Por Silas Gouveia e Prof Denílson Rocha
Em um momento em que o radicalismo e a polaridade ideológica dominam o debate político, não pretendemos discutir a democracia e a estrutura político-partidária no País. Futebol e política sempre tiveram laços; Reinaldo já desafiou o status quo com a comemoração estilo Panteras Negras – e pagou um preço elevado por sua rebeldia; mas há muita gente competente (e algumas nem tanto) para conduzir este debate em espaços mais adequados que este. Aqui, vamos nos concentrar a discutir a presença (ou ausência) da democracia no Clube Atlético Mineiro.
Nesta semana, o Atlético realiza eleição para escolha de 150 (cento e cinquenta) conselheiros e 75 suplentes. O pleito segue as regras definidas no Estatuto do Clube, que, ao realizar eleições, cumpre com o mínimo que se espera de uma Instituição centenária marcada por sua tradição democrática e por, efetivamente, ser um clube do povo.
Entretanto, o Estatuto, antiquado e pessimamente redigido, não permite que a democracia seja exercida no Atlético em sua plenitude.
Para começar, o Estatuto determina, em seu artigo 25, que “A Assembleia Geral reunir-se-á, ordinariamente, a cada período de três anos, na primeira quinzena do mês de agosto, para eleger os membros do Conselho Deliberativo, sendo estes 150 (cento e cinquenta) efetivos e 75 (setenta e cinco) suplentes, e extraordinariamente, quando necessário, para deliberar sobre outros assuntos de interesse social” (grifo nosso). Observem que o texto utiliza de um artigo definido: “eleger OS MEMBROS do Conselho Deliberativo”. Ou seja, não fala em alguns membros ou apenas certos membros, sem quantidade definida. Ao tratar como “os membros do Conselho Deliberativo”, TODOS deveriam ser eleitos democraticamente.
Aí começa a ruir a democracia atleticana… Porque o artigo 30 aponta que o Conselho Deliberativo é constituído de conselheiros grande-beneméritos, beneméritos, natos, natos e eleitos. Mas os membros do Conselho Deliberativo não deveriam ser eleitos?
Pior! Que democracia é esta que tem mais membros indicados para cargos vitalícios (e sem critérios claros) que os eleitos de maneira democrática? Afinal de contas, o artigo 31 estabelece que há 200 (duzentos) Conselheiros Beneméritos e sequer há definição da quantidade de Conselheiros Natos ou Grande-Beneméritos. Só por curiosidade, alguém sabe qual foi a contribuição que cada um dos Conselheiros Beneméritos ou Grande-Beneméritos deu ao Atlético? Ou, ao menos, alguém sabe o que é considerado “serviço de alta relevância” ou engrandecer o nome do Atlético para que seja indicado ao cargo vitalício?
Para se ter ideia do quanto o Estatuto do Atlético é precário, o mesmo artigo 31 aponta que são “150 (cento e cinquenta) Conselheiros Efetivos”, mas não existe a figura de conselheiro efetivo. São conselheiros ELEITOS. Ou os demais não são efetivos?
O artigo 30 ainda traz a grande constatação do quanto não se valoriza a democracia no Atlético. O texto diz que “O Conselho Deliberativo é o órgão soberano do Clube”. Segundo o dicionário, soberano é quem tem o poder supremo, o domínio. E em um regime democrático, o poder emana do povo! O órgão soberano de um clube democrático é a Assembleia Geral, composta por TODOS os sócios. Então, o Atlético tem, conforme seu Estatuto, uma oligarquia autoproclamada – em outras palavras, um grupo que se colocou como dono do poder.
Mas a grande estratégia de manutenção de poder está nas cláusulas 40 e 42 do atual Estatuto do Galo. Para concorrer ao cargo de conselheiro eleito, o candidato precisa ser incluído em uma chapa com, no mínimo, 50 (cinquenta) participantes. E é ser incluído mesmo! Não esperem que associar-se ao Clube e cumprir com as obrigações como sócio seja suficiente para buscar uma vaga no Conselho. Para fazer parte de alguma chapa, é necessário ser convidado por algum dos barões que comandam o Galo – para ter certeza disso, basta assistir às entrevistas que o FalaGalo fez com conselheiros do Clube e ambos afirmam que foram convidados a integrar chapas na eleição ao Conselho. Que democracia é esta que só podem ser candidatos aqueles escolhidos pelo dono do poder?
O incrível na composição da chapa única inscrita para eleição ao Conselho Deliberativo do Atlético é que há, somente, 19 (dezenove) novos nomes. São os mesmos de sempre, convidados e submissos ao jogo de poder, que ficam eternamente em um Conselho que não tem qualquer representatividade de quem realmente faz o Atlético: a Massa. Em geral, é fácil ver um grupo de omissos, que se calam nas reuniões do Conselho, que não questionam, não propõem, não fazem nada que não seja autorizado por quem os colocou naquele lugar. O único Conselheiro que ousou questionar (e nem vamos avaliar a fundamentação de suas críticas) foi “supreendentemente” excluído do pleito eleitoral. Enquanto isso, um candidato a suplente afirmou que nem sabia que estava inscrito na chapa – e posteriormente mudou sua declaração pois, obviamente, entendeu a gravidade da fala. O controle na constituição das chapas é tão rigoroso que impede até mesmo que apareça qualquer oposição – o que pode ser constatado com a chapa única no atual pleito. Até quando vamos ter a necessidade de composição de chapas fechadas para concorrer ao cargo de Conselheiro do Atlético? Até quando iremos precisar das bênçãos dos poderosos para se candidatar a um cargo não remunerado, mas de enorme valor no peso das decisões desta instituição centenária? Até quando vamos viver e assistir nosso clube do coração, ser armado e administrado por um bando de amigos, cujos interesses sempre se sobressaem aos do clube?
