Foto: Reprodução Twitter
Por Max Pereira (@Pretono46871088 @MaxGuaramax2012)
Neste momento em que as atividades das equipes principais de alguns clubes brasileiros, o Atlético entre eles, estão paralisadas, cabem algumas reflexões, entre elas sobre a organização do esporte bretão nestas terras tupiniquins.
O futebol é um negócio multibilionário e, como tal sistêmico. Nesse sentido, é apropriado dizer que existe um sistema que comanda e conduz o futebol segundo determinados interesses.
Televisão (detentora dos direitos de transmissão), outros órgãos de imprensa, entidades desportivas (Fifa, Conmebol, CBF, federações regionais), clubes, agentes, empresários, investidores, políticos, patrocinadores, parceiros e fornecedores de material esportivo e do VAR, compõem, com graus de influência e poder diferenciados, esse complexo sistema.
Esse sistema, cada vez mais sofisticado e com tentáculos cada vez mais poderosos, tem metamorfoseado o futebol brasileiro e o vem redefinindo a seu caráter, se utilizando à larga da incúria, da mediocridade e da imprevidência dos dirigentes dos clubes brasileiros, os grandes responsáveis pelas gestões temerárias, pelas dívidas escorchantes e pelas intermináveis crises que vem solapando suas agremiações.
O Atlético, há tempos jogado no terceiro escalão das receitas de transmissão televisa e vivendo recorrentes perspectivas de cair ainda mais nesse ranking, perdeu importância, força política e respeitabilidade ao longo dos anos. Uma mensagem postada no Twitter há algum tempo resumiu tudo o que vem acontecendo há décadas com o Glorioso, historicamente maltratado pelo extracampo, em uma única frase: “o Atlético perdeu para o sistema”. Eu iria além e diria que o Atlético mais que perdeu, tem sido goleado impiedosamente pelo sistema.
Os clubes brasileiros até que têm dado exemplos de sobra de que sabem, entendem e devem buscar se fortalecer e se livrar da canga imposta por este sistema. Mas, as tentativas costuradas ao longo dos tempos têm naufragado graças fundamentalmente às intermináveis e fratricidas brigas de egos e, óbvio, de interesses, vários deles inconfessáveis.
Embora as federações regionais, a CBF e a emissora de televisão detentora dos direitos de transmissão sempre se posicionarem de forma contrária à criação de uma liga independente nos bastidores, a principal razão que tem levado todos os movimentos dos clubes a experimentarem um retumbante fracasso são os recorrentes desentendimentos entre os dirigentes, fruto de uma gama de interesses heterogêneos, até então incontornáveis.
O Clube dos Treze, a Liga Sul Minas e a Primeira Liga foram implodidos e abandonados graças à incúria dos dirigentes dos clubes e a desunião insuperável que sempre corroeu tais iniciativas. E, não sem razão, pode se dizer que este recente movimento dos clubes que poderia representar a sua independência e a sua redenção definitiva já nasceu morto.
Mas, não pensem que tirar da CBF e, claro, da televisão detentora dos direitos, o controle das principais competições de futebol do país é coisa fácil e que depende apenas da vontade e de um acerto de princípios e vontades dos clubes.
Desnecessário explicar que, uma vez criada uma liga independente dos clubes brasileiros que passasse a controlar as principais competições de futebol do país, seria inevitável uma queda brusca de receita para as entidades estaduais e para a própria CBF. Da mesma forma, deixaria os clubes mais fortes e coesos para negociarem receitas maiores de cotas televisivas, inclusive para a Série B.
Assim, a ideia de eliminar um intermediário entre eles e a televisão, no caso a CBF, contraria vários interesses poderosos. E, ainda que no presente as entidades tenham se movimentado sem muito alarde, é inescondível que agiram e continuam agindo para que essa liga não saia do papel.
Historicamente, o Flamengo e o Corinthians sempre tiveram receita muito acima dos outros clubes nacionais. Muito se falou na “espanholização” do futebol brasileiro. O time da Gávea e o do Parque São Jorge seriam as versões tupiniquins de Real Madrid e Barcelona. Nos últimos anos, graças a uma parceria que turbinou o clube, o Palmeiras se imiscuiu nesta prateleira de cima e, ainda que não tenha alterado a essência do sistema que comanda o esporte bretão no Brasil, provocou mudanças substanciais.
