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Quando os números enganam

 

 

Por Prof Denílson Rocha e Stéfano Bruno 

Já não é de hoje que os números e as estatísticas passaram a fazer parte do mundo do esporte. O scout é usado em diversos esportes e seu uso vem sendo aprimorado com a aplicação de ferramentas digitais (softwares específicos) e a inclusão de profissionais especializados para análise dos números. Principalmente nos esportes “americanos” (baseball, futebol americano e basquete), o uso da estatística é rotina para avaliação de desempenho e serviu, inclusive, como base para o roteiro de livro e filme.

“Moneyball – o homem que mudou o jogo” conta a história do Oakland Athetics, time de baseball que, em 2002, sem dinheiro e perdendo seus principais atletas, adotou uma diferenciada forma de análise dos dados para montar uma equipe competitiva. Naquele ano, o Oakland não chegou ao título da MLB, mas chegou a um recorde de 20 vitórias consecutivas e alcançou uma classificação muito superior ao que se esperava no início da temporada. Porém, a mesma metodologia foi adotada pelo Boston Red Sox para que voltasse a ser campeão em 2004, após um jejum de 86 anos – que foi conhecido como “Maldição do Bambino”.

Boston Red Sox campeão da Major League Baseball em 2004

E onde o futebol entra nessa história?

Billy Beane, gerente geral do Oakland Athetics, é consultor do AZ Alkmaar, time de futebol da Holanda, que busca adaptar a metodologia aplicada no baseball para melhorar seus resultados esportivos. E a história serve, também, para avaliar muito do que é feito no Atlético. Afinal, assim como o Oakland Athetics, falta dinheiro para investir em grandes jogadores. E como o Boston Red Sox, o tempo na fila para conquista do Campeonato Brasileiro já se aproxima dos 50 anos (e não desejamos que chegue nem perto dos 86 anos).

É inquestionável que o esporte não é uma ciência exata. Há muitas questões sociais e psicológicas que influenciam o resultado. No esporte coletivo, então, os fatores humanos são ainda mais relevantes e podem fazer qualquer método estatístico parecer enganoso. Pior! Nós, brasileiros, não temos a cultura de usar das estatísticas, dos números, da análise racional – e isso vale não apenas para o esporte.

Especialmente no caso do futebol, ainda convivemos (e valorizamos exageradamente) com os “boleiros” tanto dentro quanto fora do campo. Dentre os treinadores, os “professores” da velha geração ainda são tratados como referência, em parte porque conseguem conduzir bem o “vestiário”, criando um ambiente de cordialidade no grupo de jogadores. Enquanto isso, a nova geração de treinadores é constantemente chamada de “estagiários” e ainda precisam provar sua qualidade.

E o Atlético vem nesta montanha-russa desde o ano passado, iniciando as temporadas com treinadores experientes e, no meio do percurso, trocando por um jovem na função. Nestas trocas, é inevitável a comparação entre os trabalhos, quase sempre com base apenas na percepção da qualidade do jogo ou nos resultados dos jogos – reforçando a nossa cultura imediatista que acredita que um ser milagroso inicia em um clube e já consegue resultados na semana seguinte.

Nestas comparações, é muito comum que sejam adotados indicadores como o aproveitamento (percentual de pontos conquistados), gols pró e contra, posse de bola, finalizações, dentre outros números que tradicionalmente são aplicados para avaliação do desempenho do time. O que não é considerado, porém, são as variáveis que influenciam nestes números. Por exemplo, jogar em casa não é igual a jogar fora. Assim como jogar contra a Tombense não é igual a jogar contra o Grêmio. Os adversários e as condições de jogo que o Atlético teve sob o comando de Levir Culpi no Campeonato Mineiro (e até mesmo contra os fracos adversários da Copa Libertadores) são bastante diferentes de enfrentar Flamengo, Palmeiras, Santos, Grêmio ou São Paulo, no Campeonato Brasileiro e na Copa do Brasil.

Tratar todos os adversários como iguais leva a interpretações equivocadas. Ao compreender que os adversários são bastante diferentes quanto à sua força, é razoável adotar de pesos para analisar cada número.

Para um exercício de simulação, adotamos algumas referências simples: jogar fora de casa é mais complicado que jogar em casa. Portanto, o resultado fora tem peso maior que quando tem o mando de campo. E jogar contra os maiores adversários é mais difícil que jogar contra times médios (Goiás, Avaí ou Chapecoense, por exemplo) ou pequenos (Villa Nova, Tupi ou Caldense, por exemplo). O exercício não é exato, não é certeza e não teve a intenção de comparar times, até mesmo porque, no Campeonato Brasileiro, todos jogam contra todos e isso reduz o peso de algumas variáveis – é possível, também, fazer análises mais complexas que envolvam dias da semana, horários ou sequência de jogos. Buscamos, então, uma comparação simples entre o Atlético sob o comando de Levir Culpi e o sob a direção do Rodrigo Santana (até o confronto contra o Goiás). E é aí que os números podem mostrar enganos…

Se considerarmos apenas a conquista de pontos (3 para vitórias, 1 para empates e 0 para derrotas), Levir Culpi tinha aproveitamento próximo de 70% e Rodrigo Santana está próximo dos 55%, diferença próxima a 20%. Porém, se considerar os pesos para o mando e a qualidade dos adversários, o desempenho do time de Rodrigo Santana é 45% superior ao comandado por Levir Culpi.

O técnico Rodrigo Santana durante coletiva

Os números frios levam a uma interpretação que o time de Levir Culpi foi melhor em vários outros indicadores. Mas passam a ter uma avaliação diferente quanto ponderados em relação ao peso do adversário e ao mando de campo e em quase todos se percebe que o desempenho do time de Rodrigo Santana é bastante superior. Quando adotada a ponderação dos indicadores, o time sob direção do atual treinador tem posse de bola 50% superior, as finalizações certas são 20% superiores, os passes certos são 45% melhores, o aproveitamento de passes é 56% melhor e a posse de bola no ataque melhora em incríveis 80%.

Mais importante que qualquer número, é fácil perceber que o desempenho do time em campo mostra clara evolução. Se ainda existe muito a melhorar, já começamos a ver um time organizado, ciente do que fazer em campo e como se comportar frente a cada adversário. É preciso, então, ter bastante cuidado com a leitura dos números para que uma ou outra derrota não representem a ruptura com um trabalho cujos resultados são bastante consistentes. Os números podem mentir, sim, se não forem adequadamente analisados. E podem ser usados tanto para valorizar um trabalho com poucos méritos, quanto para desvalorizar um trabalho de qualidade. E que possamos usar os números promissores para, finalmente, retomar o caminho dos títulos.

 

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