Para não dizer que não falei de números!

“Devemos ter o cuidado de separar números das ideias que são representadas por eles, pois assim eles perdem toda sua virtude e são como a sintaxe de uma linguagem, cujas palavras nos são desconhecidas!” (Os Números)

A polêmica da vez, na verdade, é bem antiga: Mineirão ou Independência? E nesta discussão, veremos defesas e argumentos dos mais variados, assim como críticas contundentes de ambos os lados. E qual a conclusão única a que posso chegar? A de que somos muito maiores do que qualquer estádio poderia caber.

Ao que tudo indica, estamos passando por um processo de seletividade de nosso torcedor. Logo nós, que sempre trouxemos a popularidade e a pluralidade como marca incontestes de nossa torcida, vemos agora, mais que em outras épocas, uma tentativa de elitização de nossos torcedores. Dito isso, defendido e alardeado por um dos mais ilustres representantes do clube, o atual prefeito de Belo Horizonte, que afirmou recentemente: “…ir ao estádio é coisa de rico. Pobre assiste é pela TV”. Me lembrei, na hora em que ouvi esta entrevista, de um canto que entoamos frequentemente quando jogamos no Mineirão: “time de preto, de favelado, mas quando joga o Mineirão fica lotado…”
Não deveria haver esta discussão, esta dicotomia entre nós, torcedores. Eu vou aonde o Galo jogar. Fui até à Arena do Jacaré, por qual motivo não iria ao Independência ou ao Mineirão? Qual deles é a nossa casa? Os dois! Nos damos bem em ambos. Bobagem dizer que só fomos campeões da Libertadores porque jogamos a maior parte dos jogos no Independência. Ou vão querer me convencer de que os pênaltis perdidos pelos adversários antes da final foram mais importantes do que os perdidos na própria final? A verdade é que tínhamos um time fantástico e ganharíamos jogando no Horto, no Mineirão ou até no Maracanã, mesmo longe de nossa torcida.

É fato que, com os custos para se manter um bom time, os preços dos ingressos tendem a ser mais elevados. Mas no caso dos jogos da Libertadores de 2019, os preços que estão sendo praticados hoje se equiparam aos preços praticados uma década atrás, se corrigidos os valores pelo IGPM (índice inferior ao do aumento do salário mínimo). Mas não estou aqui para defender que os preços cobrados nas bilheterias são justos ou mesmo considerados populares, ainda mais em um país desigual como o nosso. Somente estou demonstrando que os preços praticados uma década atrás, já eram assim, e nem por isso tínhamos um público pequeno. E para refrescar a memória de todos, lembro aqui alguns públicos em jogos de estreia de Libertadores:

Ano Jogo Público % Ocupação

2000 Atlético 1 x 0 Bolívar 20.869 16,0 *
2013 Atlético 2 x 1 São Paulo 18.187 79,1
2014 Atlético 2 x 1 Santa Fé 14.699 63,9
2015 Atlético 0 x 1 Atlas 16.331 71,0
2016 Atlético 1 x 0 Del Vale 20.851 90,7
2017 Atlético 5 x 2 Sport Boys 18.402 80,0

● Jogo disputado no Antigo Mineirão com capacidade para 130 mil pessoas

É sempre prudente relativizar as coisas, para não correr o risco de inserir mais um viés a tantos outros que já incluímos, quando nos propomos a analisar números e performances de quaisquer naturezas.

Em 37 anos, que foram possíveis se fazer apuração de dados referentes a público no Mineirão, o Galo obteve um público médio de 25.856 torcedores presentes no estádio a cada jogo. Pois bem! Dizem que a capacidade do antigo Mineirão era de 130 mil torcedores – mas basta ter ido a qualquer jogo com público acima de 80 mil para saber que era um inferno e que muita gente não conseguia assistir aos jogos. Enfim, considerando esta capacidade total, vemos que nosso percentual de ocupação durante todos estes anos, não chegou aos 20% (19,9% para ser mais exato). Este percentual engloba todos os jogos, incluindo os do Campeonato Mineiro e outros torneios que, por ventura, tenham sido disputados no Mineirão.

