Entre o sucesso e o fracasso há um caminho longo e desafiador para o Atlético e o seu frenético treinador
Foto: Flickr oficial do Atlético
Max Pereira
04/08/2020 – 10:50
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O Atlético iniciou nesse ultimo domingo, desde a passagem de R10 pelo clube, a sua mais emblemática jornada pelo campeonato brasileiro.
A chegada do afamado e histriônico treinador argentino mudou, no imaginário do atleticano, todas as suas perspectivas sobre o que estaria reservado ao Glorioso nesta que é tida como a competição mais difícil e, normalmente, sem prognostico, do planeta. E o galista sonhou, sonhou, e continua sonhando.
Os desafios que Sampaoli terá pela frente são complexos e vão requerer dele, de Alexandre Mattos e de todo o comando atleticano extremo tirocínio e habilidade.
Ou alguém ainda duvida de como estes desafios têm tudo a ver com o futuro do Atlético, não só neste Brasileirão 2020, como também para o projeto em curso e o próprio futuro do clube?
Muito se fala da baixa qualidade do futebol que vem sendo jogado, inclusive por times cujos elencos são tidos e havidos como estelares.
Várias são as variáveis que justificam o futebol ruim e pouco vistoso que vêm sendo mostrado nos campos brasileiros.
O futebol está cada vez mais físico e tático e, fundamentalmente, vem exigindo dos atletas muito esforço mental.
Soma-se a isso um calendário perverso e o fato de o Brasil ser um país de dimensões continentais, o que obriga os times a se submeterem a viagens extremamente cansativas e de difícil logística.
Esse quadro se agrava com a intercalação de jogos pela Copa do Brasil, Sul-americana e Libertadores.
O desgaste, em consequência disso tudo, é imenso. A técnica vem se tornando artigo de luxo e, jogadores diferenciados e acima da média como Cazares, seres em extinção. E, um futebol com essas características dificilmente será belo, plástico, gostoso de ver.
Feio ou não, o futebol continua fascinante. A possibilidade de que o pequeno possa surpreender e vencer o grande, a possibilidade de que o imponderável se materialize e de que o craque torne o impossível possível, fazem do futebol um esporte diferente e arrebatador.
Em relação aos demais clubes qualquer vaticínio também é prematuro e incerto. A irregularidade têm sido a marca dos clubes brasileiros ao longo dos tempos. Na verdade nada de anormal, se considerarmos a vida de qualquer mortal nesse mundão de meu Deus como dizia minha velha e saudosa avó.
E, aqui, chego ao grande desafio que o futebol de hoje está impondo a todos os treinadores, sejam eles brasileiros ou estrangeiros independentemente de geração.
O futebol brasileiro vive agora o auge da batalha entre o lúdico, o técnico, o plástico, o belo de um lado e o físico, o tático, o mental, o prático e o feio, de outro. Até então, o feio vem dando de goleada no belo.
Em outros tempos falava-se muito de futebol arte versus futebol competição, futebol força. O segundo destronou o primeiro.
É absolutamente natural que, com o passar do tempo, o futebol sofra modificações dentro e fora da quatro linhas. Se agradam ou não, depende do gosto pessoal de cada um. E por que é assim?
Primeiro, porque o futebol se tornou um negócio multibilionário e, como tal, passou a impor sobre atletas e treinadores obrigações, deveres e comportamentos que, não só geraram novas concepções táticas e passaram a exigir dos jogadores desempenhos físico-atléticos diferenciados, como também determinaram novas concepções e métodos de gestão, introduziram novos agentes neste universo e estabeleceram relações de interdependência entre estes e os clubes, antes inexistentes.
Segundo, porque, jogadores e treinadores tiveram que se reinventar.
E não é só o futebol que mudou. O mundo mudou. E o esporte bretão, antes naturalmente lúdico e catártico, hoje cumpre função social e politica marcantemente diferentes.
Em sua entrevista coletiva logo após se tornar o técnico mais vitorioso do campeonato paulista e, mesmo não tendo o seu time praticado um futebol vistoso e convincente, Vanderlei Luxemburgo defendeu o cuidado e a proteção da essência do futebol, brasileiro que, conforme lembrou, venceu cinco copas do mundo de seleções e onze mundiais interclubes sem, segundo ele, a presença e a influência do treinador estrangeiro. E questionou: por que mudar, então?
Luxa esqueceu-se, porem, de treinadores estrangeiros como, por exemplo, Dom Fleitas Soliche, Dom Ricardo Diaz, e Dom Filpo Nunes (Nunhes, com til no “e”) que trabalharam em vários clubes brasileiros no passado com absoluto sucesso e sem esse grau de rejeição que hoje se verifica no seio de seus pares brasileiros. Os dois primeiros, para quem não sabe, tiveram passagens significativas pelo Atlético e fazem parte da história do clube.
Assim como acontece com os jogadores estrangeiros, estes treinadores aqui vieram, deixaram uma imensa contribuição para o futebol brasileiro e jamais deixaram de respeitar e/ou puseram em risco a essência do futebol brasileiro.
Além de conteúdos táticos diferentes e uma nova forma de ver o futebol, atletas e técnicos, vindos de outros países, quebram paradigmas e tiram os brasileiros de suas zonas de conforto. E isso é muito bom.
Mas, em uma coisa concordo com o “Profexô”. É essencial cuidar e não conspurcar com a essência do futebol brasileiro, ou seja, com aquilo que faz o jogador brasileiro diferente de qualquer outro deste planeta.
Se para uns o importante é vencer independentemente do futebol praticado, ainda é visível e forte o clamor daqueles que ainda não desistiram do futebol bem jogado e bom de assistir.
E esse apelo vai se tornando um aliado poderoso de todo aquele treinador que acreditar que é capaz de fazer o plástico e o lúdico derrotarem o feio.
Até há algum tempo bem recente, especialistas e formadores de opinião defenderam que apenas os treinadores jovens teriam condições de recuperar o belo e bom futebol. E justificavam: é que a vaidade dos treinadores antigos não lhes permite rever os seus conceitos e, nem ao menos, conhecer e experimentar novas concepções táticas. Há claro, nisso tudo, um medo do novo que a psicologia pode explicar. E há muita verdade nisso.
É preciso reconhecer que um ou outro treinador medalhão tenta, por vezes, algo novo. Mas, quando o fazem, o fazem com algum “delay” e, claro, com imperfeições muitas vezes incontornáveis, graças às suas idiossincrasias cultivadas anos e anos e ao apego a concepções já deterioradas.
Hoje, o debate é parecido, mas no ringue estão os técnicos brasileiros e os técnicos estrangeiros. O sucesso do português Jorge Jesus no Flamengo e a campanha meritória de Sampaoli no Santos colocaram em xeque o trabalho e, principalmente, a capacidade dos treinadores brasileiros.
Está-se criando um consenso de que os treinadores estrangeiros, livres das amarras de conceitos internalizados aos longo dos tempos e, portanto, difíceis de serem reformulados ou ao menos adaptados às exigências dos tempos atuais, se mostram, por óbvio muito mais abertos a novas ideias e experimentos. Há também a crença de que imitar o futebol europeu é saída inteligente do futebol brasileiro. Tenho sinceras e grandes duvidas disso.
Por isso, treinadores como Rodrigo Santana, Roger Machado, Thiago Larghi, Thiago Nunes, Rogério Ceni, Fernando Diniz e alguns outros, antes tidos como a geração que iria salvar e modernizar o futebol brasileiro, já não são mais unanimidade e têm os seus trabalhos questionados. O desafio desses, já não tão novos treinadores, e dos antigos que ainda têm espaço no mercado é cada vez mais complexo.
