Por Professor Denilson Rocha
Dando continuidade ao debate proposto anteriormente, vamos abordar novamente os programas de “sócio-torcedor” no Brasil, especialmente o Galo na Veia. Com estes textos (e outros que virão), ficará claro que é um assunto polêmico, repleto de controvérsias, percepções diferentes e, por consequência, propostas também muito diferentes. Será possível compreender que no Fala Galo, inclusive, existem opiniões distintas e o debate de ideias, com argumentos e proposições, o que nos leva a um desenvolvimento. Não há conclusões, talvez existam algumas certezas e certamente há muitas dúvidas. Dentre as certezas, o debate e as propostas tem o único interesse de promover o engrandecimento do Clube Atlético Mineiro.
Para início da prosa, temos que entender que sócio e torcedor são coisas bastante distintas. Sócio é quem faz parte de uma sociedade (empresarial ou não). Nestas condições, poucos clubes no Brasil podem dizer que o programa oferecido é de sócios” pois não há qualquer participação na sociedade, nas decisões ou na rotina do clube. Falando do GNV não temos qualquer acesso ao que ocorre no Galo. Já o torcedor (termo exclusivamente brasileiro) é quem leva seu apoio (e, o que tem sido comum, suas vaias) ao time no estádio. Ou seja, vivemos – e continuaremos a viver – como torcedores nas gerais, arquibancadas e novas arenas mesmo sem sermos sócios. Assim como temos “sócios” que pouco dão as caras para torcer pelo time.
Se compararmos com os programas de clubes europeus ou americanos, os clubes brasileiros criaram uma nova jabuticaba. O modelo de “sócio-torcedor” não permite a participação na vida do clube, portanto, não é sócio e também não é o “season ticket” ou “carnê” que oferece os ingressos para a temporada. O sistema brasileiro tem poucos casos de sócio com direito ao voto (ou à candidatura aos conselhos), também poucos (caros) ingressos para temporada e, o mais comum, priorização de compra e “descontos” na aquisição dos ingressos. Não por acaso, os descontos e a priorização na compra de ingressos são exatamente os atributos citados como mais relevantes, conforme pesquisa da revista Época.
Em uma frase bastante conhecida, H. Ford disse: “se eu perguntasse aos meus clientes o que eles desejavam, eles diriam: cavalos mais velozes”. Muitas vezes mal interpretada, a citação não reduz a importância de buscar as informações do desejo do cliente. Ford simplesmente aponta que o cliente vai responder conforme a sua compreensão, ou seja, se ele não conhece algo diferente, vai responder conforme o que conhece. Se o “sócio-torcedor” brasileiro conhece programas de priorização e descontos para compra de ingressos, é natural que julgue isso o mais importante. Mas realmente é?
Para o gestor da área é o típico exemplo de um clássico texto da Administração, chamado “Miopia em marketing”. Assim como Ford compreendeu que seu cliente buscava um transporte mais rápido, não um cavalo mais rápido, o gestor de futebol precisa entender que o torcedor quer estar presente no cotidiano do clube, não só com o acesso às arenas e arquibancadas.
Antes de mais nada é preciso conhecer quem é esse torcedor. Nome, endereço, telefone, idade, estado civil, filhos, escolaridade, gênero, renda, perfil de consumo, hábitos…. É preciso entender com quem se relaciona. Um torcedor próximo aos 50 anos, que cresceu no antigo Mineirão, morador de Belo Horizonte, é bastante diferente de um jovem, morador do interior de Minas, que teve poucas oportunidades de ir ao Independência. É preciso identificar os diversos perfis de torcedores – o nome bonito é “persona” –, saber o que cada um busca ou deseja e elaborar um plano de relacionamento para cada um deles.
Conhecendo seus “torcedores”, é preciso buscar fornecedores de benefícios adequados a cada perfil. Parceiros que estejam dispostos a oferecer produtos ou serviços adequados a cada categoria de torcedor. Nesse ponto é importante considerar que o GNV apresenta um portal com muitos e diferenciados parceiros. Entretanto, os tais “descontos em produtos selecionados” são, na prática, uma bela enganação porque os tais produtos nunca são o que procuramos. É necessário que se tenha parceiros de verdade, que ofereçam benefícios de verdade. E a priorização ou compra do ingresso são apenas alguns dos benefícios oferecidos.
A partir daí, como um aplicativo de namoro, é preciso dar o “match” e promover o contato entre fornecedor do benefício e o torcedor. É preciso assumir uma postura de venda ativa, oferecendo os produtos e serviços a cada torcedor, estimular a compra e, principalmente, fidelizar. Quanto mais usa, mais vantagens. Quer prioridade na compra do ingresso para um jogo importante, em um setor específico do estádio? Compareça aos jogos com mais frequência, compre produtos oficiais, consuma produtos ou serviços dos parceiros, viva o dia-a-dia do clube.
Resumir o programa sócio-torcedor à compra de ingressos para os jogos é colocar-se refém. Se o torcedor considera que este é o único benefício, só vai manter a adesão ao programa se o valor foi inferior ao da compra de cada ingresso pontualmente. O valor dos ingressos fica, obrigatoriamente, limitado a um valor superior ao que seria aplicado para os sócios. Então, deve ser apenas mais um benefício, não o principal dele. O papel do sócio-torcedor é fazer o “match” apaixonado entre o clube e a torcida. Não importa se tem jogo ou não, o importante é alimentar o relacionamento diariamente, criar experiências, viver o dia-a-dia do Galo, ser parte da Massa.
Quanto vale ver seu filho entrando em campo ao lado do ídolo? Quanto vale ir com a sua família fazer um tour no melhor centro de treinamentos do Brasil? Quanto vale ouvir a charanga e ver o Galo Doido no aniversário, no casamento ou até no velório? Quanto vale se o capitão do time te ligar no dia do seu aniversário para te parabenizar? Quanto vale receber a nova camisa personalizada ou um brinde exclusivo?
Por fim, o lado sócio. O Clube Atlético Mineiro é uma organização de interesse público. Mais que isso, nasceu e se mantem com a alcunha de O Clube do Povo – nem é preciso colocar faixas para ser reconhecido assim. Logo, passou do momento de o Galo abrir os braços e as portas para receber seu povo, a Massa. Passou da hora de mudar o estatuto e oferecer a possibilidade de o sócio votar e ser votado para compor o conselho deliberativo. Passou da hora de deixar de ser controlado por poucas famílias, beneméritos, grandes beneméritos e chapas bastante restritivas e ser, de verdade, da Massa. Para isso, é preciso valorizar o sócio fiel, adimplente e frequente nos jogos. Ou seja, mínimo de 2 anos como sócio com todas as parcelas pagas em dia, e estar presente em, no mínimo, 70% dos jogos realizados em Belo Horizonte. Será que os atuais conselheiros cumpririam tais requisitos? Será que frequentam as arquibancadas e, efetivamente, representam a Massa?
O debate sobre o sócio-torcedor é complexo e ainda merece várias outras análises, perspectivas e propostas, aqui temos algumas sugestões. Há muitas outras, inclusive melhores que as já apresentadas por aqui.
Ao fim de tudo só há uma certeza: do jeito que está não pode continuar.