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O desafio do gigante é continuar sendo gigante

 

 

Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
16/09/2019 – 04h

A massa tem um papel fundamental na construção de um Atlético campeão e vencedor.

Sem nenhuma apologia à violência, defendo que cobrar, criticar, protestar, reivindicar, se manifestar são, além de um direito inalienável de cada um de nós, um salutar exercício de cidadania e, por excelência, um exercício político fundamental.

Ou seja, quem cobra, protesta, crítica, reivindica, se manifesta, está fazendo política e o homem é um animal político por excelência.

A política é também a arma ideal por natureza para a resolução de conflitos, divergências e diferenças. Politica vêm do grego “polis” que significa povo e, portanto, comporta todas as contradições e diferenças inerentes a este.

E no futebol não é e nem poderia ser diferente.

Por isso, sou um eterno e contumaz defensor de que as torcidas participem intensa e diligentemente da vida política e até mesmo da formulação das estratégias dos clubes. E, óbvio, com filtros e regras claras e transparentes de participação e governança.

Não se costuma dizer que as torcidas são a razão de ser dos clubes?

Ao mesmo tempo em que dizem que o torcedor é o verdadeiro “dono” do clube, aquele que dá identidade e força à agremiação que ama e venera, muitos, de forma incongruente e paradoxal, intencionalmente ou não, vêem com reservas o que chamam de “intromissão” do torcedor na vida intestina e nos meandros políticos do clube de coração.

A verdade é que, a par de algumas evoluções já registradas, a maioria dos clubes brasileiros ainda é constituída de verdadeiros feudos, comandados por grupos, cujos interesses, quase sempre nada nobres, geralmente se sobrepõem aos de suas agremiações.

O Atlético é hoje o clube brasileiro mais fechado da atualidade.

O Conselho Deliberativo atleticano, um órgão eminentemente político e marcado por diferenças e animosidades históricas, é fechado como uma ostra.

Ou seja, os conflitos internos, as diferenças e as animosidades, sempre presentes e que, dependendo do momento e dos interesses em disputa, ora sopitam, oram hibernam, não são suficientes para romper a bolha, a ponto de permitir que o clube se modernize, se profissionalize de vez, se democratize e reflita de uma vez por todas o seu gigantismo natural.

Muitos dos conflitos internos são fruto de interesses difusos, de um guerra de vaidades e/ou da disputa por um protagonismo juvenil ou megalomaníaco na história e na construção dos destinos do clube.

Portanto, a nenhum segmento político ou administrativo do clube interessa falar em democracia. O Atlético de hoje e transparência não combinam.

Por isso, falar em abrir a política e os fóruns decisórios do clube aos seus aficionados, “in casu” ao sócio torcedor que contribui e ajuda financeiramente a sustentar a máquina atleticana, é uma heresia. É um crime de lesa pátria.

Condenado simplesmente a bater palmas ou a xingar, a gargalhar ou a chorar, o torcedor atleticano também foi condicionado ou se permitiu condicionar, ao longo dos anos, a dirigir a toda sua fúria e a despejar todas as suas eventuais frustrações para cima dos jogadores, ou seja, exatamente em cima de quem, efetivamente, não tem força e nenhum poder para mudar o que, de fato, precisa ser mudado no clube.

O jogador, quando muito, pode mudar o resultado de um jogo, seja para pior, seja para melhor.

Gênios como Reinaldo e R10, artilheiros iluminados como Dario Peito de Aço, o Dadá Maravilha, e outro tanto de grandes jogadores que vestiram o manto sagrado ao longo dos tempos nada podiam ou puderam fazer fora das quatro linhas.

Com R10 o Atlético deu o maior salto de sua história. Ronaldinho trouxe ao Atlético ônus e bônus. Se R10 fez o Atlético subir de patamar, manter-se lá tornou-se um desafio maior ainda. E o Atlético não se deu conta disso e voltou à mesmice de antes.

Por tudo isso, mais que cobrar, protestar e vaiar o time, o Atlético espera de seu torcedor atitude. E é disso que tratarei nesse ensaio.

No futebol é preciso, quase sempre, vencer as disputas de bastidores para se sair vencedor no tapete verde.

E nessa área o Atlético sempre cometeu erros históricos, crassos e fatais.

É verdade que, em última análise, a responsabilidade por essa atual gestão, claramente controversa, e pelos recorrentes desacertos que vem ocorrendo nos bastidores do clube, com claros e nocivos reflexos dentro de campo, é de Sette Câmara.

Porém, responsabilizar tão somente o presidente sem considerar a história de dívidas e de desastres administrativos do clube, sem pontuar o caquético fim de mandato de Nepomuceno e sem considerar o significado da era Alexandre Kalil com todas as suas implicações positivas e negativas, é injusto, leviano e irresponsável.

