Coluna Preto no Branco: Liga, pra que te quero Liga?

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

 

Por Max Pereira (@pretono46871088 @MaxGuaramax2012)

Enquanto de um lado os clubes brasileiros se contorcem para enfrentar um calendário insano e irem avançando nas competições que disputam com o objetivo claro e prioritário, jamais negado, de amealharem os maiores prêmios destinados àqueles que nelas melhor pontuarem, de outro, eles continuam se movimentando nos bastidores para constituir a tal “Liga dos Clubes Profissionais do Brasil”, tão sonhada por muitos e, em particular, por aqueles que estão soçobrando sufocados por dívidas impagáveis, resultantes de décadas e décadas de gestões temerárias e caóticas.

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Estão à frente desta articulação, apenas e, tão somente, os clubes que, hoje, disputam as séries A e B do Brasileirão. Mas, o que poderia e deveria ser uma ideia redentora para o futebol brasileiro, sinaliza caminhos e desdobramentos preocupantes.

Nesta quinta-feira, dia 22, os clubes farão realizar uma videoconferência em substituição a um evento inicialmente previsto para ser um encontro presencial em Brasília, o que, se não houver qualquer imprevisto, deverá ocorrer em 9 de agosto próximo. A reunião virtual desta semana tem o objetivo de aproximar os presidentes dos clubes, já que a articulação da liga vai demandar entendimento entre eles. Em outras palavras, isto quer dizer que os clubes, apesar de alguns dirigentes estarem vendo algum tipo de aceleração no processo, ainda estão significativamente distantes em muitas questões e interesses. E, essas diferenças, de “per si”, podem, a qualquer momento, fazer ruir o projeto.

Dentro das perspectivas tratadas pelos dirigentes que estão à frente das articulações, há certa razão no otimismo demonstrado e, também, justifica um ajuste de rota, o que, efetivamente, trouxe uma mudança de cenário. No entendimento de vários dirigentes, o momento de ouvir apresentações de empresas/consórcios — como KPMG/TGA/Dream Factory e o bloco Zveiter, Fort e Magrath — foi equivocado. É que acabaram colocando a carroça à frente dos bois, uma vez que teriam cutucado o mercado antes mesmo que eles próprios tivessem definido quais trabalhos na Liga demandarão assessoria externa. De positivo, acreditam, ficou a certeza de que existe mesmo um mercado para a Liga, considerando que choveram ligações para oferta de serviços.

Mas, se são pródigos em informar tais “avanços” na constituição da Liga, são extremamente econômicos ao falar dos grandes desafios que a nova organização deverá arrostar não apenas para funcionar em nível de excelência, mas, também e fundamentalmente, até mesmo para simplesmente sair do papel.

O primeiro grande desafio é harmonizar interesses tão díspares, quanto os que acalentam os times chamados gigantes do futebol brasileiro e aqueles outros sustentados por equipes de menor peso, tradição e força político-econômica. Se entre os grandes já existem diferenças que, em um passado recente, provocaram a implosão do Clube dos 13, o que dizer de uma liga composta inicialmente por 40 clubes tão diferentes e com interesses tão distantes uns dos outros, ainda que as agruras financeiras, comuns a gregos e troianos, aparentemente os aproximem? A infeliz experiência da Liga Sul Minas, igualmente bombardeada pela diversidade de interesses, é outro exemplo a ser lembrado.

Aqui, recomendo a leitura da monografia “O FIM DO CLUBE DOS 13: COMO A REDE GLOBO CONTROLA O FUTEBOL BRASILEIRO”, de Danilo Fontanetti Christofoletti, que destrincha com maestria a implosão daquela que deveria ter sido a organização redentora do futebol brasileiro, mas que sucumbiu graças a uma ruptura entre os clubes brasileiros, demarcada por interesses heterodoxos em um negócio que movimenta bilhões e bilhões todos os anos.

Esse trabalho, segundo o autor, buscou mapear a participação de todos os atores envolvidos, separando os mesmos em grupos de estudos específicos, de acordo com suas similaridades e os papéis desempenhados por cada um deles, permitindo entender quais foram os caminhos que levaram a Rede Globo a possuir o monopólio dos direitos de transmissão do campeonato nacional até os dias atuais e, também, compreender as relações acerca do futebol, tanto em sua relação com a televisão, quanto com as esferas políticas brasileiras.

Para entender a complexidade do sistema futebol é preciso considerar os mais diversos atores que com ele interagem e o tornam uma indústria única e multifacetada. Ou seja, é preciso conhecer os diversos elementos extracampo, não menos importantes que os jogadores e os torcedores, tais como produtos licenciados, especulação imobiliária, principalmente em época de copa do mundo, com a construção das novas arenas, projetos sociais, projetos de marketing e mídia, aqui sendo utilizada por todas as plataformas: rádio, internet (plataformas digitais), jornal impresso e, especialmente, a televisão e, claro, os agentes, os empresários, os fornecedores de material esportivo e equipamentos do VAR, os patrocinadores, os investidores, os parceiros, etc., que gravitam no esporte e o influenciam, ainda que com graus de poder e ingerência diferenciados.