Descentralização sempre foi a palavra-chave para ancorar a ideia da criação de uma liga independente. O primeiro passo era fazer com que os próprios clubes se responsabilizassem pela captação das receitas das competições, papel hoje desempenhado pela CBF.
O segundo passo, seria reduzir a diferença de arrecadação dos principais clubes do país não só em relação aos menores, mas também a outros chamados gigantes. Hoje existe um abismo entre o que faturam Flamengo e Corinthians, por exemplo, em relação a vários clubes brasileiros, entre eles os times de times de Minas Gerais, como Atlético, América e o rival azul.
No entender de muitos essa revolução no futebol brasileiro deixaria os torneios mais competitivos e, consequentemente, rentáveis para os próprios participantes.
Hoje, os donos dos direitos de transmissão enviam a verba referente à TV para a CBF, que reparte o valor entre os integrantes da Série A da seguinte forma: verba fixa para cada um dos participantes, montante conforme colocação e exibição de partidas. É fácil de entender, portanto, porque alguns clubes frequentam recorrentemente os horários nobres de transmissão tanto na TV Aberta, quanto na TV Fechada, enquanto a grande maioria pena nos horários alternativos.
No artigo “A liga que já nasceu morta no Brasil”, que inspirou este ensaio, publicado em 27 de agosto de 2021 no Portal O Tempo, o jornalista Thiago Fernandes escreve sobre a ideia ousada de reformular o futebol brasileiro, liderada pelos presidentes do Bahia, Guilherme Bellintani, do Corinthians, Duilio Monteiro Alves, e do Flamengo, Rodolfo Landim, e explica com maestria porque ela está cada vez mais distante de um desfecho positivo. Para o nobre articulista a liga morreu antes mesmo de nascer, e a CBF segue no comando das disputas.
Mas isso não é tudo e, nem tampouco, garantia de que o sistema vai permanecer intocável e imutável. Ao contrário, algumas mudanças já vêm ocorrendo e nenhum clube passará impune ao novo desenho organizacional do futebol brasileiro que está sendo formatado compulsoriamente por alguns fenômenos vem sacudindo o sistema. Se de um lado, os clubes ainda estão longe de atingir a independência e a autonomia sonhadas, de outro eles não passarão imunes ao que já está acontecendo.
As intermitentes crises políticas da CBF que enfraquecem a entidade, as intermináveis e cada vez mais agudas crises econômicas que sacodem o país e o próprio planeta, a cada vez mais iminente implosão do monopólio de uma determinada rede de televisão em relação às transmissões das principais competições do país, o interesse cada vez maior de outras redes e streamings de se apoderar de nacos significativos desse mercado e a evolução tecnológica incontrolável que está mudando radicalmente a relação entre o torcedor (público consumidor) e os clubes, estão demandando profundas e inevitáveis mudanças no sistema organizacional do futebol brasileiro.
Cabe ao Atlético, agora também e a exemplo do Palmeiras, turbinado pelos mecenas, identificar as oportunidades e os caminhos para chegar e nunca mais sair daquele lugar de protagonismo e pujança que o seu gigantismo natural indica ser dele e que o projeto em curso o está qualificando.
Muito se tem falado e perguntado sobre a revolução de métodos e concepções de gestão que claramente está tendo lugar no Atlético. Pouco se fala do que o clube está projetando para mudar radicalmente a sua relação com o sistema futebol que, ao longo dos anos, o tem penalizado cruelmente. O resgate do respeito e a potencialização do cacife político do clube são elementos fundamentais à construção desse Atlético campeão e vencedor colimado pelos milhões e milhões de atleticanos espalhados pelo mundo.
Se o Atlético vai ou não, deve ou não, ser transformado em clube empresa é assunto para outro ensaio. Por hora, é suficiente dizer que entendo que esse passo não é fundamental para qualificar a sua relação com sistema, mesmo porque o que importa é a qualidade da gestão e não a natureza jurídica da entidade.
Muita água vai passar debaixo da ponte e é imprescindível que o Atlético tenha uma embarcação e um timoneiro de qualidade.