VAR: o refúgio dos covardes?

 

 

Por Silas Gouveia 

Acredito que pelo menos 90% dos torcedores dos clubes de futebol, ansiava pelo avanço do uso da tecnologia de vídeo imagens no futebol, assim como já havia em todos os demais esportes ditos “coletivos”. Torcedores do Brasil afora, independente das cores do clube de sua paixão, torciam também para a implantação do uso da tecnologia nas partidas de futebol, na esperança de que seu clube jamais fosse novamente prejudicado por aquele juiz parcial e mal-intencionado, ou por não assistir nunca mais a erros bisonhos da condução de uma partida e definição de um lance, por vezes capital, contra seu clube.

(Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Os mais céticos e talvez até mesmo mais realistas, alertavam que o uso da tecnologia apenas poderia servir para validar um erro mais grosseiramente, ou pior; garantiria a farsa travestida de imagens, que por vezes poderia até mesmo ser manipulada antes de sua divulgação. Afinal, por trás de toda a tecnologia existem os homens falíveis e corrompíveis, ajustados ou não ao cargo de uma entidade representativa.

Pois bem, passados os primeiros meses da implantação oficial do uso do VAR em partidas de campeonatos estaduais, nacionais e até mesmo internacionais como Libertadores, Sul-Americana e agora Copa América, as dúvidas e críticas sobre o uso desta tecnologia ganham mais espaço e volume. Se ainda não chegamos ao ponto de confirmar as suspeitas e direcionamentos dos mais céticos quanto ao seu uso aqui na América do Sul, já há algumas constatações que nos fazem, no mínimo, refletir sobre o uso ideal do VAR e as armadilhas que devem ser desmontadas para sua continuidade, com vistas ao atingimento do ideal que justificou sua implantação.

Segundo o Site Chuteira Futebol Clube (http://chuteirafc.cartacapital.com.br) a CBF, por exemplo, investiu cerca de R$ 20 milhões no uso do VAR nos 380 jogos do Campeonato Brasileiro de 2019. Estes custos seriam divididos com os 20 clubes da Série A, mas diante das críticas e resistência da maioria dos clubes em arcar ou mesmo em dividir estas despesas, a entidade resolveu bancar sozinha esta implantação. Um custo bastante alto, mas que justificaria todo investimento quando, ao menos na teoria, se ganharia em credibilidade.

Para o Brasileiro de 2019, a CBF contratou a empresa Haw Eye, responsável pela utilização do VAR na Copa da Rússia mas não informou se as captações das imagens dos jogos serão da TV Globo, detentora dos direitos de transmissão do Brasileirão, ou da própria Haw Eye. A Haw Eye atua na Bundesliga, da Alemanha, e na Série A da Itália e está presente em mais de 26 competições diferentes do futebol internacional.

 

Está descrito nas normas da CBF que o VAR será utilizado nas seguintes condições:

1 – Gol e não gol

2 – Pênalti ou sem pênalti

3 – Cartão vermelho direto

4 – Identificação equivocada de um jogador.

 

E ainda, os princípios básicos do VAR seriam:

1 – Somente o árbitro pode iniciar uma revisão;

2 – A decisão final será sempre tomada pelo árbitro central;

3 – O árbitro permanecerá visível durante todo o processo de revisão para garantir a transparência;

4 – Não existe nenhuma pressão para agilizar uma revisão, a precisão é mais importante que a rapidez;

5 – Uma partida não será anulada por motivos de mal funcionamento da tecnologia, nem por decisões incorretas relacionadas ao VAR, ou por uma decisão de não revisar o incidente;

6 – Os jogadores e comissão técnica não devem tentar interferir no processo de revisão. Um jogador que fizer o sinal de TV insistentemente será advertido com o cartão amarelo;

7 – Se o jogo for reiniciado depois de uma interrupção, o árbitro não poderá mais realizar uma revisão, exceto em casos de confusão de identidade ou uma possível infração passível de expulsão por conduta violenta.

 

Como diria um famoso comentarista de arbitragem da TV brasileira, as regras são claras. Não deveriam, portanto, gerar qualquer tipo de controvérsias. Em termos, diria o sábio, tudo em que o ser humano está presente e participando, os erros e as falhas sempre estarão presentes e, com eles, as más condutas, as más intenções e toda a gama de atividade inerente à capacidade humana. Ou seja, corremos o risco de institucionalizarmos a canalhice virtual ou tecnológica, devido ao mau uso de uma ferramenta fantástica e decisiva. O uso do VAR, no Brasil e na América do Sul, corre o risco de ser completamente desmoralizado e fadado ao fracasso, caso não se corrijam seus rumos e fiscalizem sua utilização. Por mais avançada que seja a tecnologia, ela sempre estará factível ao erro humano.

O que presenciamos nos jogos do Brasileiro de 2019 e mesmo nas competições internacionais, é uma série de erros e usos indevidos da tecnologia associada ao VAR. Lances que não estariam descritos nas normas de uso desta tecnologia pela FIFA, agora com alto índices de incidência. Vimos assistindo partidas do Campeonato Brasileiro, da Copa do Brasil, da Libertadores, da Sul-Americana e, até mesmo, em jogos da Copa América. Seriam lances corriqueiros, que em nada ou muito pouco iriam interferir no resultado ou andamento de uma partida, mas que agora roubam preciosos minutos daquilo que sempre foi o principal motivo de tudo: o espetáculo do futebol.

Já vimos lances de impedimentos mal marcados, cartões amarelos de lances em que sequer a falta foi anotada pelo árbitro, antes ou depois da consulta ao VAR, conversas intermináveis entre o árbitro principal e o responsável pelo VAR e mais uma infinidade de usos indevidos ou equivocados de uma tecnologia que veio com um único propósito: evitar as injustiças de decisões mal aplicadas em uma partida de futebol.

Das 89 partidas disputadas no Brasileirão 2019, 84 tiveram uso do VAR, o que nos remete a praticamente um uso por partida. Entretanto, na classificação geral, sem contar com o uso do VAR fora o São Paulo em quarto, no lugar do Internacional, o G-4 seria o mesmo com ou sem VAR e as mudanças na pontuação seriam pequenas. O líder Palmeiras teria 23 e não 25 pontos e o Flamengo teria um ponto a mais: 18, não 17. E na parte de baixo, sem o uso do VAR, também teríamos poucas mudanças. A única no Z-4 seria a entrada do Vasco e a saída da Chapecoense. Sem o vídeo, o Vasco teria seis, não nove pontos e a Chape teria dez, não oito pontos. Fonte: jornalista esportivo Alexandre Siqueira (@ssicca1), no site www.torcedores.com.

O que estamos presenciando no momento, nada mais é do que uma transferência de responsabilidades para uma outra pessoa que, por ventura, tenha uma visão mais privilegiada de um determinado lance, não importando sequer se este seria um lance importante ou mesmo capital para o desenrolar de uma partida, ou que interferisse diretamente no resultado final da mesma. Não estamos verificando nenhum ganho real de credibilidade ou de imparcialidade nas decisões ou usos do VAR. Ao contrário, estamos presenciando uma banalização de seu uso e um desvirtuamento de suas aplicações e utilidade. Estamos promovendo a covardia arbitral e a falta de critérios para as decisões a serem tomadas. E o público, o principal interessado em todo este aparato tecnológico, já começa a olhar desconfiado e a temer que agora, além de não poder mais reclamar de um lance no qual seu time foi claramente prejudicado, ainda percebe que a magia especial de uma partida de futebol que é o gol agora é entregue de forma parcelada e com desconfiança. O grito de gol já não é mais a plenos pulmões. Grita-se com um misto de desconfiança e incredulidade, com a voz não mais explosiva e alegre, mas apenas contida e um pouco rouca e desafinada, à espera do segundo apito.

Os árbitros estão perdendo sua capacidade interpretativa e se rendendo à covardia de uma segunda opinião, mesmo em lances da mais absoluta irrelevância na partida, com o intuito ou a intenção de não se sujeitarem sozinhos às críticas e reclamações de jogadores, torcedores e, principalmente, comentaristas e narradores esportivos. O medo, a incompetência e a covardia estão tomando os lugares do profissionalismo e da capacidade técnica dos árbitros, amaciada pela falta de críticas e cobranças dos atletas, que também parecem se esconder por trás desta pseudo tecnologia para não mais questionarem decisões esdrúxulas de juízes, ou então por ajudarem na banalização do uso desta ferramenta, sugerindo seu uso indiscriminadamente, talvez para justificar sua pouca ou nenhuma técnica ou entrega naquela partida.

Obviamente que estamos ainda no início do uso desta ferramenta e qualquer julgamento mais determinado carece de avaliações mais completas e complexas. Mas a utilização equivocada do VAR nos faz temer por usos completamente inadequados do mesmo, caso não haja revisões de postura ou condutas dos árbitros. O VAR não pode ser desqualificado como vem sendo feito, muito menos se transformar em um escudo de defesa aos maus profissionais, ou àqueles com baixa qualidade técnica, ampliando os efeitos de sua covardia e incapacidade técnica de atuar.

Também há de se questionar as condutas dos jogadores, que muitas vezes enxergam no VAR uma possibilidade de gerar tumulto ou pressão inadequada à arbitragem, fazendo com que a torcida e, até mesmo em alguns casos, os comentaristas esportivos entrem em uma discussão infrutífera de alguns lances, os quais não foram analisados de acordo com as imagens disponíveis aos que gerenciam o VAR em uma partida. Assim, recursos indisponíveis ao árbitro e à equipe do VAR em alguns casos são utilizados pela emissora para questionar algumas decisões adotadas pela arbitragem, fazendo com que seus telespectadores e quase a totalidade da torcida envolvida questionem a validade do uso do VAR.

O fato é que, assim como tantas outras tecnologias, o VAR chegou para ficar. Depende de todos nós e, em especial, a quem comanda o futebol neste país que sua adaptação seja mais ou menos rápida e mais ou menos segura. Evitar certas condutas tanto da arbitragem quanto dos atletas já facilitaria muito esta implantação. Seguir claramente as regras, assumindo o papel de diretor do espetáculo e não apenas mero coadjuvante da tecnologia pode ser um dos pontos chaves para o sucesso e o respeito às aplicações do uso do VAR. Da forma como estão sendo conduzidas as condutas até aqui, pouca ou nenhuma diferença iremos perceber sobre seu uso e, com isto, os questionamentos da real necessidade, ou ainda, do uso político ou viciado do mesmo, poderá colocar por terra toda a credibilidade que se espera do uso de tal ferramenta. O VAR é bom e necessário. A covardia e a baixa qualidade técnica dos árbitros, não!

 

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Revisado por Jéssica Silva (twitter.com.br/jeatleticana)