Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
06/12/2019 – 9h
Em 21 de maio desse ano publiquei aqui no Fala Galo o artigo “QUANDO OS DEUSES DO FUTEBOL DESCERAM DO OLIMPO, VESTIRAM PRETO E BRANCO E CALÇARAM CHUTEIRAS”, uma ode ao talento e à magia.
Hoje, pedindo as bênçãos desses deuses fantásticos, esta coluna foge, com muito prazer, de sua linha editorial para homenagear o futebol arte e um artista da bola de origem humilde, simples e negro, que nasceu nos Andes equatorianos e que, depois de passar algum tempo em terras portenhas, veio parar nessas Gerais onde vestiu preto e branco para, entre bonanças e tempestades, desfilar seu talento e espalhar a sua magia pelos gramados mundo afora. Gente, PELEZARES joga no meu time.
A quem me perguntasse qual, na minha opinião, é o maior jogador estrangeiro entre os que vestiram o manto sagrado do Galo mais famoso e querido do mundo, eu sempre respondia sem hesitação: o uruguaio Hector Carlos de Los Santos CINCUNEGUI, o Deus da raça, aquele uruguaio que chegou ao Atlético em um momento em que o rival buscava roubar a hegemonia do futebol mineiro e a autoestima do galista andava em baixa.
Cincunegui simplesmente materializou tudo aquilo que o atleticano mais cultua: garra, raça, entrega, comprometimento, luta, amor à camisa. E, desde a sua estreia em um clássico contra o rival, quando foi o melhor em campo, parecia que ele era atleticano desde criancinha e que BH era a sua cidade natal, tal foi a sua identificação com a alma atleticana.
Passados muitos anos, o coração atleticano não apenas continua pulsando no ritmo da paixão mais louca e irracional que se pode imaginar, mas também voltou a “hablar”, frenético de prazer.
Eu soube disso no momento em que flagrei uma emoção indescritível, tão nítida nos olhos sem vida de um velho atleticano, cego devido a uma doença genética que, nas arquibancadas do Almeidão, conseguiu, com a alma e o coração, enxergar e gozar aquele golaço do Cazares. Perdão, Cincunegui. Comecei a rever os meus conceitos.
Ali percebi que aquele equatoriano, dono de uma frieza e de uma categoria que só quem é ungido pelos deuses é capaz de mostrar, era diferente, era mais uma manifestação divina em preto e branco.
Enquanto milhões de olhos e corações atleticanos o acompanhavam angustiados esperando o final apoteótico daquele lance, o craque andino deslizou sobre a grama, como se estivesse em uma pista de patinação artística, passou por um, passou por outro, quase levitando, e marcou o gol do desafogo, o gol da esperança. Um gol tão genial quanto simples (para ele, é claro). Jamais esquecerei desse gol e daquele brilho no olhar morto do velho atleticano.
Vale lembrar, uma vez mais, que, em seu Twitter, o atleticano Thiago Teodoro, com extrema felicidade, escreveu que se não “abraçamos” o Cazáres com os problemas que ele tem, vamos ser 11 “normais” em campo. 11 não! Alguns pernas de pau e alguns “normais”.
Eu que me sentia órfão de R10 via a vida recomeçar bela, mágica, lúdica.
Mas, o equatoriano não tem tido vida boa não. Mal orientado, deslumbrado com a fama, assediado por marias chuteiras belas e sensuais, cercado por amigos e “amigos”, Cazares se viu, por vezes, envolvido em polêmicas extra campo e estrelando noticiários à margem do futebol, inclusive em páginas policiais.
Com algumas atuações de fato irregulares, entremeadas por desempenhos fora dos gramados que suscitaram críticas, Cazares foi despertando um ódio incontrolado em parte da massa. Aquelas fotos ao lado de mulheres lindas e sensuais parecem ter sido o gatilho para uma intolerância sem limites.
A imprensa, por sua vez, cruel e sempre mais preocupada com a audiência e em vender jornais, é constantemente perversa com o jogador. Até houve um formador de opinião que sugeriu colocar tornozeleiras no craque, um palpite infeliz que, para muitos, era puro preconceito racial. É que as tornozeleiras são a versão moderna dos grilhões que os escravos usavam.
E se vc acha pouco, por vezes o craque ainda se viu atirado irresponsavelmente pelo comando em leilões ridículos e extemporâneos, além de, outras vezes, ter seu nome jogado no mercado como um ativo dispensável e indesejado. A diretoria que deveria tê-lo protegido, cuidado, blindado e orientado, muito contribuiu para que ele vivesse esses momentos conturbados, próprios de quem não tem estofo para a fama.
Mas, tal e qual uma fênix, o craque equatoriano sempre conseguiu ressurgir das cinzas e voltar a desfilar o seu talento ímpar. Quem não se lembra daquele gol contra o Flamengo, de uma beleza que só artistas como Van Gogh, Miquelangelo, Da Vinci, Velasques e outros gênios conseguiriam pintar?
Vale a pena descrever novamente: “Deslizando sobre a grama do Horto, quase levitando, frio como gelo, plástico, leve e sublime como Mikhail Baryshnikov, o maior bailarino de todos os tempos, Cazares, abençoado por Garrincha, encantado por Pelé, bafejado por Laci, iluminado por Reinaldo e enfeitiçado por Ronaldinho Gaúcho, fez renascer no atleticano a alegria e o orgulho de ser preto e branco na alma, no coração e na vida”.
Escrevi uma vez e escrevo de novo: “A imagem de Diego Alves, grande goleiro rubro-negro de raízes alvinegras, e de um zagueiro, caídos, prostrados, humilhados, impotentes diante do bailado do gênio equatoriano, vai ficar retida para sempre em minha mente e nas minhas retinas”.
Poderia ficar aqui descrevendo outros momentos sublimes do craque, como aquele gol fantástico do meio do campo contra o Grêmio em Porto Alegre ou aquela sua atuação de gala contra o Botafogo no Mineirão, quando fez três golaços e comandou aquela goleada há alguns anos.
Mas, este gol de Jair, contra o mesmo Botafogo e no mesmo Mineirão, resume tudo o que se poderia falar do talento de Cazares, o grande arquiteto da bola. Que o diga aquele jovem lateral botafoguense que ficou estatelado de costas no gramado, enquanto o craque bailava e dava mais uma de suas extraordinárias assistências.
Mas 2019 tem sido especialmente pesado para Cazares. Depois de se tornar pai duas vezes, de relacionamentos diferentes, e suscitar críticas e maledicências por isso, ele chegou até a ser acusado de estupro ou de tentativa de. Acusação confusa, não provada e finalmente arquivada, sem um pedido de desculpas daqueles que o massacraram e já o condenavam raivosa e prematuramente.
Para muitos, pouco importa que o gringo era e ainda é o segundo maior artilheiro estrangeiro da história do Atlético. Mais um gol e terá superado o grande Lucas Pratto. Outros tantos sempre se lixam para o fato de que o equatoriano é um dos líderes de assistência para gol do futebol brasileiro desde que aqui chegou.
Também nada interessa o fato de que Cazares é também o segundo artilheiro do Atlético na atual temporada e que o time só não marcou mais gols neste ano graças ao seu talento e à sua inventividade, em razão da má fase e da infelicidade dos centroavantes atleticanos e de outros jogadores que ele colocou na cara do gol e não conseguiram marcar.
Não é fácil jogar em times desajustados e irregulares, contra a incompetência dos dirigentes, contra os erros dos técnicos que o dirigem, contra os desacertos de seus companheiros de time igualmente pressionados por um ambiente hostil, contra as arbitragens, contra os adversários, contra a imprensa que o trata mal e, por vezes, o espezinha, contra as redes sociais, geralmente virulentas, contra o ódio e a intolerância de grande parte da torcida e contra suas próprias falhas, afinal ele é humano, e ainda assim ter atuações de destaque e brilho, além de se constituir no fator fundamental da fuga do Atlético do rebaixamento e da conquista da vaga na sul-americana de 2020.
Como é possível que atuações destacadas como essa diante do Timão domingo passado quase nunca são reconhecidas por muita gente?
Mais uma vez Cazares deu a volta por cima e chega ao final da temporada redimido diante da massa, que já pede que ele continue no clube. Espero que os comandantes alvinegros estejam escutando esse apelo da torcida que ecoou por todo o Horto e se espalhou mundo afora.
Que o Atlético e os atleticanos saibam entender o craque como ele é. Um ser humano falível como qualquer outro que merece ser abraçado e cuidado. E que o clube, para o seu próprio bem e do atleta, também o trate profissional e dignamente como o seu extraordinário futebol faz por merecer.
Não tenho dúvida nenhuma de que os deuses da bola certamente se encarnarão mais e mais vezes em preto e branco e habitarão o mundo atleticano. É praxe.
Mas, enquanto isso não acontece novamente, vamos continuar nos deliciando com o talento ímpar e com a magia do futebol de Cazares. Somos privilegiados e não se pode jogar fora um presente dos Deuses. Lembrem-se, a bola pune e os deuses zangados, então…
Agora um alerta: nem bem o Atlético sacramentou de vez a sua permanência na elite do futebol brasileiro, um recado é plantado na mídia e nas redes sociais. O Atlético teria recebido uma ótima proposta por Cazares vinda do exterior. Entra ano, sai ano, o papo é sempre o mesmo.
“Ei!?! Quanto ofereceram pelos direitos de Cazares?”
“E qual é o clube interessado?”
“Como? Não sabe?”
“Ah! Mas a proposta é muito boa!!!”
“Sei. Me engana que eu gosto.”
Porém, nada é mais casuístico nesse momento em que o equatoriano brilha e conquista o reconhecimento e a gratidão de muitos que gritam a uma só voz “FICA CAZARES”, que buscar quebrar a resistência da torcida à sua saída, criando a impressão de que seria um negócio irrecusável.
Cazares, a Pérola Negra do século XXI é, sem dúvida e, com as bençãos de Cincunegui, o mais destacado e talentoso estrangeiro que vestiu a camisa do Atlético.
Com arte e muito futebol ele, a exemplo do saudoso uruguaio, também está elevando a estima e orgulho do torcedor atleticano, porque mostra até ao mais cético dos galistas que existe poesia em preto e branco.
De minha parte só posso dizer: MUITO OBRIGADO, CAZARES. HÁ! E DESCULPE POR ALGUMA COISA, VIU?
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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini
Edição de texto: Angel Baldo