando aqui e ali, Sette Câmara não deixa de ter razão. Aliás, a hasteg “#ForaSetteCamara”, que também explodiu nas redes sociais, mostra que, não obstante a exploração politica inoportuna por parte de agentes internos e externos, a massa atleticana tem se mostrado extremamente critica à gestão do atual presidente, o que não deixa de ser muito interessante.
Contra tudo aquilo que é “vendido” pela mídia tradicional e por alguns espaços nas redes sociais, são cada vez mais claras as evidências de que a relação de Jorge Sampaoli com o elenco é muito boa, que os jogadores estão literalmente fechados com ele e, principalmente, querendo trabalhar com ele.
Há sim muita cobrança por parte do argentino para com os atletas e para com a própria diretoria. O estilo Sampaoli de busca obsessiva da perfeição e dos títulos, ao contrario do que querem fazer crer os propagadores de crise, está sendo bem entendido. E não existe insatisfação com ele e nenhum desgaste é visível na Cidade do Galo. Aliás, o estilo Sampaoli não permite nem a jogadores e nem ao comando se acomodar. E isso não tem preço.
E não importa que a multa da rescisão do Jorge Sampaoli com o Galo seja de U$2.500.000,00 como especulado por aí. Juntos, clube e torcida vão mostrar o quanto ninguém “internamente” aguenta o argentino na cidade do Galo. Juntos, clube e torcida, se protegerão contra as insidias e o time, mostrará, dentro de campo, jogo após jogo, o quanto Sampaoli quer ir embora.
Visionário? Revolucionário? Ousado? Sampaoli é tudo isso. Às vezes assusta, às vezes irrita, às vezes enlouquece a todos, jogadores, torcida, diretoria, adversários e inimigos, mas é fantástico.
No artigo “E AÍ, SAMPAOLI? QUEM NASCEU PRIMEIRO? O OVO OU A GALINHA?” lembrei, dentre outras coisas, que Sampaoli é “humano e mortal como qualquer um de nós, tem também suas dúvidas, as suas inquietações, os seus momentos de ira, os seus medos, os seus pesadelos e comete os seus pecados”. Abraça-lo, pois, é hipotecar ao treinador confiança, força. É mostrar concretamente que ele e o grupo não estão sozinhos. É estar junto de fato e isso certamente terá um peso importantíssimo na caminhada alvinegra.
Particularmente, não tenho duvida de que o seu trabalho é revolucionário e que o Atlético que está sendo desenhado por ele conquistará muitos títulos. Abraçado com Sampaoli sim, porém, sem perder jamais a visão crítica.
Atlético assumiu, por hora, a liderança, mas, se ainda deixa muitas pulgas atrás da orelha da torcida, deixa também uma esperança crescente e embriagadora. E o que encanta o galista apaixonado é perceber que, se houve tempo em que o Atlético não teria revertido alguns placares como o desse último jogo contra o Xará Goianiense, a história agora é outra. Mas é preciso permanecer focado e neutralizando estes ataques desestabilizadores.
O ao atleticano corneteiro um recado: sei que você está satisfeito por estar na liderança, mas, ainda que o atacante escalado não sirva para você, que o lateral que Sampaoli prefere não seja de seu gosto e que você, mesmo achando bom o treinador, entende que ele vacila quando não põe em campo o time que você quer, ainda assim o abrace. O atlético saberá te agradecer e você próprio agradecerá daqui a algum tempo.
Fazendo minhas as palavras do jornalista Edu Panzi ”discordar e criticar é do jogo, mas respeitar um estilo/ideia é fundamental para entender o Galo 2020”.