Foto: Pedro Souza
Por Max Pereira, colaborador do Fala Galo, em Belo Horizonte
Essa frase de “São” Victor acariciou os corações dos milhões e milhões de atleticanos espalhados por esse “mundão” de meu Deus, como dizia a velha Zulmira, aquela emblemática torcedora do Galo que não entendia de futebol, mas tinha certeza de que aquele homem de preto (era assim e só assim que os árbitros na sua época se vestiam) era coisa do coisa ruim, como ela esbravejava antes, durante e depois dos jogos do Galo que embalavam o seu dia a dia e eram a razão do seu viver.
No artigo “REMINISCÊNCIAS EM PRETO E BRANCO: HISTÓRIAS, FATOS, MITOS, LENDAS, CAUSOS, CURIOSIDADES E MUITAS SAUDADES”, publicado em 7 de abril de 2020 aqui no Fala Galo, falei sobre o meu despertar atleticano e sobre os seres iluminados, ungidos dos céus, alguns fora das quatro linhas como o Mago uruguaio Dom Fleitas Soliche que comandou o time atleticano na década de 60 do século passado e outros que, dentro de campo, vestiram preto e branco e abençoaram a bola com o melhor de seu talento e dedicação. E o melhor de tudo, fazendo o Galo cantar alto e levando o nome do Mineiro a todos os continentes.
Não, não é apenas um artificio de semântica ou meras palavras vazias jogadas ao vento. No Atlético quem entra funcionário sai de fato torcedor. Dificilmente alguém que tenha dedicado parte de sua vida ou carreira ao atleticanismo sai impune. E o santo goleiro é apenas mais um em muitos e muitos outros.
E no artigo “MARCAS DE UMA PAIXÃO EM PRETO E BRANCO: HISTÓRIAS OU ESTÓRIAS? QUEM SABE?”, publicado em 14 de abril de 2020 também aqui no Fala Galo, contei histórias ou estórias de alguns atleticanos míticos e seguramente expressão maior de um sentimento de atleticanidade que só outro atleticano é capaz de entender e com eles se identificar, e narrei alguns episódios dos quais fui partícipe ou testemunha privilegiada. Causos que mostram como é o encanto da paixão. É algo que se faz e se desfaz. Dura segundos que parecem séculos. E a gente não esquece jamais.
A épica reta final da temporada passada que culminou com a conquista atleticana dos dois principais títulos brasileiros em disputa, Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil, e a emblemática eliminação na semifinal da libertadores depois de uma campanha espetacular e invicta, com direito à eliminar em sequência dos dois gigantes argentinos, Boca Juniors e River Plate, despertou, onde quer que esteja um atleticano, explosões de atleticanidade impar e deliciosamente curtidas por cada Galista apaixonado nesse mundão que tanto impressionava a velha Zulmira.
A apoteótica virada atleticana em plena Fonte Nova, diante de milhares de olhares baianos atônitos e de outros milhões de olhos atleticanos enlouquecidos, que garantiu ao Galo mais famoso e querido do mundo, o título de campeão brasileiro de 2022, levou Durvalino e o seu velho amigo de 50 anos, Juvenal, a protagonizarem às margens da Lagoa da Pampulha um surreal e emblemático encontro, poucas horas após o fim daquele jogo inesquecível.
O que ali aqueles dois homens da terceira idade fizeram e o porquê ali foram eu contei no artigo “EM BOM MINERÊS QUE TREM ‘BÃO’ SÔ!!, NÃO É MESMO DURVALINO?”, publicado em 4 de dezembro do ano mágico de 2021, no Blog CANTO DO GALO, Porta UAI, do guru alvinegro Eduardo de Ávila.
Apenas os atleticanos que fortuitamente passaram por ali naquele momento, ainda que não conhecessem toda a história que levou até ali aqueles dois senhores de cabeça branca e rostos marcados pela vida e os fez fazer o que fizeram, puderam compreender o que aqueles velhos atleticanos estavam sentindo. E, eu, ainda que não soubesse de suas histórias, seria capaz de definir aquela cena parafraseando o locutor João Guilherme: “Não é milagre e nem é maluco, é atleticanidade”.