Também seria injusto não reconhecer que o presidente mostra sinais nessa temporada de que busca dar um colorido diferente à sua gestão com a contratação de alguns profissionais, o que, se vier acompanhado de uma mudança de concepções, poderá ser muito bom para o clube.

E é aqui que residem as minhas dúvidas. Estará mesmo havendo uma mudança de concepções quanto à gestão e o trato das coisas do clube?

Vendo que a conta do Atlético não fecharia Sette Câmara tem buscado obstinadamente reduzir os gastos atleticanos. A tal austeridade tão criticada pela torcida. Reduzir a folha de pagamentos tornou-se questão de honra.

2018, o primeiro ano do mandato de Sette Câmara, foi de aprendizado para ele e desastroso para o Atlético. E em 2019 o presidente atleticano parece mais comedido e tem revisto algumas concepções.

Mas muitas dúvidas remanescem e muitas coisas ainda precisam ser mudadas.

Algo bastante criticável é que a palavra receita não aparece nos discursos do presidente com o mesmo grau de relevância que o corte de despesas.

E não é preciso explicar porque o clube tem uma dificuldade histórica de fazer bons contratos e boas parcerias.

Quem se arriscaria a associar a sua marca a um clube esquizofrênico, cujos dirigentes por vezes tomam decisões ao sabor do que se fala deles nas redes sociais e na grande imprensa?

E quem se disporia a investir em um clube no qual o risco de perda de valor de mercado de um atleta é muito alto, em face da cobrança belicosa e irracional de sua torcida e da incúria histórica de seu comando no trato do atleta homem?

Ano passado, durante uma negociação frustrada, dirigentes argentinos chegaram a dizer que o Atlético não era um clube sério.

O Atlético precisa cuidar da sua imagem sob o risco de não fazer mais bons contratos de patrocínio e bons negócios, seja vendendo, seja contratando jogadores.

 

E o Atlético só arrostará seus desafios com sucesso e se estabelecerá definitiva e perenemente na prateleira de cima do futebol mundial se, e somente se, passar por uma profunda reformulação e uma radical mudança de conceitos quanto à sua gestão.

Uma transformação que necessariamente deverá buscar uma nova filosofia quanto à gestão da entidade, ao trato transparente de suas ações, negócios e contas e ao cuidado com a sua marca.

Para se construir esse Atlético do mundo é preciso romper definitivamente com essa nefasta tradição da descontinuidade.

Governança, compliance (auditoria), valorização da marca, transparência, comunicação e marketing, planejamento e profissionalismo deverão ser os pilares do novo Atlético.

A renovação, modernização e profissionalização de qualquer clube passa, de forma imprescindível, por mudanças em seu Estatuto. E essa é uma bandeira legítima que deve ser defendida por todo e qualquer atleticano em todos os fóruns a que tiver acesso.

O estatuto de um clube é a sua espinha dorsal, vez que define o conjunto de normas que norteiam a gestão, o Conselho Deliberativo e os demais órgãos que o próprio “mandamus” estatutário por ventura prescrever.

Você sabia que um estatuto moderno e democrático lhe permitiria, por exemplo, na qualidade de sócio torcedor, e por meio dos fóruns próprios, reformar ele próprio? E mais, sabia, também, que, por hipótese, todos (as) os (as) sócios (as) poderiam propor emendas ao Estatuto, também na forma e modo nele estatuídas?

E aí? O que você gostaria de mudar? O organograma e a estrutura do clube? As regras para a eleição do conselhos? As regras de gestão do clube? Os direitos e deveres dos(as) associados(as)? A forma como o futebol e a base devam ser geridos? O trato das contas do clube? Outras mudanças?

Mas nada disso será possível se o atleticano não se mobilizar. Nada disso será factível se o atleticano não compreender o seu papel nesse processo. Nada acontecerá se o atleticano não assumir o seu lugar de agente dessa história de resgate e de renovação desse Atlético tão amado. Enfim, nada será possível se não for construído com a sua participação.

Mas, atenção: O Atlético e nenhum outro clube de futebol é apenas uma empresa como outra qualquer, que precisa, para crescer e ter sucesso, buscar tão somente a excelência administrativa.

 

O Atlético é mais que isso. É, além de entidade, uma identidade a ser construída, cuidada e preservada. É uma entidade simbiótica, que traz em seu DNA a alma, o sangue e a paixão de sua torcida. É uma identidade híbrida, portanto, mas ímpar e única. E essa identidade tem que ser demarcada, cultivada e cuidada para todo o sempre, amém.

Um mantra já começa a ecoar nas redes sociais e nos corações atleticanos: é preciso renovar o Atlético.

Se o maior desafio do gigante é continuar gigante, o grande desafio da massa é cuidar para que esse gigantismo seja uma marca indelével e eterna.

 

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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini