Não ao futebol moderno — Estão realmente matando o futebol?

 

 

Por Tâmara Santos
Do Fala Galo, em Belo Horizonte

Não é novidade para ninguém que o futebol é um mundo dominado pela heterossexualidade. Recentemente esse domínio vem perdendo importância e algumas pautas, antes esquecidas, estão vindo à tona. A mais recente e polêmica pauta vem sendo a questão da homofobia no futebol.

No dia 19 de agosto de 2019, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol  (STJD) enviou um ofício recomendando que todos os atos de homofobia e transfobia sejam relatados em súmula para posteriores punições, podendo render multas e até perda de pontos para os clubes. Além disso, o STJD recomendou aos times que façam campanhas educativas direcionadas a seus torcedores para evitar futuras ocorrências. Seguindo tal recomendação, os clubes se uniram para fazer postagens enfatizando que a homofobia é crime e pode prejudicar o time. O resultado? Uma série de comentários imbecis em que alguns torcedores diziam ser o fim do futebol.

Mas será que é isso mesmo? O futebol moderno está matando o futebol?

Raramente vemos um jogador de futebol se assumir homossexual e, quando o fazem, acabam sofrendo represálias por parte dos clubes e torcidas. Ataques online, insultos dentro de campo, reprovação das diretorias, tudo isso é comum a quem se atreve a ser ele mesmo no mundo do futebol.

Uma das poucas personalidades do futebol brasileiro que se assumiu homossexual, Richarlyson vestiu a camisa do Atlético por quatro temporadas. O jogador é tri-campeão brasileiro, campeão mundial pelo São Paulo, além de ter sido campeão da Libertadores pelo Atlético. Trata-se de um jogador multi-campeão, responsável com os times que o contratou, exemplar (por mais que não seja nenhum craque, sempre honrou nosso manto) e que foi discriminado por gostar de homens. Não tenho nenhuma dúvida de que se ele fosse hétero seria tratado como ídolo ou pelo menos seria bem recebido onde quer que fosse jogar, diferente do que vem acontecendo. Apesar dos recentes acontecimentos, o jogador sempre deixou claro que nunca sofreu ataques homofóbicos dentro do Galo, ao contrário de todos os outros times por onde passou.

Mas, e a arquibancada? Como se comporta?

A maioria das torcidas organizadas do Brasil entoa cantos homofóbicos no momento do jogo, numa tentativa de ofender o rival, xingar o juiz, ameaçar o bandeirinha, algum jogador e por aí vai. Chamar os rivais de frangas, marias, bambis, tricoletes e qualquer outro termo TOSCO que venha à mente é algo comum nas arquibancadas.

Absolutamente ninguém pensa se está ofendendo um torcedor homossexual que esteja do seu lado, nem se atenta para o fato de que o Brasil é o país que mais mata LGBTQ+ no mundo (seja por homicídio ou suicídio). Assim como ninguém pensa que amar alguém não deveria ser ofensa, nem pensa nos parentes ou amigos homossexuais. Esses torcedores não pensam numa mãe que vê seu filho ser espancado por namorar alguém do mesmo sexo. Na cabeça da maioria deles, questionar a sexualidade de alguém é mais ofensivo que criticar suas capacidades em sua função. Para eles, chamar alguém de viado é mais ofensivo que chamar de ruim, por exemplo. Preferem bater o pé, brigar e serem capazes de prejudicar o próprio time .

Recentemente as torcidas de Vasco e Cruzeiro protagonizaram momentos constrangedores, em que cantaram músicas homofóbicas. No caso do Vasco, o jogo foi paralisado e relatado na súmula (como manda recomendação do STJD). O clube não foi punido e emitiu nota de repudio às atitudes da torcida. Já no caso do Cruzeiro, o juiz ignorou a recomendação e seguiu o jogo.

As torcidas organizadas são responsáveis pela festa que amamos nos estádios. São elas que criam as músicas, levam bandeiras, foguetes, acompanham o time onde quer que ele jogue, criam e são o alento. Na Galoucura, por exemplo, existem mais de 30 músicas, a maioria de apoio ao Atlético (como deve ser), mas ainda tem uma boa parcela de desserviço que faz questão de levantar a bandeira da violência e da homofobia, fora a questão da apologia ao uso de drogas (mas não vou entrar nas pautas de escolhas pessoais aqui). Eu não vou ser hipócrita e dizer que nunca cantei essas músicas. Frequentei e frequento o mesmo portão que a Galoucura, canto a maioria das músicas, uso xingamentos ofensivos e até mesmo machistas, só que procuro melhorar sempre. A partir do momento em que percebo que alguém se sentiu ofendido, procuro mudar meus hábitos, principalmente, aqueles que não fazem diferença alguma na minha vida. Uma coisa é você chamar o rival de maria (uma imbecilidade sem tamanho, uma vez que o apelido surgiu pela semelhança do escudo do rival ao biscoito maria, da marca Aymoré  —  a maioria que fala isso, nem ao menos sabe a origem), outra coisa é um estádio entoar as seguintes palavras: ‘ô cruzeirense toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viados”, como aconteceu no Mineirão recentemente. Aí vocês devem estar pensando “ah, mas a torcida do Cruzeiro também é homofóbica”. É sim, tal como a maioria das torcidas do Brasil, mas eu me preocupo com a entidade que amo. Deixo as criticas às outras torcidas para aqueles que se sentem representados por elas.