Esta estrutura oligárquica é utilizada, prioritariamente, para manutenção das próprias condições. As poucas famílias escolhem quem concorre nas eleições. Os eleitos só têm seus cargos se mantiverem sua submissão a quem os escolheu. Como participantes do Conselho, são os mesmos que vão aprovar a escolha dos grande-beneméritos e beneméritos, que poderão se perpetuar no Clube em seu cargo vitalício. E assim o Conselho Deliberativo – “órgão soberano” – continua exclusivamente nas mãos de poucas famílias, que novamente vão escolher os integrantes das chapas às eleições e a círculo vicioso continua indefinidamente. São todos, “farinha do mesmo saco”! Quem elege e quem é eleito. Há uma aura de supremo nestas escolhas e nas eleições de Conselheiros do Atlético. E não ousemos nos manifestar e muito menos questionar, pois seremos tratados como a escória da sociedade, inimigos do clube e até mesmo de torcedores do clube rival. Já sentimos isto na pele, quando abrimos espaço para que Conselheiros se manifestassem em nossas Lives. Sofremos algumas represálias por nossa “audaciosa” maneira de nos posicionar, mesmo tendo sido aberto espaço para todo e qualquer Conselheiro ali se manifestar.
É ilegal? Acho que não. Mas tenho a certeza de que É IMORAL. Assim como é imoral que pessoas ou instituições vinculadas a membros do Conselho sejam credoras do Clube – quem empresta ao Atlético é o mesmo que aprova o orçamento, a prestação de contas e o balanço. Alguém imagina que haverá coragem para questionar se as taxas praticadas são abusivas ou não? Ou mesmo se os empréstimos foram necessários? Alguém imagina coragem para uma auditoria profunda nas contas do Clube?
Não se surpreendam se a “renovação” do Conselho – com incríveis 19 (dezenove) novos integrantes – levar à aprovação da venda do patrimônio do Clube. Não se surpreendam se este “novo” Conselho decidir pela venda do que o Atlético ainda possui do Diamond Mall. E mais, não se surpreendam se os compradores tiverem vínculos com alguma (s) da (s) família (s) que dominam o Conselho. Aliás, há mesmo uma corrente que afirma ser este o único e real objetivo desta eleição de cartas marcadas. Conseguir o apoio necessário para a tal “Mudança no Estatuto” do clube. Mas estas mudanças passarão longe de propor algo que indique uma abertura, uma democratização, ou mesmo uma profissionalização na gestão do clube. Segundo algumas pessoas disseram, a mudança no Estatuto teria como objetivo principal somente duas questões: Remunerar diretores e Presidente e abrir espaço para a venda do restante do shopping, com o discurso de que não há outra forma de sanear as finanças do clube. Dizem até, que uma consultoria foi contratada para fazer um estudo de viabilidade econômica do clube, onde se apontariam as saídas do buraco financeiro encontrado. Acontece que esta Consultoria parece ter sido impedida de fazer qualquer proposição de aumento de receitas. Ora! Se não há possibilidade de propor que novas receitas possam advir de outras fontes, restam de fato poucas ou nenhuma outra alternativa que não seja a venda de um patrimônio do clube, para pagar dívidas que nunca foram explicadas e muito menos auditadas, para se saber sua origem, necessidade e viabilidade ao clube.
Novamente: é ilegal? Acho que não. Mas é, certamente, IMORAL.
E a Massa continua silenciada e silenciosa. A Torcida continua quieta, esperando que “alguém” se apresente para mudar as coisas. Continuamos (e estou me incluindo) gritando nas redes sociais, reclamando de Diretorias pouco ou nada competentes, da “austeridade”, dos jogadores medianos, das dívidas… e esperamos um salvador, um herói que venha nos representar e mudar a situação. Alguns entendem que as torcidas organizadas devem assumir esse papel de questionar. Mas acredito que isto é apenas mais uma forma que temos, para transferir e repassar nossas responsabilidades. Cobramos das organizadas, aquilo que cada um teria como obrigação de ao menos buscar formas de fazer. E continuamos quietos, inertes e passivos.
Alguns clubes brasileiros iniciam um movimento para verdadeiramente envolver o torcedor em suas rotinas, entendem que sócio torcedor é sócio e, assim, pode votar e ser votado. Alguns clubes começam a entender e praticar a democracia. Enquanto isso, nas Minas Gerais, assistimos passivamente à apropriação de nossas instituições centenárias por grupos de interesse cujas práticas são, no mínimo, questionáveis. Mas não são estes que devem ser questionados ou temidos. Como afirmou Martin Luther King, “o que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”.
Acorda Massa!