E é esse Sampaoli, supervalorizado, elétrico e insaciável nas suas metas e nos seus desejos, que chegou ao Atlético nesse temporada. E, com ele, vários jogadores que, além de rejuvenescerem o elenco, trazem possibilidades táticas até então inexploradas no futebol do clube e alimentam no torcedor apaixonado esperança de títulos e mais títulos.
Nem a nacionalidade de Sampaoli e, nem tampouco este time que está sendo montado não são garantia do sucesso esperado e já comemorado por parcela da massa.
É que, mais do que nunca, além de modernizar e democratizar o clube, cuidar da marca da instituição e provê-lo de uma gestão profissional, tornando-o apto a vencer a batalha dos bastidores, hoje é fundamental a um gestor de grupo, saber planejar e estruturar o futebol e enxergar o elenco como um grupo heterogêneo de seres humanos que também oscilam e alternam seus humores, suas entregas e seus momentos, de acordo com as suas próprias idiossincrasias.
Assim Alexandre Mattos surge como figura essencial na gestão do futebol do Atlético. É fundamental a presença de alguém de peso, experiente, junto à comissão técnica, que tenha voz e comando, para, além dar ao treinador a sustentabilidade necessária e, quando preciso, o blinde, para que este execute o seu trabalho em nível de excelência, também administre o grupo, podando possíveis crises relacionadas a insatisfações pontuais, a dificuldades naturais de adaptação aos métodos e conceitos do técnico argentino e à variação de humores, próprias de qualquer ser humano.
Se é absolutamente importante dar a Sampaoli condições e estrutura para desenvolver o seu trabalho, é vital também que Mattos saiba administrar a geniosidade do treinador. Em outros escritos já venho defendendo a presença e a ação de um profissional desse naipe no futebol atleticano.
Sem ser saudosista e entendendo que os tempos são outros, lembro que os diretores de futebol de antanho, diferente dos de hoje, falavam “futebolês” e entendiam profundamente dos meandros do futebol e de sua organização tática. E, ainda que fosse desejável e muito interessante que Mattos tivesse esses predicados, o mais importante agora é a sua capacidade de gestão de grupo e de entendimento da alma do boleiro.
O Atlético, a meu ver, tem, ao longo dos tempos, deixado muito à solta e sem sustentação os vários treinadores a quem confiou o comando do time. Com Sampaoli, isso não pode se repetir.
E, se não bastassem todas essas variáveis, há que se considerar que essa parada, forçada pela pandemia, pode ser fatal para vários clubes, como aconteceu com o próprio Atlético durante a ultima Copa do Mundo. Se lá, o comando atleticano promoveu um desmanche, saindo à cata de recursos financeiros de forma temerária e sem planejamento, agora , tanto uma possível e indesejada incúria dos dirigentes, quanto a tradicional e recorrente impaciência da massa, alimentada como sempre pelas tradicionais ações de agentes externos inimigos clube, podem jogar tudo a perder.
De positivo é que Mattos, induvidosamente, sabe que não pode desconsiderar que hoje o ambiente interno dos clubes é demarcado por uma mistura de jogadores diferentes, de origens diversas, que professam religiões diferentes e que possuem alta rotatividade, o que impede a muitos de cristalizarem alguma identidade com os clubes por onde passa. Alguns são verdadeiros nômades.
Todas essas variáveis estão interpostas e, claro, interferem decisivamente no desempenho do time e no trabalho dos treinadores, tornando mais e mais desafiadora e complexa essa batalha entre o belo e feio.
Galo e Sampaoli. Atlético e um treinador de renome. Um desafio único. Entre o feio e o bonito, clube e treinador estão diante de um dos maiores desafios de suas histórias. Grande porque atual, enorme porque fundamental, complexo por que levar ambos ao sucesso ou ao fracasso, à gloria ou à humilhação.
Por isso, não basta apostar no sucesso, é preciso construí-lo.