Neste cenário, contaminado pela recorrente má gestão e o crescer temerário do passivo, ainda que em níveis diferentes, fenômenos comuns a todos os clubes brasileiros sem exceção e onde é tolerada a imoral prática do doping financeiro e sequer há uma discussão séria sobre um fair play financeiro realmente efetivo e equalizador, os clubes, por óbvio, são afetados pela dinâmica dos mercados que interagem com a indústria do futebol, com pesos e consequências diferentes. Não há como negar que tudo isso seja um complicador para a constituição de qualquer liga que ouse representar e administrar com equidistância e equilíbrio interesses tão heterodoxos.

Os mercados publicitários de cada parte do país também desequilibram a balança negativamente para os clubes de sua região, vez que é impossível para todos eles, sem exceção, rivalizarem com o fortíssimo mercado paulista, o que dá às agremiações de São Paulo uma vantagem insuperável. Não tão forte quanto o mercado publicitário paulista, o mercado carioca se alimenta do fato do Rio de Janeiro ser a capital lúdica e histórica do futebol brasileiro e, também, abrigar as sedes da Globo e da CBF e isso, claro, dá aos clubes da antiga Guanabara um handicap considerável, ainda que geralmente muito mal aproveitado.

Movidos por uma necessidade comum de driblar os problemas financeiros criados pela histórica incúria de seus próprios dirigentes e premidos pela perspectiva cada vez mais real de insolvência de alguns dos chamados gigantes, os clubes, entendendo que a união faz a força, tentam catar os cacos da implosão do clube dos 13 e veem na constituição de uma Liga o pulo do gato para a sua redenção. E contam para isso com algumas leis que estão sendo aprovadas no Congresso Nacional.

Um fato é incontroverso na teoria que sustenta a ideia da formação de um liga de clubes profissionais. Deter o controle sobre os contratos de transmissão televisiva, dentre outros, é atingir um nível de poder jamais experimentado por qualquer clube brasileiro em sua plenitude, inclusive, por aqueles que historicamente sempre detiveram as maiores fatias das cotas deste segmento. E isso, por certo, incomoda a muita gente.

Mas, o que poderia ser de fato muito auspicioso pode ser um formidável tiro no pé também por ouras razões. Em seu artigo VIRADA DE MESA? LIGA RESGATARIA VASCO, BOTAFOGO E CRUZEIRO”, publicado em 2 de julho próximo passado no Portal Terra, o jornalista Silvio Barsetti trata de um tema polêmico que vem agitando os bastidores do grupo que pretende controlar as Séries A e B do Brasileirão.

Embora os dirigentes que estão à frente da articulação da embrionária liga nacional de clubes neguem a possibilidade de desrespeito ao critério técnico na composição dos 20 times da Série A para 2022, caso haja tempo de se organizar já no ano que vem o primeiro campeonato sob controle da entidade, segundo Barsetti, existe mesmo um burburinho de que Vasco, Botafogo e Cruzeiro, sob o pretexto casuístico de fortalecer a série A para alavancar melhores contratos e receitas, poderiam ser beneficiados com a volta para a elite em 2022 mesmo que não consigam isso em campo, o que configuraria uma nova e imoral virada de mesa no futebol brasileiro, ressuscitando prática que já foi corrente na história da principal competição esportiva do País.

Se não é difícil entender porque os clubes chamados grandes poderiam se unir, por meio da liga, para beneficiar seus pares que não conseguirem acesso à elite, também não é complicado perceber porque tratam do assunto com tamanha discrição e publicamente o negam até com alguma ênfase.

A situação quase irreversível de alguns clubes, que hoje pagam os seus pecados na série B com perspectivas ainda mais sombrias se dependerem do desempenho de suas equipes dentro de campo e que estão muito perto de experimentar um inédito e doloroso processo de refundação, os fazem e aos coirmãos simpáticos à virada de mesa, correrem contra o relógio.

Há ainda outras questões não respondidas e que causam muita preocupação. Como ficariam os campeonatos das séries C e D, uma vez que a liga, se criada, controlaria tão somente os campeonatos das séries A e B? Haveria acesso e rebaixamento entre as séries B e C, ou a liga seria um clube fechado e suas competições estanques? As punições da FIFA seriam desconsideradas? Se um dos grandes caísse para a série C dentro de campo ou fruto de alguma punição, isso seria desrespeitado? A exemplo do que os grandes clubes europeus tentaram fazer recentemente e não cosseguram graças a uma benfazeja e cívica reação de suas torcidas e da sociedade europeia como um todo, os grandes clubes brasileiros teriam cadeira cativa na nova série A?

Liga, pra que te quero liga? É uma pergunta cuja resposta pode conter o futuro do futebol brasileiro. E mais: não só os torcedores de todos os clubes brasileiros, grandes ou não, mas também todo o povo brasileiro deve exigir que seja uma resposta que não fira nenhum princípio ético e moral. Um mau começo sempre significa um caminho tortuoso e de consequências imprevisíveis.