Títulos, ilusão e ambição!
Por: Ángel Baldo e Prof Denilson Rocha
Na última semana, a atual gestão do Atlético ganhou destaque na mídia nacional por ter quitado uma antiga dívida com Al-Gharafa, referente a aquisição do atacante Diego Tardelli em 2013, algo em torno de R$ 14 milhões de reais. O pagamento dessa dívida trouxe um debate interessante nas redes sociais e grupos de WhatsApp: pagar dívidas antigas ou investir em um time competitivo?
Algumas pessoas elogiaram a postura da atual diretoria e ficaram “P da vida”, afinal, entre 2013 e 2016, o Atlético esteve em evidência, ganhou títulos importantes, ganhou muito dinheiro, mas as obrigações não foram cumpridas. Já outras pessoas criticaram a postura da atual diretoria e defendem que são válidos os riscos e sacrifícios, desde que ganha títulos, pois um time vive de grandes conquistas. Os dois lados têm suas razões.
Estima-se que desde julho de 2018 até o momento, o Atlético tenha realizado pagamentos de mais de R$ 30 milhões de reais por dívidas das gestões antigas. Foram resolvidas as seguintes pendências:
Victor (Grêmio)
André (Dínamo de Kiev/UCR)
Cáceres (Boca Juniors/ARG)
Lucas Pratto (Vélez Sarsfield/ARG)
Elias (Sporting/POR)
Rafael Carioca (Spartak Moscou/RUS)
Diego Tardelli (Al-Gharrafa/EAU)
Ainda espera resolver, no segundo semestre deste ano, outras quatro pendências: Douglas Santos, Maicosuel, Otero e Yimmi Chará. Para que isso aconteça, o Galo conta com o dinheiro da venda do lateral Emerson, para o Barcelona/ESP. A diretoria não confirma, mas é bem provável que o Atlético pague cerca de R$ 28 milhões de reais ainda nesta temporada.
Muitas pessoas têm um discurso de que equipes fora do chamado eixo Rio-São Paulo precisam gastar além do orçamento para ganhar títulos. Na verdade, temos os dois lados da moeda. O rival local contratou, não pagou, ganhou títulos e hoje está atolado em dívidas. O Flamengo se organizou financeiramente, passou por período de baixa e, agora, organizado, recomeça a busca por títulos. Já o Grêmio se planejou, se estruturou, também ganhou títulos e consolidou um padrão (talvez um dos pontos mais importantes hoje, no futebol).
O futebol não é uma ciência exata, todos nós sabemos disso. Porém, o “fazer futebol” a qualquer custo é uma tremenda ilusão, afinal, uma hora o barco vai afundar, e o Atlético é um grande exemplo disso.
O Galo viveu anos de ouro, chegou ao topo do continente, brigou nas cabeças dos principais torneios, mas sem um planejamento não se sustentou e hoje faz futebol com escambo. Aquele velho discurso: “Tragam jogadores acima da média, pois eles se pagam” não deu tão certo.
Muitos torcedores nas redes sociais falam constantemente na “falta de ambição” da atual diretoria do Atlético, porém o que seria ambição no futebol?
Nepomuceno talvez tenha sido o mais ambicioso dos presidentes que passaram pelo Atlético. Foi agressivo no mercado, montou equipes fortíssimas, bateu de frente com Palmeiras, Corinthians, Flamengo e São Paulo e ganhou disputas por diversos jogadores como Cleiton, Fred, Robinho, Elias, Lucas Pratto, Fábio Santos, Cazares, etc. Os investimentos foram pesados, a ambição por conquistas era notória em qualquer discurso do ex-presidente, porém, diferente de 2013 e 2014, quando os títulos vieram, dessa vez não aconteceu e o Atlético bateu na trave duas vezes. Em 2015 foi vice-campeão brasileiro e em 2016 foi vice-campeão da Copa do Brasil.
Nepomuceno até hoje carrega o rótulo de irresponsável, rótulo esse porque não ganhou. Se tivesse conquistado títulos, talvez somente um ou outro falaria isso. Assim como aconteceu na gestão de Alexandre Kalil, quando os investimentos foram altos, dívidas foram feitas, títulos conquistados, porém os compromissos não foram honrados e a conta está aí, para ser paga até hoje.
Como foi dito no início, o Atlético pagou mais de R$ 30 milhões de reais em dívidas deixadas por diretorias antigas. Para um clube de fora do eixo, R$ 30 milhões é uma grana considerável, que poderia até ser utilizada para reforçar o atual elenco que tem algumas carências importantes.
Vale ressaltar que a atual diretoria cometeu e comete muitos erros, e um dos principais vem do ano passado, o primeiro ano de mandato, quando o investimento foi, principalmente, em jogadores com qualidade duvidosa e 99% dos torcedores sabiam que não iriam vingar.
Como foi dito anteriormente, a grande referência no Brasil, atualmente, é o Grêmio, que conseguiu unir títulos e saúde financeira. Como ele fez isso:
- Profissionalização da gestão, com planejamento, organização e, principalmente, pessoas altamente capacitadas para gestão do clube. O clube definiu aonde queria chegar, pensando em longo prazo e sabendo quais seus objetivos e quais caminhos trilhar para alcançar cada um deles. Buscou pessoas a partir de suas competências e foram mantidas no clube somente se dessem resultados.
- Adequou seu fluxo financeiro, sabendo o que receber e em que aplicar. Avaliaram o endividamento, buscaram seus credores para adequação e evitaram novas dívidas. Ampliaram a origem de receitas com licenciamento, produtos, serviços e, com grande destaque, a venda de atletas formados nas categorias de base. Sabendo o quando recebe e o quanto paga, passaram a viver estritamente com o que possuem. Isso, sim, é austeridade.
- Adotaram práticas rigorosas de compliance e transparência. Isso significa que os dirigentes atuais e futuros não podem fazer loucuras. Ao mesmo tempo, todas as contas do clube são disponibilizadas e debatidas a cada três meses.
- Mais importante de tudo – e o que diferencia do caso Flamengo –, o negócio do futebol é FUTEBOL. Não dá para tirar dinheiro de seu principal produto porque você tem contas para pagar. Reduz nos clubes sociais, nas despesas administrativas, no pessoal da sede (!), no cafezinho, mas não no futebol. Futebol não é gasto, é investimento! E colocar dinheiro para trazer mais dinheiro. Entretanto, isso não quer dizer gastar com medalhão, não quer dizer contratar fazendo dívidas. Quer dizer contratar quem vai te trazer resultados esportivos E financeiros. Contratar jogador barato que não dá resultado nenhum também é jogar dinheiro fora.
- Assim como na gestão, o futebol também precisa de planejamento rigoroso. É preciso um modelo de jogo adequado à cultura e à história do clube. A partir deste modelo, definir a estrutura do time e, finalmente, quais as peças que melhor se encaixam nesta proposta, considerando tanto o treinador quando cada posição do elenco. Notem que o Grêmio tem modelo de jogo não só para o profissional, é expandido para base. Tem time de transição, onde os jovens começam a ser preparados para o time superior. Tem um técnico adequado à cultura do clube. E buscou jogadores que eram dados como acabados ou de péssima qualidade, mas que eram os adequados para a estrutura de time e de jogo. Ou seja, conseguiram compreender que futebol é esporte COLETIVO e mais importante que um nome, o conjunto que ganha jogos e campeonatos. O “grande jogador”, o “medalhão” pode ser queimado se a estrutura do time não estiver adequada, assim como pode se destacar ainda mais se o coletivo funcionar bem.
Enfim, como falado no início deste texto, alguns consideram que as diretorias anteriores foram irresponsáveis em fazer dívidas para ganhar títulos, outros consideram que a diretoria atual não tem ambição ao querer pagar as dívidas mesmo abrindo mão, temporariamente, das conquistas. A grande pergunta: precisa abrir mão de conquistas para colocar a casa em ordem? O Grêmio prova que não! Mas o Atlético está disposto a fazer as mudanças necessárias para isso? Está disposto a ter profissionais adequados a cada função? Está disposto a reduzir custos em áreas meio para investir no futebol? Está disposto a buscar novas fontes de receitas? Está disposto a definir um modelo de jogo e persistir? Está disposto a contratar para atender às funções e não apenas pelo nome?
Que a diretoria entenda que é preciso pagar as dívidas e colocar a casa em ordem porque as exigências são cada vez maiores e, principalmente, o risco de punição é real. Ou se ajusta administrativamente ou não sobrevive. Mas que saiba, também, que time que não ganha título perde torcida, perde relevância, perde receitas e, enfim, também não sobrevive.