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Quando os Deuses do futebol desceram do Olimpo, vestiram preto e branco e calçaram chuteiras!

Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
21/05/2019 – 12h36

Já ouvi muitas críticas ao futebol, críticas diversas.

“Futebol é coisa de peão”, “futebol é o ópio do povo”, “futebol é um antro de corrupção”, “esses caras ganham milhões, não estão nem aí para o time e o babaca aqui ainda fica sofrendo e torcendo”.

Essas são apenas algumas das muitas frases que já escutei desde que me apaixonei pelo esporte bretão.
Modéstia às favas, sou um privilegiado e tudo começou a ficar mágico em uma tarde de domingo.

Ainda bem menino, mas já suficientemente crescido para discernir bem as coisas, vi que meu tio e padrinho, um saudoso e ferrenho atleticano, estava frente a uma velha televisão, ainda em preto e branco, e com olhos grudados na tela vendo um jogo de futebol.

Procurei ver o que o hipnotizava e um time que me pareceu o Atlético, a quem eu já amava de paixão, jogava contra um time de calções brancos e camisas com listras horizontais pretas e marrom escuro ou algo parecido.

Como eu havia assistido ao vivo um jogo do Atlético no velho Independência no dia anterior, estranhei ver o Galo de novo, ao vivo e no maior templo do futebol.

Não era o Glorioso das Gerais. Era outro Glorioso, o melhor Botafogo da história, contra o Flamengo no Maracanã.

Não só entendi o que se passava no coração e na cabeça do velho Lindolfo, como me deixei embalar maravilhado pelos geniais e irreverentes dribles de um tal Mané Garrincha.

Aquele cara das pernas tortas e camisa preta e branca número 7 era, sem dúvida, de outro planeta.

Compartilhei toda a alegria que o futebol, genialmente moleque de Mané, despertava. Era libertador e revolucionário.

E olha que até mesmo a torcida rubro-negra gargalhava com as jogadas daquele que, não sem propósito, era chamado de alegria do povo.

Ainda não sabia que o veria jogar outras vezes das arquibancadas, um prazer infinito e até hoje vivo e inesquecível.

Alguns meses depois, o Brasil parou para ver o duelo entre aqueles considerados os maiores times do Brasil e do mundo na época: Santos e Botafogo. Ouso dizer que aquelas duas máquinas alvinegras são os melhores times que o esporte bretão produziu em todos os tempos.
E nesse derby, vencido de forma categórica pelo Peixe, fui apresentado ao Rei.

Quem era aquele camisa 10? Um ser de outro planeta? Um super-herói? Um Deus mitológico que calçou chuteiras?

Os deuses do futebol me permitiram também ver mais, muito mais que uma vez, ao vivo e a cores, o maior jogador de todos os tempos.

Nem um acachapante 5 X 1 imposto ao Atlético no Horto pelo Santos de Pelé, em jogo válido pela Taça Brasil de 1963 retirou a minha alegria e impediu o meu deleite com a genialidade do Rei.

Pelé não poupou o time de Dondinho, seu pai, um dos artilheiros dos mais de cem anos de história do Galo mais forte e mais querido do mundo.

Alguns anos depois, surgiu no Atlético o Pérola Negra Laci, um neguinho que fazia colar a bola no corpo, que driblava fácil, que lançava melhor ainda e que tinha uma visão de jogo privilegiada, Dadá que o diga.

Antônimo do talento e da habilidade, o Peito de Aço se moldou uma máquina fenomenal de fazer gols, empurrando para o barbante as bolas milimétrica e genialmente lançadas por Laci.

Mal sabia eu que o Pérola Negra era apenas um aperitivo. Laci era como João Batista, o profeta que veio anunciar a chegada do mestre dos cristãos.

Laci era, na verdade, um mensageiro dos deuses do futebol que veio abrir os caminhos para o maior gênio que vestiu o manto do Glorioso.