Uma coisa é você se autoafirmar o time do povo, dizer que acolhe todos sem diferenças e etc., mas na prática se manifestar apenas quando o ato se torna uma obrigação (e apenas por se preocupar com as punições). Talvez por isso sua maior torcida organizada veio a público dizer que não mudará a postura nas arquibancadas, pois isso está matando o futebol. Vocês acham que só tem héteros na torcida do Atlético? É isso? Por que ninguém diz que a violência das torcidas está acabando com o futebol? Por que não se indignam tanto quando uma mulher sofre assédio dentro de um estádio? Por que ninguém pensa em criticar as habilidades dos jogadores, ao invés de tentar ofendê-los pela sexualidade? Por que para vocês o amor é ofensivo?

Levando isso para um patamar universal, vamos pegar o exemplo da torcida do Borussia Dortmund. Se acabar com cantos homofóbicos mata o futebol, por que a torcida do BVB segue sendo a mais admirada do mundo, mesmo militando a favor de causas como as dos LGBTQ+? Se deixar algumas manias imbecis para trás mata o futebol, por que a Europa é o polo mais forte no esporte, mesmo tomando medidas cada vez mais rígidas contra homofóbicos, fazendo campanhas nos gramados de suas maiores ligas e repudiando cada vez mais TODOS OS TIPOS DE PRECONCEITO? Enquanto isso, por aqui os jogadores têm problema até para vestir uma camisa com o número 24.

O Atlético vai acabar se você deixar de “zoar” alguém por causa de sua vida pessoal? Por que vocês não percebem o quão ridículos são esses apelidos e passam a se dedicar em apoiar o Atlético, exaltar suas conquistas e jogadores? Por que não zoam o rival por suas posturas criminosas na gestão, pela freguesia, pela frieza da torcida ou qualquer outra coisa que não sirva de gatilho para gente preconceituosa?

Nos últimos dias o Atlético foi bastante criticado na TV e na internet, graças às suas posturas (ou falta delas) nesses assuntos. Seja na completa omissão quando o Cazares sofreu racismo, seja pelo post ridículo pedindo para não sermos homofóbicos para não prejudicar a entidade, ignorando 100% as pessoas que SOFREM com isso. É essa imagem que queremos para nosso amado clube? É isso que você sente te representar? Olhem o exemplo de gestão do Bahia, o time se atenta aos problemas da torcida, visa a democracia dentro do clube e milita em todos os assuntos de interesse do seu torcedor. Isso está fazendo o Bahia acabar? A torcida do Bahia abandonou o time? NÃO, muito pelo contrário. O time tem a 6ª maior taxa de ocupação nos estádios do país, está bem colocado no Brasileirão e a expectativa é de crescer cada vez mais.

Devemos rever nossas prioridades, teimosias e atitudes. Pensar um pouco mais nas pessoas que estão se sentindo mal como toda essa situação, pensar em quem não vai ao estádio por medo de apanhar por ser homossexual, pensar no que a vida do outro afeta a nossa e por que temos tanta raiva da sexualidade alheia. Pensar também nos nossos filhos ou futuros filhos e sobre o tipo de pessoas que queremos ser. O ódio não leva ninguém a lugar nenhum. A intolerância não gera bons frutos. Não é porque tínhamos certas atitudes no passado que precisamos continuar tendo (ainda mais por motivos tão infantis). Mudar é essencial e isso não está matando o futebol, está APENAS o tornando acessível para TODOS, bem como deveria ser.

Parem com a arrogância de só pensar nos próprios interesses e escolhas, pois nós somos uma só torcida. Nossa responsabilidade é para com o Atlético e somente isso. O que fulano ou beltrano andam fazendo em seus estádios não nos desrespeita. Vamos ser exemplos, vamos honrar o nome de Minas, vamos melhorar como torcida e sociedade. CHEGA dessa babaquice, chega de intolerância. Isso não é o Clube Atlético Mineiro, isso não é a massa atleticana.

 

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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini