Entre o tudo e o nada…

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Por Max Pereira (@pretono46871088 @MaxGuaramax2012)

Ainda bem jovem e descobrindo minha paixão pelo Galo escutei de um velho atleticano de cabelos brancos duas frases que jamais saíram de minha memória. Aquele rosto severo, onde fulguravam dois olhos inquietos e de onde se ressaltava um semblante grave, dava sentido àquelas duas frases definitivas para o meu aprendizado atleticano.

Era uma tarde modorrenta de um domingo que, até aquele encontro não programado e surreal, parecia que ia ser como muitos outros. Como que por acaso, mas provavelmente atraído pela inquietude de um garoto que não parava de esfregar as mãos enquanto esperava ansiosa e sofregamente que Toninho, Noêmio, Bueno, Clébis, Dinar, Viladônega, Luiz Perez, Marcelino, Fifi, Nilson, o Calcanhar de Vidro e Reginaldo entrassem em campo, aquele homem se aproximou de mim, me olhou fixamente nos olhos e, de repente, ainda que por um momento que pareceu uma eternidade, ali naquele velho, barulhento e efervescente Horto onde o Atlético disputaria mais uma partida pelo campeonato mineiro daquele ano, tive a impressão de que estávamos absolutamente sozinhos.

“O próprio Atlético é o seu maior inimigo e, enquanto, o Glorioso não aprender a derrotar a si mesmo, ele jamais será o campeão e vencedor que a sua torcida sonha e deseja”, disse ele apenas uma vez para aquele garoto atarantado que já começava a ser cozido por uma paixão imensurável e que, antes mesmo que o grande e saudoso Roberto Drummond tivesse cunhado sua celebre frase, já sabia intuitivamente que, mais do que torcer contra o vento, era preciso vencê-lo.

Mal eu debulhava esses dizeres em meus pensamentos, o velho atleticano me transmitiu a lição final: “Ser atleticano é conviver com a incompetência”.

Passados mais de sessenta anos, percebo que essas frases retratam de forma escarrada a história esquizofrênica do Atlético. E, dia após dia, elas fazem cada vez mais sentido.

Mas, engana-se quem pensa que, ao relembrar aquelas duras lições, eu esteja querendo assinar um atestado de impotência e de simples aceitação do que vem ocorrendo com o Atlético nos dias de hoje. Ao contrário, essa história reacende em mim, hoje com a idade daquele meu mestre fortuito, a chama viva do guerreiro atleticano que acredita, não desiste jamais e que sabe que o atleticano, que um dia já derrotou o vento, não entrega os pontos nunca. Vencer, vencer, vencer, este é o nosso ideal. Assim, Vicente Mota, autor do hino do atlético, imortalizou a missão do Glorioso e sempre é tempo de fazer isso vicejar.

Nestes tempos pandêmicos, onde o mundo virtual e o mundo real se misturam, onde os sentimentos sopitam a flor na pele, muitos sofrem cada vez mais, enquanto outros parecem se alimentar e a se comprazer com a intolerância e a dor alheia. O grande Betinho Marques, companheiro do Fala Galo, pôs o dedo na ferida ao desabafar nas redes sociais sobre esse delicado momento da vida de todos nós:

“Tanto sofrimento que temos, e ao abrir grupo de amigos diversos no WhatsApp para atualizar, temos que ver figurinhas com celebração do sangue como se vivêssemos em uma festa. Perdemos a bússola. Estamos nos deixando contaminar pela crueldade. Estamos perdendo o pudor”.

A verdade é que já nos deixamos contaminar pela crueldade faz tempo, Betinho. A sede de sangue está cada vez mais incontrolável. E este clima, como não poderia ser diferente, contamina as opiniões e as reações de parte significativa da massa em relação ao momento atual do Atlético.

Assim, se tornam inevitáveis as diversas comparações com outros clubes, tidos e havidos quase que consensualmente pela mídia tradicional e por quem se interessa, fala e vive o futebol, como os favoritos aos principais títulos nessa temporada. Claro que, estas comparações, com raríssimas exceções, são desfavoráveis ao Galo, sempre depreciado de forma avassaladoramente irracional.

O curioso é que até os maus resultados desses times, considerados improváveis e anormais, não favorece uma análise mais sóbria e menos passional. Como nos ensina o multifuncional atleticano (mineiro) Marco Coelho, ex-comentarista da Rádio Clube de Curitiba, o futebol brasileiro atual está passando por mudanças que tornam normais resultados antes impensáveis e até mesmo inaceitáveis.

A verdade que incomoda e que poucos enxergam é que os times, por razões especificas, acabam se nivelando e, assim, quem joga fechado e tem velocidade no contragolpe, acaba levando vantagem. Não é de se estranhar perder ou empatar jogando em casa contra times historicamente de camisa menos pesada e com elencos no papel inferiores tecnicamente. Isso vale para o Atlético e vale para qualquer outro clube tido como gigante no futebol brasileiro.

Hoje, os clubes que jogam com menos pressão estão levando vantagem. Nesses tempos de pandemia o menos e o mais se misturam, se igualam. E só irá longe quem conseguir ser diferente. Se todos os clubes continuarem mergulhados na mesmice, os títulos das competições em curso cairão no colo de quem errar menos. Nem o Flamengo, tido e havido como o melhor time brasileiro da atualidade, conseguirá ir longe nesses tempos de futebol pobre se não conseguir entender o que está acontecendo. E não será surpresa se alguma outra equipe, que não aqueles candidatos tradicionais, consiga ganhar o Brasileirão nessa temporada, nos alerta Marco Coelho, sempre muito crítico aos comentários que lê e ouve aqui e ali.

Da mesma forma que os críticos, profissionais ou não, menosprezam o fato de que o Atlético nos três últimos jogos, sem poder utilizar 14 jogadores pelas razões já fartamente sabidas e ressabidas, atuou duas vezes fora de casa e não teve tempo de treinar, quase ninguém reconheceu que o zagueiro Bueno (que não é aquele que vi jogar várias vezes no velho Independência) foi o menos pior quando esteve em campo contra o Ceará, tendo errado em apenas um lance nada comprometedor e não podendo e nem devendo ser responsabilizado pelos gols que o Galo levou, frutos de erros individuais de outro companheiro.

Aliás, a maioria dos gols que o Atlético vem sofrendo não se originou de falhas defensivas individuais e, sim, de bolas perdidas no ataque ou por mau posicionamento e recomposição mal feita. E quantos se aperceberam que Hulk, sem os parceiros Savarino e Nacho, se tornou um jogador egoísta, pois não conseguiu encontrar em Keno, mal física e psicologicamente, e em Hyoran, jogando fora de sua zona de conforto, os parceiros em quem poderia confiar?

Também não me surpreende que Allan, que vinha sendo exaltado por estar há cinco partidas sem levar cartão e sendo um dos principais jogadores do time, passasse a ser execrado por ter levado cartões exatamente em um jogo cujos nervos estavam à flor da pele e o time não funcionava tática e coletivamente. Será que, de uma hora para outra, alguém pode deixar de ser útil tão drasticamente?

Nada agrada, nada está bom, e hoje, o elenco que era, até bem pouco tempo, um dos melhores do país, passou a se resumir, segundo muitos, tão somente a Hulk e a Nacho, o que, convenhamos, efetivamente não é uma tese racional e que se pode levar a sério.

Mas, reconhecer que nem tudo é terra arrasada significa normalizar os erros que estão acontecendo dentro do clube e desprezar as diversas variáveis que estão se conjugando contra o Atlético.

“Disputamos nove, conseguimos um ponto só. Pros nossos objetivos, que é estar na ponta, buscando título, é inadmissível. E a instabilidade do time, eu não tenho como te explicar. Não é isso que a gente trabalha, não é isso que a gente treina.” Assim, se manifestou Cuquinha em sua última entrevista coletiva substituindo ao seu irmão, suspenso por ter sido expulso após ter perdido as estribeiras com o arbitro Leandro Pedro Vuaden após o jogo contra o Ceará.

As reações extremadas de Cuca, que chegou a falar em largar tudo, a infeliz e explosiva declaração de Cuquinha e o nervosismo que vem se refletindo no semblante, nas ações e nas escolhas dos jogadores dentro de campo, jogo após jogo, revelam que as coisas não andam bem na Cidade do Galo e que o clube não vem tomando, como deveria, os cuidados necessários para enfrentar com equilíbrio e mais eficiência este momento complicado não só para ele, como também para o futebol brasileiro como um todo.

Ora, se para ir longe e, talvez conquistar o título de ponta tão almejado, é preciso fazer e ser diferente, até o mais incauto dos observadores percebe que o Atlético, no futebol, está longe de um nível de mínimo de excelência aceitável.

Se administrativa e financeiramente, o clube dá sinais de estar percorrendo um caminho sóbrio e promissor, no futebol o Atlético ainda se mostra muito distante disso. Por isso, mesmo reconhecendo os efeitos nocivos dos percalços em relação aos quais o clube não tem total controle como as lesões e a contaminação pelo Covid, entendo que criticar esta ou aquela diretoria, esta ou aquela medida, é uma ação salutar e legítima. O futebol, tal e qual uma engrenagem, precisa que todas as suas peças e mecanismos estejam funcionando em sintonia.

Assim, indo além da crítica, no artigo “NÃO CREIO EM BRUXAS, MAS QUE ELEAS EXISTEM, EXISTEM”, publicado no Blog Canto do Galo do jornalista e atleticano Eduardo de Ávila, sugeri ao comando atleticano produzir um diagnóstico amplo, impessoal e holístico do clube, onde se perquirisse se as pessoas certas estão de fato no lugar certo.

Um diagnóstico livre de impressões e broncas pessoais, a partir do qual os caminhos, as decisões e a medidas deverão ser definidos, afim de que posam ser adotadas as soluções necessárias ao resgate do bom futebol, deverá incluir também e necessariamente uma autocrítica da gestão do futebol.

Vários fatores podem levar um comboio a descarrilhar. Culpar apenas o maquinista fatalmente não evitará novos desastres. A engrenagem atleticana está falhando e não há como esconder.

 

Dois recados finais:

Primeiro, dirigido ao torcedor: quando o trabalho de Sampaoli começou a fazer água, muitos também atribuíram as más atuações a obra e graça de paneleiros. Houve até quem citasse nomes. E, se alguém me pedisse para citar nomes de possíveis sabotadores do trabalho de Cuca eu perguntaria: Quem eu colocaria nessa lista? Aqueles que para mim não deveriam ter sido contratados por não gostar de seu futebol? Ou aqueles que no entender de fulano ou de beltrano deveriam ser vendidos ou dispensados simplesmente porque este ou aquele não gosta deles? Não, caça às bruxas não seria a solução. Ao contrário, insistir apenas nesse caminho seria apenas um formidável tiro no pé.

Segundo, dirigido ao comando: é preciso tomar cuidado para que a delicada situação financeira do clube não continue sendo utilizada como muleta e desculpa para as omissões e os erros que estão minando o futebol atleticano, com reflexos claros e inescondíveis em todas as divisões do clube.

Nem sempre ao mar e nem sempre à terra. Esse 8 ou 80, esse tudo ou nada, tem que ser exorcizado definitivamente da vida do Glorioso.