Afinal, a Massa, intolerante e impaciente com os craques talentosos e cerebrais, precisava aprender a se comportar como súdita diante daquele que seria o seu Rei.
Num domingo pela manhã tive o insight de que o Salvador alvinegro estava mesmo a caminho.

Campeonato Mineiro de dentes de leite. Os jogos eram transmitidos pela televisão, o Galinho massacrava um adversário cujo nome nunca consegui gravar. Um menino franzino fazia coisas inacreditáveis, chamavam-no Baby Craque.

Aos 16 anos, aquele que até hoje foi o jogador que mais se aproximou de Pelé na história do futebol foi profissionalizado, coroado e se tornou, para todo e sempre, Rei de uma nação.

Não, não era coincidência que Santos, Botafogo e Atlético, três alvinegros, tenham sido os berços dos três maiores gênios do futebol que vi jogar. Preto e branco, tudo e nada ao mesmo tempo, força universal.

Privilegiado, aprendi a amar o futebol e descobri uma paixão e uma razão de ser em uma era de ouro, de gerações privilegiadas, da prática de um futebol lúdico, libertário.

Mané Garrrincha, Pelé e Reinaldo mostraram que era possível subverter a lógica, que o impossível era possível e até simples (para eles é claro) e que sonhar, rir, gargalhar, gozar, são dádivas divinas.

Eles eram mais que profetas, mais que mensageiros da bem aventurança, eles eram as encarnações dos deuses da bola.

Os três “alienígenas” que, por obra divina, se materializaram em preto e branco no país do futebol, tiveram ao seu lado vários grandes coadjuvantes. Bons tempos.

Unidos pela mesma fé, brancos e negros, ateus e crentes, pobres e ricos, patrões e empregados, o analfabeto e o doutor, heterossexuais e homossexuais eram igualmente vassalos, igualmente súditos, incrivelmente iguais na paixão e na devoção.

Os anos se passaram. O Atlético, particularmente, viveu tempos sombrios e viu uma dívida escalafobética crescer e a desorganização imperar. A visita à segunda divisão foi consequência óbvia, doída e merecida.

Sem ver a luz no fim do túnel, sem esperanças e machucada, a Massa buscava sublimar o sofrimento na sua própria paixão.
Os inimigos deitaram e rolaram, a imprensa maltratou.

De repente, quando parecia que o pesadelo não teria mesmo fim, um novo gênio é sacado, não da lâmpada de Aladim, mas de uma nova concessão dos deuses do futebol e passa a habitar a Cidade do Galo.

Afinal, como acreditam muitos aficcionados pelo Galo Forte Vingador das Gerais, Deus não é atleticano?

R10 trouxe a luz, tornou possível o impossível e o Galo tornou-se campeão das Américas.

A alegria voltou, a magia se tornou companheira dos sonhos e ser atleticano pulsou tanto que o mundo se curvou ao “Mineiro”.

Não é por acaso que andando por uma das ruas de Paris usando uma camisa preta e branca do Galo mais famoso e querido do mundo, escutei uma voz juvenil e com sotaque gritar do outro passeio: “GALÔÔÔ”.

Também não é a toa que ao caminhar pela Time Square na velha e emblemática Nova York, a capital do mundo, também usando o manto sagrado, fui parado simplesmente pelo Homem Aranha. Não, ele não queria me salvar de algum vilão e, tampouco, me ofereceu uma foto, como de praxe.

Com forte sotaque hispânico, um colombiano, por baixo daqueles trajes já um tanto surrados do famoso super-herói, queria saber notícias do “Mineiro” e de R10, enfim do time e do astro aos quais ele nunca viu jogar ao vivo, mas que faziam pulsar o seu coração de uma forma ímpar e avassaladora.

Como não me lembrar das lágrimas de uma paraibana de apenas 22 anos que, ao meu lado, nas cadeiras do Horto, viu o seu Galo ao vivo e a cores pela primeira vez em sua vida. Aquela jovem tinha viajado mais de mil quilômetros em um ônibus para realizar o maior sonho de sua vida: ver o Galo de perto.