Em contrapartida, levando-se em consideração apenas os jogos em que o Galo foi mandante nos Campeonatos Brasileiros, o Galo foi campeão de média de público por 09 (nove) vezes entre o período de 1971 a 2009 e nos tornamos o segundo clube a ter maior média de público no Brasileirão, ficando atrás apenas do Flamengo (11 vezes), mas acima do Corinthians (5 vezes) e todos os demais. E o Galo só perdeu o primeiro lugar em média de público de 2009 para o Flamengo, na última rodada, ficando assim com o segundo lugar em média de público naquele ano.

Ano Público

Médio Capacidade máxima Taxa ocup. Mineirão % Ranking Brasil

1977 55.664 130 mil 42,8 1°
1990 26.748 130 mil 20,6 1°
1991 26.763 130 mil 20,6 1°
1994 22.763 130 mil 17,51 1°
1995 21.072 130 mil 16,2 1°
1996 25.449 130 mil 19,6 1°
1997 23.342 130 mil 17,9 1°
1999 42.322 130 mil 32,5 1°
2001 30.679 130 mil 23,6 1°
2009 32.602 130 mil 25,1 2°

Agora vejamos! Somente no período em que tivemos aquele time mágico com Ronaldinho, Tardelli, Jô e Bernard, o Galo manteve média de público como mandante de 49.000 torcedores no Mineirão, nos 9 jogos que disputou entre 2013 a 2015. Lembrando que, a partir da reforma do Mineirão, sua capacidade máxima caiu para 62.000 pessoas.

Jogo Público Capacidade máxima Taxa ocup. novo Mineirão %

Atlético x São Paulo 47.606 62 mil 76,8%
Atlético x Sport 50.684 62 mil 82,2
Atlético x Joinville 55.987 62 mil 90
Atlético x Flamengo 41.352 62 mil 66,7
Atlético x Corinthians 32.640 62 mil 52,6
Atlético x Caldense 53.772 62 mil 86,7
Atlético x Olimpia 56.557 62 mil 91,2
Atlético x Lanús 54.786 62 mil 88,4
Atlético x Villa Nova 47.625 62 mil 76,8

MÉDIA DE PÚBLICO NESTE PERÍODO: 49.001 = 79%

Para não dizer que esta análise está sendo feita apenas em cima dos números do Mineirão, vou apresentar também alguns números do Independência, tentando buscar sempre relativizar as coisas. Capacidade máxima do Independência é de 23.000 pessoas.

Ano Público médio Classif. Média BR Taxa ocup. novo Indepa % Maior público Taxa ocup. novo Indepa %

2012 18.274 7° 79,4 21.232
Galo x CEC 96,7
2013 16.399 7° 71 22.315
Galo x Vitoria 97
2014 14.132 10° 61,4 22.342
Galo x CEC 97,1
2015 15.422 9º 67,1 21.798
Galo 0x3 Corinthians 94,8
2016 13.568 10º 58,9 20.891
Galo 2×1 Coritiba 90,8
2017 11.373 14º 49,4 19.553
Galo 2×2 Ponte Preta 85,0
2018 17.177 9º 74% 22.654 (Recorde)
Galo 5×2 Sport 98,5

Como ficou claro e inequívoco com os dados apresentados nesta tabela, o Galo no Independência consegue em todos os anos, à exceção de 2017, manter uma taxa de ocupação acima de 60% nas médias de jogos que faz como mandante e esta taxa de ocupação tem correlação com os resultados em campo. Acontece que, para efeitos de comparação, o máximo que se conseguiu chegar em termos de ranking nacional, foi o sétimo lugar. Em 2017, nosso pior ano em termos de público e taxa de ocupação, ficamos em décimo quarto lugar. E é óbvio que tudo isto interfere na captação de recursos, cotas de TV e planejamento da temporada seguinte. Isto também sem levar em consideração os aspectos econômicos e financeiros da população e do país de forma geral. Assim como existe um ciclo virtuoso em empresas ou organizações que se estruturam para crescer, existe também um ciclo vicioso, que deve ser combatido e corrigido o mais rápido possível, para evitar que ele se instale e se torne algo sem chances de ser extirpado. Acostumar-se com público de 20 mil pessoas é um risco que pode inviabilizar até mesmo a construção de um estádio próprio.

