As redes sociais, a imprensa e o samba do Atleticano doido

 

 

Max Pereira
Do Fala Galo
14/01/2020 – 06h
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No já distante ano de 1966, o escritor e jornalista Sérgio Porto, usando o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, compôs uma sátira para o Teatro de Revista, em que procurava ironizar a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de retratarem nos seus sambas enredos somente fatos históricos.

O samba de Sérgio Porto descreve como Chica da Silva obrigou a Princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes e, como este, depois de se eleger com o nome de Pedro II, procurou o padre Anchieta e, juntos, proclamaram a escravidão. Estes e outros disparates reúnem em um mesmo contexto personalidades de épocas e lugares distintos, em condições absolutamente absurdas.

O Samba do Crioulo Doido, mais que um enredo satírico, se tornou uma obra-prima do cancioneiro nacional, imortal e sempre atual. Hoje, então, mais do que nunca.

Samba do Crioulo Doido passou a ser uma expressão usada, no Brasil, para se referir a coisas sem sentido, a textos mirabolantes e sem nexo. E, claro, inverossímeis.

Nesse período de entressafra do futebol, o disse me disse e as notícias plantadas aqui e ali, algumas surreais e outras claramente maldosas e com endereço certo, vêm dominando o “noticiário” esportivo e povoando o imaginário de qualquer aficcionado pelo futebol que, entre sobressaltos e pesadelos, já não sabe mais no que acreditar e em quem confiar.

Em relação às notícias e às coisas do Atlético, então, a coisa chegou a tal ponto, tanto na mídia tradicional, quanto nas redes sociais, que, mesmo sem a genialidade e a maestria do saudoso Sérgio Porto, mas com requintes, ora de perversidade, ora de rematada bizarrice, diversos “formadores” de opinião, compuseram o que se pode chamar de Samba do Atleticano Doido.

E o que se ouve é uma verdadeira orquestra “desarmônica”, ora estridente, ora desafinada. Um concerto prenhe de notas mais falsas que uma cédula de três reais.

A contratação do volante Allan pelo Atlético, por exemplo, foi mote para a produção de um sem número de fakes, “furos” e de tentativas torpes de fazer melar o negócio.

Louve-se, nesse episódio, a conduta e a postura irretocáveis do comando atleticano que soube conduzir e concretizar a negociação, não se deixando levar, nem pelas pegadinhas, nem pelos recados plantados, que visavam, única e exclusivamente, fazer com que o Atlético desistisse da contração do volante.

Foi triste ver gente atleticana que apostava no fracasso, seja por acreditar que o “chapéu” tricolor era inevitável, seja por não gostar da atual diretoria e, que por isso, até o anúncio oficial por parte do Atlético, insistia em desacreditar a contratação e dar como certo de que o jogador permaneceria no tricolor carioca.

Nem mesmo um post irônico que ‘noticiava” que o jogador havia assinado com o Atlético, mas iria para o Fluminense para jogar no São Paulo e que estrearia na data tal com a camisa do Grêmio, não abrandou o mal estar criado pela boataria e nem fez rir.

Seria cômico se não fosse trágico ler e ouvir que o volante teria vindo a BH, feito exames médicos e assinado contrato para atuar pelo Fluminense e não pelo Atlético.

E, até mesmo o post de Rubens Menin, empresário que bancou o negócio, confirmando a contratação de Allan, suscitou deboche e desmentidos da ala atleticana frustrada com a confirmação da transação. Segundo estes “donos” da verdade, Menin havia se deixado enganar por um perfil fake.

E olha que teve veículo da mídia tradicional que embarcou na mesma canoa furada. Ao fim, só restou reproduzir as raivosas ameaças do presidente do Fluminense que, óbvio, jogava para a sua torcida.

A volta de Gabriel ao Atlético não foi menos ruidosa e menos demarcada por “notícias” plantadas. Numa tentativa vil de jogar a massa contra o zagueiro plantou-se aqui e ali que ele não queria vestir mais o manto sagrado. Gabriel nunca disse isso. Declarou apenas que gostava do Botafogo onde foi muito bem recebido e que até seria de seu agrado continuar lá, caso isso fosse acertado entre os clubes e seus representantes, MAS QUE NÃO TINHA NADA CONTRA EM RETORNAR PARA O SEU CLUBE DE ORIGEM.

O largo sorriso do zagueiro no dia de sua apresentação, as brincadeiras com os velhos conhecidos, a descontração e o clima leve à sua volta deixaram claro de vez que ele, como rezaram as más línguas, estava realmente de volta ao Atlético contra a sua vontade. Coitado! Mas, coitado mesmo de quem vendeu está inverdade.

Afinal, se o Gabriel não queria voltar, por que o sorriso? Complexo de hiena?

Gabriel, como qualquer outro profissional tem o direito de escolher onde quer trabalhar.

Enfim, ainda que fosse verdadeira essa sua resistência, e não treta de redes sociais ou talvez até coisa de empresário ou do próprio Botafogo, o que também seria possível, nada a criticar ou condenar. Eu, por exemplo, não gostaria de voltar para um lugar onde sempre fui xingado e maltratado. Seja bem vindo, Gabriel. Sinta-se abraçado.

A fonte jamais seria problema se as informações fossem verdadeiras e se não tumultuassem a vida e os negócios do Atlético. Esse frenesi pela audiência e por cliques da mídia tradicional e dos twitteiros e blogueiros de plantão, cada qual querendo ser o dono da verdade, já passou do limite.

E o 9? Não, não estou falando das insossas e bizarras especulações sobre quem vai chegar. Estou falando da fictícia conversa entre Ricardo Oliveira e Dudamel. Vinda de um jornalista profissional como veio, a informação mostra que neste caso, como em muitos outros, o que houve não pode ser chamado de jornalismo.

Cazares, por sua vez, é vítima recorrente da mídia e das redes sociais. Não obstante ser forçoso reconhecer que nos últimos dias  os “comunicadores” de plantão estão sendo generosos com o equatoriano e que tem crescido no seio da massa a percepção da dimensão do talento extraordinário do craque, é preciso dizer que o comando atleticano ainda tem insistido em dar munição aos detratores de Cazares e em tentar atrair possíveis interessados em seu futebol, sempre de uma maneira equivocada e desrespeitosa.

Dizer que o jogador quer sair do clube, para jogá-lo contra a torcida e negociá-lo por ninharia, é técnica rasa das diretorias que vêm conduzindo os destinos do Atlético ao longo dos tempos.

Foi assim com Marcos Rocha, agora com Luan e outros tantos no passado e está sendo com Cazares, contra quem ainda é sacado publicamente que só joga quando quer jogar. Escrava do ódio e da passionalidade parte da massa sempre entra nessa onda.

O que vai decidir o futuro de Cazares? O ódio, a intolerância e o amadorismo? Ou o respeito e o amor pelo talento e a proteção dos interesses maiores do Atlético? Cabe ao torcedor escolher o seu lado. Eu já escolhi o meu: o lado do respeito e do amor ao talento e ao Galo. E vc?

E é preciso que você Rui Costa, o presidente e todos no Atlético, além de mim e da própria torcida, também o vejam como de fato ele é, i.e., vejam o excepcional e diferenciado jogador que ele é e deem a ele, além do o direito de errar como qualquer outro ser humano, orientação, cuidados, ambiente, blindagem e respeito.

Que os deuses do futebol digam amém ao talento. Cazares é diferenciado. Como todo ser humano, tem direito a ter os seus maus momentos. O Rei das assistências e segundo maior artilheiro estrangeiro do clube, ao lado de Pratto, já mostrou o jogador que é e, como tal, tem que ser visto por todos.

O Samba do Atleticano Doido, tocado em todos os ritmos e tons nas redes sociais e na imprensa tradicional, quase sempre em primeiro lugar nas paradas das fofocas, não se resume apenas às Fakenews e às “notícias” plantadas em razão de interesses vários. Vazar para atrapalhar os negócios do Atlético parece causar um prazer orgásmico.

A sedução do furo parece normal para o jornalista profissional mas, para atleticanos, dublês de jornalistas e comunicadores, é triste, muito triste. Patético, até.

Dominados por um anseio incontrolável de busca de reconhecimento, audiência, seguidores e cliques, twitteiros e blogueiros atleticanos parecem não se dar conta de que o que fazem acaba colocando em risco possíveis contratações do seu clube do coração.

Há ainda quem suspeite de possíveis vazamentos das informações estratégicas do Atlético e questione quem, dentro do clube, poderia estar passando para a imprensa as negociações em curso. Possível? Infelizmente sim. Seria uma prática inédita? Temo que não.

Teoria da conspiração ou não, o fato é que estes vazamentos são recorrentes. Artimanhas de empresários? Sim, também acontecem. Desvio de foco? Outra possibilidade recorrente.

E, em meio a tudo isso, como fica a cabeça do atleticano? Um parafuso só.

Mas tem momentos que o humor e a ironia também pululam nas sociais atleticanas parecendo uma tentativa de redenção, um “mea culpa” atleticano que mostra que a sensibilidade e o senso de ridículo ainda não se tornaram peças de ficção. Entre aspas, transcrevo abaixo, alguns exemplos:

“Eu fico impressionado com a quantidade de pessoas que não questiona NADA. Recebem uma informação e assumem logo de cara que aquilo é verdadeiro. Não pensam com as próprias cabeças. Sua ideias e pensamentos não passam de repetições lidas ou ouvidas em outros lugares”.

“Sabe pq @ …  ??? Pq tem atleticano que só abraça boato falando mal do Galo”.

“A ejaculação precoce da torcida do Galo aqui no Twitter é impressionante. A turma não sabe nada do que está acontecendo nos bastidores, mas o negócio é criticar, xingar e esbravejar. Duas coisas que tem marcado a turma desta rede é o imediatismo e o negativismo”.

“Eu acho curioso como a torcida do Galo desenvolve rejeições totalmente desproporcionais a certas situações, certos nomes pra reforços.. é aquela história de ‘matar uma barata com tiro de escopeta’. Sinceramente, que exagero algumas reações. Torcedor de rede social é um personagem”.

“Falta amor no mundo, mas falta também interpretação de texto. Repito isso sempre. Mas a questão é anterior. Faltam leitura e empatia para entender o que o outro diz. E sobram preguiça e arrogância em crer que basta ler título para entender o texto. E que tuítes substituem livros”.

Ao final de seu “Samba do Crioulo Doido”, o genial Stanislau Ponte Preta, alterego  de Sérgio Porto, ironizou a glória alcançada por dois personagens outrora poderosos na história do Brasil: Dom Pedro II e Dna. Joaquina. É que o primeiro tornou-se nome de uma estação ferroviária e a segunda de uma linha de trem.

“Assim se conta essa história

Que é dos dois a maior glória

Da. Leopoldina virou trem

E D. Pedro é uma estação também”

“O, ô , ô, ô, ô, ô

O trem tá atrasado ou já passou”

E aí, atleticano? Até quando vc, na ânsia de ver seu time alcançar a glória que tanto deseja, vai ficar na estação digital, preso nas mirabolantes histórias que lá pululam e sem saber ao certo se o trem atleticano está atrasado ou já passou? E pior: sem saber se já perdeu o trem da história.