Muitas vezes eu li e escutei, e nunca é demais lembrar, que o Atleticano precisa ser estudado. E já o foi. Teses antropológicas, cujo tema central era o torcedor do Atlético e sua paixão ímpar, já foram defendidas. Vale a pena pesquisar e ler.
Nesses meus mais de 60 (sessenta) anos de vida tive a sorte e o privilégio de conhecer atleticanos da gema, como eram chamados aqueles torcedores singulares e símbolos da atleticanidade mais pura e mais efervescente que a vã filosofia de quem não teve a sorte de nascer atleticano jamais poderá imaginar ou perceber e, muito menos, entender. Cresci entre atleticanos e em uma cidade que sempre respirou e transpirou atleticanidade.
Confesso que, ao falar sobre este sentimento que faz os galistas se identificarem e se verem uns nos outros, a se sentirem iguais, irmãos e jamais solitários, estejam onde estiverem, tenho um misto de alegria, carinho e aflição. Os dois primeiros sentimentos não precisam ser explicados. Sinto aflição por receio de esquecer alguém que entendo que precisa ser sempre lembrado, que, aliás, se tornaram imortal, tanto quanto é a atleticanidade. Mas, ainda assim, aqui vai mais uma singela homenagem a alguns atleticanos emblemáticos e históricos que, enquanto estiveram entre nós viveram suas vidas em preto e branco. Viveram o Atlético e nada mais importou.
Vitor Bastos e Júlio, o Mais Amigo, eternos comandantes da torcida e da Charanga do Galo, Capitão Estrela, Raimundo Suzano, Seu Raimundo Loyola, Dona Ifigênia, mãe do Marinho da Betânia, o velho Lindolfo, meu tio e padrinho, o velho tio João Coelho, Galo no coração, o velho e “pré-histórico” Kafunga, Gregório, meu vizinho na infância e na juventude e eterno massagista do Galo, Thibau, o prefeito que não foi, Dionísio da PX Galo e Seu Bartô, filho e pai tatuados em preto e branco, Seu Izalino, o velho Legume, Adelchi Ziller, o rábula atleticano, Walmir Pereira e Doutor Fábio Fonseca, eternos presidentes, Aníbal Goulart, que fez o canto do Galo soar poderoso na alvorada dos carnavais de Belo Horizonte, Cecivaldo Bentes, o Tite, Xico Antunes, Guará, o Perigo Louro, o craque Carlyle, o Trio Maldito, Said, Jairo e Mário de Castro, Zé do Monte, Carango, o lateral Campeão do Gelo e também meu vizinho na infância, Felipe e Daniela Prado que incendiaram as redes sócias nos últimos tempos com a sua paixão imensurável pelo Galo, meu velho e querido pai que me legou o DNA alvinegro, Lambreta, folclórica moradora de rua e personagem do celebre livro Hilda Furacão do grande atleticano e poeta da palavra, o saudoso Roberto Drummond que, assim, sintetizou a alma atleticana:
“Se durante uma tempestade, houver uma camisa preta e branca, pendurada em um varal, o atleticano torce contra o vento”. E, esteja onde estiver, o escritor e jornalista atleticano já percebeu que o vento perdeu.
Ah! Não poderia jamais me esquecer de Sempre, torcedor símbolo do Atlético. Deixei por último o torcedor que estava SEMPRE onde estivesse uma camisa preta e branca peleando.
Sempre foi quem escolheu o lugar que a torcida atleticana ocuparia no Mineirão quando o Gigante da Pampulha estava prestes a ser inaugurado. Escolheu exatamente aquele lugar frontal às antigas cabines de rádio e televisão. Questionado sobre o porquê ter escolhido aquele lugar causticado pelo sol, respondeu: “O atleticano fica e queima no sol, mas é fiel como a sombra”.
Não atoa Vicente Mota eternizou no hino mais bonito do mundo o verso que sintetiza o que é ser atleticano e o que o nosso torcedor símbolo sempre foi um exemplo vivo: Clube Atlético Mineiro, uma vez até morrer. E algo me diz que atleticanidade já ultrapassou as barreiras da morte. Afinal, quem foi que derrubou aquele atrevido atacante do Olímpia que ousou passar por São Victor e, com o gol escancarado, à sua disposição e sem nenhuma marcação, desabou no tapete verde do Mineirão e não marcou o gol que fatalmente daria o título daquela Libertadores de 2013 ao time paraguaio?