Foto: Flickr oficial do Atlético
Por Max Pereira (@pretono46871088 @MaxGuaramax2012)
Refis, Profut, dívidas, crises, prejuízos, balanços e “balanços”, penhoras, salários atrasados e bloqueios são algumas das palavras e expressões que foram incorporadas ao vocabulário do futebol moderno.
Não sem razão, Pedro Daniel, diretor e sócio da Ernst & Young, parceira do Atlético, defendeu no Galo Business Day (veja aqui), que somente com uma gestão moderna e eficiente os clubes de futebol irão conseguir alcançar e manter o protagonismo do que ele chamou de indústria do futebol. Em um painel muito bem estruturado Pedro Daniel, dentre outros aspectos de igual relevância, destacou os desafios, as oportunidades e as transformações que já metamorfosearam o esporte bretão no Brasil e no mundo. O futebol hoje é um negócio multibilionário que vai muito além das quatro linhas.
E, se de um lado, os avanços tecnológicos e o perfil dos novos consumidores do “produto” são fatores que inevitavelmente interferem, para o bem e para o mal, na dinâmica e no sucesso de qualquer projeto esportivo, de outro e, por um conjunto de fatores que se conjugam natural e coercitivamente, é apropriado dizer que o futebol se tornou um sistema complexo e muito perverso para vários clubes, particularmente àquelas agremiações politicamente enfraquecidas, sufocadas por problemas financeiros graves e historicamente muito mal geridas como o Atlético.
Televisão (detentora dos direitos de transmissão), outros órgãos de imprensa, streamings modernos, plataformas inovadoras, entidades desportivas (FIFA, CBF, federações regionais), clubes, agentes, empresários, investidores, parceiros, políticos, patrocinadores e fornecedores de material esportivo compõem, com graus de influência e poder diferenciados, esse cada vez mais complexo e sofisticado sistema que, com tentáculos cada vez mais poderosos, a seu caráter e modo, vem metamorfoseado e redefinindo o futebol brasileiro, se utilizando com maestria da incúria, da mediocridade e da imprevidência dos dirigentes dos clubes brasileiros, os grandes responsáveis pelas gestões temerárias, pelas dívidas escorchantes e pelas intermináveis crises que vem solapando suas agremiações.
Por isso não canso de repetir que, se antigamente os jogadores eram os protagonistas do espetáculo, hoje em dia esses agentes estão roubando a cena.
Enquanto os clubes brasileiros em geral tentam driblar os seus problemas e alguns testam a sua capacidade de se blindar, esconder os dramas, não pagar seus credores e não sofrer nenhuma consequência por isso, o sistema futebol vem desenhando os contornos do esporte bretão no Brasil e, em escala mundial, em todo o planeta. Contando com uma passividade assustadora e deprimente da maioria absoluta de todos os envolvidos no negócio futebol, o sistema, por meio daqueles entes que o vem comandando, colocou uma espécie de camisa de força nos clubes, jogadores, treinadores, dirigentes e até em uma parcela significativa dos formadores de opinião, engessando parte da mídia segundo seus interesses.
Parece pouca coisa, mas o rígido controle sobre os atletas, até mesmo regrando como devem ou não comemorar os gols, o que podem ou não falar antes, durante e depois dos jogos e, pasmem, o que podem ou não fazer em suas folgas, exemplifica esse poder coercitivo e opressor que o sistema exerce sobre todos aqueles que militam no mundo do futebol.
Em escala variada, os treinadores e dirigentes sofrem pressão similar. E é claro que essa pressão se distribui em graus diferenciados, dependendo da importância política do clube, de sua capacidade de blindagem e da qualidade da sua interação com o sistema.
A televisão, fonte de receita imprescindível e essencial para todos os clubes, nos fornece um exemplo claro de como estes, ao frigir dos ovos, se comportam como marionetes do sistema, claro em níveis diferenciados, conforme a sua importância política, tamanho e grau de dependência das cotas televisivas.
E, por falar nisso, as transmissões televisivas vêm sofrendo mudanças, até bem pouco tempo absolutamente insuspeitas, de suma importância para os clubes. A Globo, por exemplo, já não reina mais neste universo e vê o que antes era exclusivo de sua grade ser hoje transmitido em outros canais e plataformas.
Aqui é preciso lembrar que a pandemia tem um papel decisivo nessas transformações, pois afetou terrivelmente todos os mercados, fazendo com que as receitas dos patrocinadores despencassem e, por tabela, os faturamentos dos próprios veículos de comunicação também diminuíssem. Assim, em razão dessa crise econômica que avassala o país, a Globo também se viu obrigada a se readequar.
Não é difícil imaginar que a capacidade da Globo e, dos demais veículos interessados no produto futebol, de garantir o nível atual das cotas de transmissão televisa está cada vez mais em xeque. Em consequência, a relação dos clubes com a televisão jamais será a mesma. E como ficam aqueles clubes que, a exemplo do Atlético, já se comprometeu com a Poderosa e já gastou tudo aquilo que a televisão já antecipou? Até 2024 a maioria absoluta dos clubes brasileiros, o Atlético é um deles, não tem como cavar mais receita nesse segmento no que se refere às transmissões das competições nacionais.
As emissoras de televisão, canais abertos e fechados, têm ainda, que se preocupar com um fenômeno que, de médio a longo prazo, fatalmente as afetará de modo definitivo e decisivo. Falo das outras plataformas, dos streamings, com o DAZN, MyCujoo, dentre outros. As televisões sabem que o futuro não é promissor. Afinal, concorrer com essas plataformas que têm em sua retaguarda gigantes estrangeiros é missão muito difícil, para não dizer inglória.
O sistema que rege o futebol brasileiro vinha privilegiando claramente Flamengo e Corinthians, via cotas de televisão e controle do mercado publicitário paulista, o maior do Brasil. Aliás, o único forte e pujante, vez que os mercados das outras praças, além de fracos, são, por vezes, viciados por interesses heterodoxos. Nos últimos anos o Palmeiras, cacifado por um investidor em particular, se imiscuiu nessa prateleira e acabou por quebrar de vez a hegemonia de Flamengo e Corinthians e subverter a chamada “espanholização” do futebol brasileiro.
O Atlético, por exemplo, vinha sendo jogado pelo sistema no terceiro escalão das receitas de transmissão televisa e com perspectivas de cair ainda mais nesse ranking. E, tudo isso, por ter perdido importância, força política e respeitabilidade ao longo dos anos. Os números mostrados pelo clube no evento do dia 23 explicitam o que aqui está sendo dito.
No Galo Business Day o representante da E & Y falou da importância das arenas e da capacidade de atração e interatividade destes espaços. E não é por outra razão que o Atlético tem apostado muito alto na Arena MRV, prevista para ser inaugurada, se não houver contratempos, no quarto trimestre de 2022.
Até a eclosão da pandemia da Covid-19, Palmeiras e Internacional eram os melhores exemplos de como ser superavitário com as suas arenas. Via de regra, as arenas brasileiras têm sido altamente deficitárias. O Athletico Paranaense, tido e havido como exemplo de gestão moderna e eficiente no futebol brasileiro, estava acumulando uma dívida significativa com a sua arena, drama com contornos que lembram o imbróglio do Corinthians em Itaquera e os problemas do Grêmio com o seu novo estádio.
O cenário pós-pandemia ainda não pode ser mensurado com exatidão. Muita agua vai passar debaixo da ponte. Por isso, hoje é absolutamente impossível garantir que a Arena MRV será autossustentável e superavitária. Se a Arena MRV vai ser de fato a redenção do clube só o futuro dirá.
Por outro lado, empresas estrangeiras, chinesas em especial, já vem a algum tempo, formatando parcerias com clubes médios e pequenos, mas relativamente enxutos e com baixo nível de endividamento. A ideia é transformá-los em clubes empresa. O América Mineiro já foi cogitado para este tipo de projeto.
A partir do momento em que essas parcerias se configurarem a correlação de forças entre os clubes brasileiros vai mudar radicalmente, vez que esse movimento irá produzir dentro de algum tempo transformações profundas no futebol brasileiro.
Mas, nem tudo são más notícias. O Bahia, por exemplo, inova na administração e aponta para os coirmãos que um futuro sem sustos e promissor é possível.
E, diante de tudo isso, como reagem e estão se preparando os clubes brasileiros? No geral, muito mal, obrigado. As dívidas dos clubes brasileiros, via de regra, atingem patamares estratosféricos. Ainda assim, muitos não poupam gastos de forma inconsequente e temerária. E o pior: não é possível apostar na veracidade dos números de seus balanços.
O retrato atual da capital lúdica do futebol brasileiro, o Rio de Janeiro, por exemplo, exibe, à exceção do Flamengo, uma decadência explícita e, por hora, irreversível. Os outros “grandes”, cada qual com suas especificidades e problemas, soçobram.
E como fica o Atlético em meio a este cenário perverso e hostil? Estará o Atlético, interna, organizacional e estruturalmente preparado para esse futuro que está sendo desenhado? Essas perguntas se desdobram em muitas outras. E, uma das tarefas de todo atleticano, é ir a fundo, buscar respondê-las e convergir os seus esforços na construção de um Atlético forte, vencedor, campeão e apto para enfrentar os desafios que terá pela frente.
Se nada for feito, o prognóstico sobre a saúde financeira e administrativa e o futuro do Atlético é muito ruim: queda de bilheteria, redução gradual da receita de sócios torcedores, queda do valor de mercado de seus atletas, dívidas e gastos crescentes, etc., etc., etc…
Como diz o companheiro Betinho Marques, o Galo Business Day deve ser recebido como uma carta de intenções. De boas intenções. Mas, apenas isso. Mesmo porque, na prática a teoria é outra.
Muito se fala em apoiar e em acreditar no projeto. Mas, para jogar junto, é preciso mais que apoiar e acreditar. É preciso acompanhar, vigiar, cobrar e participar. Ou seja, que os fóruns que o clube garante disponibilizar para que a sua massa torcedora possa sempre se inteirar de todo o processo, como o Portal de Transparência, sejam efetivamente construídos e disponibilizados.
Só assim será possível jogar junto, subverter a história e fazer o Atlético vencer o sistema.