Deixemos, portanto, as místicas e os mantras que foram criados em 2013 ou 2014 de lado. Vamos lembrar que apesar de tudo o que vivemos neste período, os mantras provavelmente seriam os mesmos caso jogássemos no Mineirão ou em qualquer outro local. O que os criou não foi um lugar, não foi uma região. Foi um momento, uma atmosfera, uma união e, principalmente, o time que tínhamos. Quem tinha um Bruxo em campo acreditaria em qualquer mandinga ou mágica que nos tivesse sido apresentada.

De verdade, o que temos percebido pelo menos nos comentários e discussão das redes sociais sobre as escolhas da diretoria em mandar os jogos do CAM num estádio ou outro, são conversas de quem apenas torce pelo clube (alguns parecem até torcer contra o clube), mas nunca de um administrador, de um gerente de futebol. As escolhas, por mais que envolvam o lado passional de torcedor, são baseadas em análises e premissas que podem mudar ao sabor do vento ou do tipo de avaliação que preferimos defender. Mas não é bem assim.

Escolhas anteriores, decididas há tempos, podem ter sido malfeitas ou mal planejadas. Podem ter sido feitas até mesmo para beneficiar alguém, ou um grupo, ou ainda uma ideia. Elas podem não mais resistir a uma análise um pouco mais técnica e completa, com indicadores de uso e recursos disponibilizados. Podem até mesmo ser inviáveis, com o passar dos anos e, por isso, necessário se faz seu remodelamento, sua revisão de conceitos.

Mas podemos estar diante também de uma visão de futuro. Um planejamento de crescimento, uma escolha que possa sustentar a evolução de uma ideia, de um projeto, de um salto ambicioso que requer um experimento de custo reduzido ou controlado. E neste particular, a escolha de mandar alguns jogos no Mineirão me parece ser muito acertada e positiva. Por isso resolvi traduzir em alguns números. Poderia também, usar outros números para fazer outro tipo de contraponto, como por exemplo, receita líquida, ticket médio e faturamento final. Mas haveria de considerar um aspecto muito importante, que é o de financiamento de ingressos para a garantia de se atingir pelo menos um público médio razoável, tipo de recurso utilizado por todos os clubes brasileiros, sem exceção. Então, resolvi traduzir apenas em pessoas, para não incorrer em algum erro de análise de custos. De qualquer forma, há uma regra básica na matemática e nos números que nos indica que quanto maior for a ocupação de alguma coisa, menor tende a ser seu custo fixo. Desta forma, os custos para de uso do Mineirão, para um público de 40 ou 60 mil pessoas, devem ser os mesmos. Mas o custo de uso para um público de 20 mil, tende a ser maior, proporcionalmente falando.

No jogo Atlético 0 x 1 Cerro Portenho, no dia 06/03/2019, estreia na fase de Grupos da Libertadores de 2019, levamos ao Mineirão, 38.736 pessoas, que foram responsáveis por construir uma renda de R$1.738.540,00. Somados os dois primeiros jogos nas fases que antecederam a fase de grupos, tivemos mais que a soma dos dois jogos, com um público menor que os dois juntos: Atlético 0 x 0 Defensor-URU – Público: 22.210 – Renda: R$ 884.207,00 – Atlético 3 x 2 Danubio-URU – Público: 22.205 – Renda: R$ 772.179,00. A renda somada destes dois jogos foi de R$1.656.386,00, para um público total destas duas partidas de 44.410 torcedores. Ou seja, com 5.674 pessoas a menos que nestes dois jogos, conseguimos uma receita de R$82.154,00 a mais. Vale ressaltar que os valores cobrados pelos ingressos foram os mesmos nos três jogos.

