Porque aqui é Galo!
Por Professor Denilson Rocha
O retorno do Galo ao Mineirão colocou gasolina na fogueira dos debates entre os que defendem o Gigante da Pampulha e os que preferem o Caldeirão do Horto. Os últimos anos foram marcados por discussões que usavam de diversos argumentos para defender cada uma das arenas. Tinha de tudo; o caldeirão, os títulos (e o túmulo), os custos, o tamanho da torcida, a proximidade do campo… Argumentos não faltam e todos podem ser vistos como corretos. Entretanto, depois do jogo da quarta-de-final do Mineiro, uma nova abordagem ganhou força nas redes sociais: viver o dia do Galo.
Para explicar melhor, é preciso buscar referências de como o jogo e os clubes envolvidos são vividos de formas diferentes em cada lugar.
As descrições generalizam e obviamente sempre há alguma exceção. O que importa é estimular a pensar em que situação cada um de nós se enquadra.
O norte-americano vai ao estádio, arena ou ginásio pelo evento. Não importa se é basquete, beisebol, futebol americano ou, agora mais frequentemente, o “soccer”. O que importa é o “machday”, o entretenimento. Ele chega cedo, faz churrasco, compra cachorro-quente, toma muita cerveja, encontra (e faz novos) amigos, vive o dia intensamente. O jogo em si é apenas uma parte desse dia especial, o resultado é irrelevante.
Tanto o clube quanto o jogo são elementos que o estimulam a viver um dia especial, fazendo coisas de que gosta, ao lado de pessoas que compartilham o momento. É hora de esquecer os problemas da vida, as dificuldades e as angústias. É para relaxar e curtir a vida.
Já o europeu vai ao estádio, arena ou ginásio pelo jogo. Em alguns casos, permanecem os torcedores fanáticos, que fazem as belas festas. Em outros, o evento virou entretenimento repleto de turistas que vão ao jogo como vão ao teatro ou ao concerto. De qualquer forma, são torcedores que curtem o jogo, a disputa, os 90 minutos da bola rolando. Existe a comida, a bebida, as quinquilharias, os amigos… Mas a peça central é o jogo. O jogo em si. O resultado pouco importa. Com a enorme concentração de forças e poucos clubes gigantes que dominam os diversos campeonatos nacionais – como na Itália, Alemanha, França ou Espanha –, é comum ir ao estádio sabendo que seu time muito provavelmente vai perder e que não será campeão. Torcer para o Augsburg, para o Sassuolo, para o Caen ou para o Almeria não é feito pelos títulos ou pelas vitórias. É por viver 90 minutos especiais ao lado do clube e de pessoas que se identificam com uma região, com uma história e com valores.
Os latino-americanos são loucos por seus clubes. É uma relação intensa, apaixonada, passional que em vários momentos ultrapassa os limites da civilidade e chega à violência. O clube da identidade, da noção de grupo, de família, de nação. Nesse meio, somos mais fortes e os problemas da vida são enfrentados e superados porque temos um sentimento que nos une. Por nosso clube vale tudo: promessas, sacrifícios, esforço sobre-humano. A derrota nos atinge a alma e a vitória nos alegra a vida – especialmente se for sobre aquele adversário histórico. O momento do jogo é para extravasar, deixar viver os sentimentos mais primários, clube e torcedor são apenas um.
O brasileiro típico tem uma relação diferente com o jogo. Se orgulha em dizer que pertence ao país do futebol, que este é o esporte nacional. No entanto, basta uma derrota para que muitos desapareçam dos estádios. Parcela dos torcedores nacionais torce pela vitória. Se o time está ganhando o chama de “meu time”, se está perdendo diz: “eu não ligo para futebol”.
Ele se envolve com o futebol para “enfileirar taças” e muitas vezes sequer conhece a sala de troféus do clube e o que representa cada item naquela coleção. Poucas torcidas no Brasil fogem a esta realidade.
E onde o Galo aparece nessa história?
Ganhar é bom? Claro que é! Campeonato Mineiro, Campeão dos Campeões, Brasileirão, Conmebol, Copa do Brasil, Libertadores… Os títulos sempre estiveram presentes na história centenária do Galo. E em todos eles a trajetória que levou à conquista sempre foi mais importante que o resultado em si. Ganhar a Libertadores foi ótimo, ainda melhor da forma como foi. Ganhar a Copa do Brasil foi épico e nos lembramos mais das viradas histórias que de uma final com dois jogos mornos, sem um adversário à altura.
E quantos times e ídolos temos que não precisaram de taças para serem gigantes? Os vice-campeonatos de 1977 (invicto!) ou de 1980 estão na memória de muitos atleticanos que viveram aquele momento. Luisinho, Paulo Isidoro, Éder, Reinaldo e muitos outros ídolos honraram o manto alvinegro e isso é suficiente para serem gigantes.
Os últimos jogos no Mineirão resgataram o sentimento de viver o Atlético, trouxeram um sentimento único de estar em um espetáculo apenas porque o Galo existe. Não temos um elenco espetacular, o time não joga o fino da bola, ainda falta aquela conexão entre jogadores, comissão técnica e torcida, mas ir ao Mineirão encontrar (e fazer novos) amigos, cantar, xingar, sentir cada momento antes, durante e depois do jogo faz com que o resultado não importe.
Não importa o jogo bonito.
Não importa (a falta) do craque em campo.
Apenas uma coisa importa: o Clube Atlético Mineiro, porque nós não precisamos de qualquer outro motivo. O “atleticanismo” está vivo e cada vez mais forte, uma nova geração começa a ser formada entendendo que ver o Galo em campo é uma honra, um privilégio que só quem o tem na alma pode entender.
Porque o Galo existe. Isso nos basta!