Uma eminência parda paira sobre o futebol. E o Atlético com isso?
Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
15/11/2019 – 05h
Não é segredo para quem acompanha a coluna PRETO NO BRANCO que vimos defendendo uma revolução de métodos e concepções na governança e na gestão do futebol do Atlético, o que passa, necessariamente e, dentre outras coisas, pela revisão, modernização e conquista da sobriedade do trato do clube com os diversos atores que compõem o sistema futebol. Nesse ensaio falaremos de um desses atores em especial.
Um dos grandes males do futebol moderno é o agente, o representante, o procurador do jogador de futebol.
Esta figura singular tornou-se, infelizmente, um mal inevitável e ainda, durante algum tempo, uma presença indigesta e incontornável na vida dos clubes não só no Brasil como mundo afora. A Internacional Board, inclusive, criou a figura do agente FIFA, personagem que se tornou obrigatório e compulsório nas transações entre clubes de futebol.
No Brasil a ingerência dos empresários nos negócios dos clubes e na administração das carreiras dos jogadores é heterodoxa por excelência e determinante, para o bem ou para o mal, na relação clube/atleta.
Normalmente, a prática mercantilista do agente tem sido extremamente lesiva aos clubes e ao próprio futebol, vez que desequilibram a relação de forças e, por vezes, se não inviabilizam contratações, as conduzem segundo seus interesses ou as redirecionam sem nenhum cuidado ético.
No geral, a relação entre dirigentes e agentes tem suscitado críticas aqui e ali.
A história do Atlético é prenhe de casos de jogadores que saíram do clube pela porta dos fundos por ação ou interferência anômala de seu empresário. Certa vez um atleta, para justificar o seu sumiço repentino e sem explicações dos treinamentos, mesmo tendo contrato em vigor com o clube, deu uma declaração patética a um veículo de comunicação, dizendo que apenas estava cumprindo as ordens de seu empresário, que era QUEM MANDAVA nele.
Esse jogador tem vários nomes, pois representa um sem número de atletas que, ao longo dos tempos, têm se comportado de forma semelhante porque são levados a acreditar que as ordens de seus empresários se superpõem às suas obrigações contratuais, decorrentes do compromisso assinado com seu clube.
Fazem tudo que o seu mestre manda, acreditando estarem agindo certo e para o bem de suas carreiras.
Não raro, um agente que quer porque quer tirar um determinado jogador de algum clube, age para alimentar um clima de guerra com a direção da agremiação, a ponto de inviabilizar qualquer tratativa que possibilite uma renovação de contrato ou a simples permanência do atleta até o fim do vínculo vigente.
Particularmente, o Atlético tem, ao longo dos anos, colhido prejuízos e dissabores desse tipo. Não é menos verdade que as relações entre dirigentes e agentes também se azedam graças aos maus bofes ou à inabilidade dos primeiros.
Historicamente, quase sempre comandado por dirigentes ineptos, o Atlético vem colhendo frutos amargos, decorrentes de relações conturbadas com vários agentes, sejam estes ou não, ossos duros de roer.
Muitos agentes são useiros e viseiros na prática de destilar venenos de seu interesse na mídia, sempre aberta a este tipo de “notícias”, mormente se o alvo for um Atlético sempre fonte de boa e inestimável audiência e sempre frágil politicamente e na sua capacidade de se blindar e de se fazer respeitar.
A história do futebol é rica de jogadores que, mal orientados intencionalmente ou não, são jogados contra o treinador, contra dirigentes e contra os próprios companheiros.
Muitas vezes, os agentes orientam seus atletas, seja para o bem ou para o mal, a adotar certos comportamentos que geralmente são obedecidos cegamente.
Tutelados, e às vezes até explorados, desde tenra idade, o jogador de futebol, geralmente oriundo das classes mais desassistidas, torna-se facilmente refém de qualquer empresário inescrupuloso que, por ventura, venha a administrar sua carreira.
Incultos, sem formação e orientação, crescem aprendendo que a regra básica de suas vidas é, em princípio, sobreviver e que a única chance de tirar o pé da lama, de dar uma vida digna para a família e construir um futuro, só o futebol propiciaria.
Ainda bem jovens esses atletas, de repente, passam a ter uma eminência parda a literalmente dirigir-lhes a vida, mais que um papai sabe tudo, um guru, dono da verdade e senhor absoluto de seus destinos.
E pior: desde garotos, muitas vezes tornam-se vítimas dos próprios parentes, de amigos, falsos ou verdadeiros, de vizinhos, de dirigentes de clubes que, além dos seus agentes, os exploram ou cercam de expectativas ensandecidas e muitas vezes frustradas pelo despreparo do próprio atleta ou por uma decisão açodada levada a termo em sua carreira.
Um tema que merece um ensaio a parte é o drama vivido por uma gama significativa de garotos levados de forma precipitada, inconsequente ou até mesmo irregular para o velho continente que, entorpecidos pelo sonho de se tornar um Messi ou um Cristiano Ronaldo, acabam vivenciando experiências terríveis e até degradantes.
É claro que existem exceções, mas são exceções mesmo. Entre os treinadores, Aurélio Dias, que cuidou das carreiras de Valdir do Bigode e do Xodó da Massa, Marques, é exemplo de empresário ético e correto.
Entre os atletas, Afonsinho, ex-craque do Botafogo e hoje médico, foi o primeiro jogador profissional a ser dono do próprio passe e a ser senhor de sua carreira e história no futebol brasileiro. Com a injusta fama de indisciplinado e mau profissional, vez que sua independência e personalidade desagradaram a gregos e troianos, pagou um preço muito alto por isso. Poucos, se considerarmos o extenso universo de atletas profissionais no Brasil, seguiram o seu exemplo.
Mais de 90% dos atletas profissionais brasileiros, além de mal remunerados, são apenas meros coadjuvantes de um espetáculo onde as estrelas são poucas. E menos ainda são aqueles que se destacam pela capacidade de articulação, nível de erudição e controle de sua própria carreira.
Isso pode parecer estranho para o torcedor que apenas focaliza em suas observações as maiores agremiações brasileiras e se esquece que existem alguns milhares de clubes profissionais Brasil afora que, espalhados nas diversas divisões nacionais e regionais, apenas sobrevivem, graças à paixão e à dedicação de uns poucos abnegados.
O futebol, para a maioria dos garotos e agora das garotas também, porque o futebol feminino não é menos diferente, é um filtro cruel e muita gente boa de fato fica pelo meio do caminho. E o agente tem sido, dentre outros, um fator complicador neste processo vez que, se para poucos torna-se de fato uma mola propulsora, para muitos passa a ser um gargalo intransponível.
Em um emaranhado de notícias e “notícias” na era das fake news, o que é mentira repetida mil vezes, torna-se verdade inquestionável. Os empresários do futebol são muitas vezes fonte inesgotável de notícias e, principalmente, de “notícias”, o que, por vezes, produz sobre a massa torcedora um efeito devastador para os clubes e para a carreira de um jovem que por ventura caia em desgraça diante de sua torcida.
Para muitos, tudo o que é dito de ruim sobre quem não se gosta é aceito acriticamente como verdade irretorquível. A recíproca, por óbvio, também é verdadeira.
Para um torcedor como o atleticano a quem, em sua grande maioria, normalmente nada interessa o que acontece nos bastidores e que nunca se lembra que o jogador do seu time é, antes de tudo, um ser humano exatamente igual a ele próprio, passa despercebida quase sempre a relação, muitas vezes difícil e perversa, entre atletas, agentes, treinadores e dirigentes, o que muitas vezes está na raiz de muitos desempenhos ruins.
Infelizmente os dirigentes de clube não são unidos e nem inteligentes o suficiente para buscar fórmulas que, se não possam neutralizar a ingerência nefasta dos agentes, possam, pelo menos, minimizá-la a nível tolerável e controlado.
Certa vez testemunhei uma ação de um agente na sede de Lourdes. No exato momento em que um jogador empresariado por ele e recém contratado pelo Atlético era apresentado no auditório da sede, como era de praxe naquela época, e, como de costume, vestia o manto sagrado, o tal agente, por telefone já o negociava com o futebol árabe e prometia que o atleta se apresentaria ao cabo de três meses, prazo legal mínimo para romper o contrato que acabara de assinar com o Galo.
Na maior cara de pau, e mesmo flagrado, esse agente ainda tirou onda. E não deu outra. Findos os três meses de contrato o jogador se mandou e o Atlético, impotente e refém de cláusulas impostas pelo seu representante, não só não ganhou nada, como também não poderia fazer nada para impedir a saída do jogador.
Voltando aos tempos atuais é fácil perceber que essa realidade indesejada não só perdura, como também tem adquirido contornos bastante preocupantes, como se pode ver no artigo publicado no último dia 7 deste mês pelo Superesportes, intitulado “Próxima venda, prevê empresário de joia que renovou com Atlético”.
Olhem o que diz a referida reportagem: “Promessa das categorias de base do Atlético, o zagueiro Isaque, de 18 anos, renovou contrato com o clube até o fim de 2022. Nas redes sociais, o empresário do defensor, Adriano Spadoto, comemorou o acordo de uma forma pouco usual: ‘Aguardem mais uma grande revelação e próxima venda nesse clube abençoado’, publicou”.
Próxima venda? Clube abençoado? Isso soa como um recado e, dependendo de como caia nos ouvidos do garoto, pode levá-lo a mascarar-se, como também a fazer o atleticano a superestimar o potencial do jovem zagueiro que, se falhar apenas uma vez, o que seria absolutamente natural, correrá sério risco de ser massacrado pela torcida.
Falei em recado. E pergunto: para quem? Para um futuro comprador? Para o vendedor, no caso a diretoria alvinegra? E por que o empresário falou em clube abençoado?
Parafraseando Shakespeare, lembro ao leitor que “há mais mistérios entre as arquibancadas de um estádio e os porões dos podres poderes do futebol do que pode imaginar a vã filosofia do pobre, mortal e iludido torcedor”.
Mais do que nunca é preciso perceber que o futebol moderno não se resume ao que acontece dentro das quatro linhas. Ao contrário, nunca é demais repetir que tudo o que acontece dentro do campo é consequência direta do que acontece fora dele.
Sempre mantenha um olho no gato, outro na sardinha, como me ensinou minha velha e saudosa avó.
Trazendo essa lição para o futebol e para o Atlético eu digo: a boa governança e uma gestão moderna e proficiente exige que o dirigente mantenha um olho nos intestinos do clube e outro no universo que compõe o sistema futebol. E esse cuidado se estende também aos seus conselheiros, aos sócios torcedores e de clube e à sua torcida em geral.
ENTREVISTA COM ALEXANDRE KALIL:
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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini
Edição de texto: Angel Baldo