Analisando o borderô desta partida, podemos ainda perceber que mesmo tendo obtido uma diferenciação em termos de cobrança da taxa de administração por parte da administradora (que fixou em R$257.000,00 o valor a ser cobrado), ainda houve algumas benesses promovidas pela Minas Arena para o CAM. Algo como um “mimo”, mas que não deveria ser considerado uma coisa que será rotineira. O CAM comprou um camarote da Minas Arena e eles ainda cederam outros ao Galo. Quando se observa o número relativamente alto de pessoas que entraram sem pagar (em torno de 6 mil), pode-se levantar algumas questões como esta dos camarotes cedidos.

Entretanto, mesmo com tudo isso, é certo afirmar então que os custos operacionais envolvidos no Mineirão são completamente diferentes dos custos envolvidos no Independência. Isso é tão óbvio como manter um apartamento de quatro quartos ou um de um quarto. Obviamente as questões relativas à segurança e conforto também são proporcionais e nesta mesma dimensão.

Mais uma vez, podemos e devemos levar este tipo de análise para a outra opção, que seria o Independência. As características do Independência são bem diferentes das características do Mineirão. O isolamento de áreas no Independência, levando-se em consideração apenas os jogos do Atlético, inviabiliza o fechamento de certas áreas que poderiam significar na redução mais substancial dos custos operacionais. Assim sendo, apenas quando se trata de uma projeção de público abaixo de 8 mil torcedores se percebe o fechamento de algumas áreas e a redução de efetivo de pessoal de controle e administração. É uma economia, mas não sei dizer se ela representa o mesmo que uma economia nos mesmos moldes feita no Mineirão.

Mas afinal, qual seria uma conclusão aceitável para a escolha entre Mineirão ou Independência, apenas do ponto de vista de público e taxa de ocupação, já que nos abstemos de avaliar o lucro ou as receitas oriundas desta escolha?
Mais uma vez iremos para o lado passional e humano. O lado que não se pode restringir apenas ao lucro ou a necessidade de ganhos extras. O lado de despertar o orgulho e a vontade de participar. O lado que nos une e não o lado que nos divide. Não devemos, por mais aconchegante que as proximidades do Horto nos possam parecer ou inspirar, fazer este tipo de escolha ou raciocínio, pensando só nisso, pois o Mineirão nos une mais. Lá estamos mais reunidos em menos lugares. Nos encontramos com mais facilidade. E dentro do estádio, aí sim, somos outra nação. Respiramos diferente, cantamos diferente e agimos diferente. Quase não há divisões nas arquibancadas. Os anéis são prova disto. Não há começo, meio ou fim.

O Horto foi necessário e importante, mas não tão importante como alguns insistem em dizer. Ele continuará sendo importante para jogos em que, sabidamente, não teremos público o suficiente para cobrir uma capacidade razoável de ocupação no Mineirão. Mas não devemos mais restringir aos 22 mil e poucos torcedores a alegria e satisfação de estar perto de seu clube do coração. Se tivermos 30 mil de público no Mineirão, todos devemos pensar que já serão pelo menos mais 8 mil que tiveram a oportunidade de estar próximo de seu time, ajudando e empurrando para mais um bom resultado. E não há como negar: O Mineirão pulsa quando o Galo joga lá! Duvida? Desafio a permanecerem sentados, sem se mexer (se conseguirem), para sentir a pulsação do Gigante. Ele sacode como nosso peito respirando. Nos leva em um delicioso balanço de suas estruturas de concreto. Sentimos como se o Gigante quisesse sair do lugar e nos abraçar, como a um ente querido que sentia nossa falta por tanto tempo que ficamos longe.

Mas se é para falar de números, vamos encerrar este texto com os seguintes números, não menos importantes que os demais: No dia 06/03/2019, completaram 1,58 anos, ou 19,3 meses, ou 579 dias, ou 13.896 horas, ou ainda 833.760 minutos ou ainda 50.025.600 segundos para que pudéssemos nos reencontrar com este nosso querido Gigante da Pampulha. Depende apenas do seu grau de ansiedade para a escolha de algum destes números.