E como poderia esquecer o que senti ao flagrar a emoção, tão nítida nos olhos sem vida de um velho atleticano, cego devido a uma doença genética que, nas arquibancadas do Almeidão, conseguiu, com a alma e o coração, enxergar e gozar aquele golaço do Cazares.

O equatoriano, dono de uma frieza e de uma categoria que só quem é ungido pelos deuses é capaz de mostrar, enquanto milhões de olhos e corações atleticanos o acompanhavam angustiados esperando o final apoteótico daquele lance, deslizou sobre a grama, como se estivesse em uma pista de patinação artística, passou por um, passou por outro, quase levitando, e marcou o gol do desafogo, o gol da esperança. Um gol tão genial, quanto simples (para ele, é claro).

No Twitter, o atleticano Thiago Teodoro, com extrema felicidade, assim define o camisa 10 alvinegro: “Cazares é o único jogador diferenciado dentro do atual elenco atleticano. Isso é nítído!
Se não abraçarmos o Cazares com os problemas que ele tem, vamos ser onze normais em campo. Onze, não! Alguns pernas de pau, e alguns normais”.

E tal qual uma fênix, o monstro equatoriano ressurge uma vez mais das cinzas e, diante do Urubu carioca, que se não for o mais odiado é seguramente o mais emblemático rival do Atlético, e faz um gol de uma beleza que só artistas como Van Gogh, Miquelangelo, Da Vinci, Vasques e outros gênios conseguiriam pintar.

Deslizando sobre a grama do Horto, quase levitando, frio como gelo, plástico, leve e sublime como Mikhail Baryshnikov, o maior bailarino de todos os tempos, Cazares, abençoado por Garrincha, encantado por Pelé, bafejado por Laci, iluminado por Reinaldo e enfeitiçado por Ronaldinho Gaúcho, fez renascer no atleticano a alegria e o orgulho de ser preto e branco na alma, no coração e na vida.

A imagem do grande goleiro rubro-negro de raízes alvinegras, Diego Alves, e de um zagueiro, caídos, prostrados, humilhados e impotentes, diante do bailado do gênio equatoriano vai ficar retida para sempre em minha mente, nas minhas retinas.

Mais do que nunca tive a certeza de eu sou um privilegiado. Não, não tenho dúvida nenhuma disso.

E sei que também eu não sou o único. Você, atleticano, também sabe. Afinal, você também é privilegiado.

Sobre esse gol mágico de Cazares um velho amigo e atleticano de corpo e alma, Gilberto Almeida, mandou para mim a seguinte pérola:

“Agora eu não me canso de ver o gol do Cazares! Um lance inspirado pelos deuses do futebol. Desde Reinaldo não via um gol mostrando tanto talento, brilhantismo e irreverência que somente um craque sabe fazer!”.

Que os deuses do futebol iluminem seus passos, conduzam suas chuteiras e sua carreira, Juanito Cazares. Você é a bola da vez do talento, da superação, do impossível e a prova de que o sonho está mais vivo do que nunca.
Que o Atlético e os atleticanos entendam isso e saibam abraçá-lo, como o seu extraordinário futebol faz por merecer.

Outros deuses da bola certamente se encarnarão em preto e branco e habitarão a Cidade do Galo, afinal, enquanto existir uma criança atleticana o Galo é imortal. E o atleticano já mostrou que pode vencer o vento.

Ah, enquanto isso os deuses do futebol continuam sinalizando que continuarão enviando seus mensageiros.

Um deles se incorporou em outro gringo. E Chará, tocado pelos anjos, com um chute improvável e uma fé que remove qualquer montanha, fez renascer no velho e repaginado Horto os gols espíritas de Ubaldo Miranda, o Miquica, o mais emblemático artilheiro da história do Galo mais famoso e mais querido do mundo.

É, sou mesmo um privilegiado. Afinal, sou atleticano e vi, mais uma vez, a magia e o dedo divino se materializarem em preto e branco.

Foi no Horto, contra o Urubu e contra tudo o que isso significa.

 

Revisado por: Jéssica Alves (@jeatleticana)