Coluna Preto no Branco: Há risco de descontinuidade?

Foto: Flickr oficial do Atlético

 

Por Max Pereira (@pretono46871088 / @MaxGuaramax2012)

Sai presidente, entra presidente. Como nos alerta o jornalista Breno Galante o Atlético vive um momento de transição. Normal, portanto, o novo presidente querer mudar pessoas e trazer gente de sua confiança. Novo comando, novas ideias. Mas isso não significa desconsiderar determinados cuidados.

É fato que muitos torcedores estejam se mostrando bastante surpreendidos com a saída de Mattos. Ainda que tenha gente que nem se surpreendeu tanto assim, afinal rumores de saída deste ou daquele já estavam circulando aqui e ali desde o início de novembro, é mais do que compreensível que a nação atleticana em sua quase totalidade esteja bastante preocupada com tudo o que está acontecendo com o clube e sendo noticiado, embora algumas informações que estão surgindo careçam de confirmação e tenham conteúdo claramente panfletário.

O torcedor deve ou não confiar no que está sendo feito? Essa é uma das questões mais discutidas e repercutidas nas redes sociais. Confiar acriticamente me parece óbvio que não é inteligente e nem prudente. Além disso, se de um lado é direito do atleticano saber e conhecer tudo o que acontece com o seu clube de coração, de outro é obrigação e dever da instituição e de seus próceres zelar pela transparência, protegendo concomitantemente os segredos do negócio. E é aqui que o Atlético tem fracassado rotundamente ao longo de sua história.

Neste e em outros espaços venho defendendo que o Atlético precisa passar por uma profunda reformulação de conceitos e métodos no trato de sua gestão e, em particular do seu futebol em todas as suas dimensões. Por outro lado, a base parece evoluir e Júnior Chávare faz um trabalho que tende a mostrar frutos interessantes de médio a longo prazo.

Até 31 de dezembro passado a duvida de grande parte da massa era se o ex-presidente Sette Câmara estaria à altura dessa missão? Parece induvidoso que a grande maioria da torcida atleticana achava que não. Rei morto, rei posto, a duvida se transferiu integralmente para o novo mandatário e seu companheiro de chapa. E parece que a resposta permanece a mesma.

A overdose de entrevistas ruins, extemporâneas, equivocadas e ambíguas concedidas pelo novo presidente antes de sua posse contribuiu por gerar indesejável rejeição e preocupante desconfiança nos corações e mentes atleticanos. Sem dúvida um início ruim e temerário de mandato. As ruidosas entrevistas do ex-vice-presidente Lásaro Cunha também contribuíram para alimentar a insatisfação e a desconfiança de boa parcela da torcida. 

Mal explicadas e pessimamente contextualizadas as mudanças anunciadas trouxeram bastante preocupação para o mundo atleticano. Mudanças radicais podem trazer descontinuidade no que está funcionando bem.  O que mais preocupa é a base que inegavelmente evolui a olhos vistos e o novo presidente pareceu ou quis ignorar esse fato. Declarações infelizes e rumores trazem desconforto e minam o ambiente.

O que se espera minimamente de qualquer novo dirigente, além de equilíbrio e tirocínio, qualidades essenciais que quem quer que seja que se proponha a conduzir os destinos de qualquer entidade deve possuir e demonstrar, é que ele mostre também conhecer em profundidade os projetos em curso no clube e indique ter consciência de que mudanças açodadas e radicais podem gerar descontinuidade e trazer prejuízos muitas vezes irrecuperáveis.

Em uma das entrevistas que concedeu após ser confirmado presidente do Atlético, Sérgio Coelho falou em reestruturação total das categorias de base com foco especial na mudança conceitual na captação de jovens talentos. Mudança conceitual?

Vago e sem descer a detalhes o novo presidente não explicou de forma convincente quais seriam essas divergências conceituais e nem falou nada especificamente em relação a projetos vitoriosos que estão em curso na base atleticana como o DNA do Atlético e nem porque mudar o foco e as estratégias de capitação de jovens talentos. E o que mais tem preocupado a massa é exatamente a noticia de mudanças na base que, a olhos vistos, se organizou e decolou sob a batuta de Júnior Chávare.

Ainda sobre a base, Sérgio Coelho apenas compartilhou uma ideia contestável e preocupante sobre captação de garotos em idade que a legislação atual condena e até impõe restrições severas. Sobre isso sugiro a leitura do brilhante artigo “O BÁSICO DA BASE” do companheiro e mentor do Fala Galo Silas Gouveia que esgota esse tema com maestria. Visite a coluna do Silas. 

Sempre deixando duvidas e inquietações, Sérgio Coelho, ao mesmo tempo em que falou em gestão compartilhada, profissionalização e reforma do estatuto, também sinalizou uma volta ao passado marcado por gestões cartoriais e amadoras. Primeiro Mattos e depois Chávare tiveram suas gestões colocadas em cheque em meio a um disse me disse reprovável e desnecessário. Nas indefectíveis, porem ferinas redes sociais, muita gente se perguntou: por que profissionais desse quilate ameaçam o novo presidente?

Ainda que fatos concretos remetam à ideia de que o Atlético estaria de fato deixando para trás os tempos de governança cartorial, feudal e amadora, situações como essa evidenciam que a transição para uma gestão profissional e estratégica é, como não poderia ser diferente, um processo complexo, lento, de idas e vindas. Quem conhece minimamente os interiores do clube ou de qualquer outra organização com história e tradição similares sabe que qualquer mudança virá sempre acompanhada de rejeições, resistências, medos e conflitos.

Mudanças como as que já vinham sendo executadas, principalmente no ultimo ano do mandato anterior, e essas anunciadas até aqui pelo novo presidente significam cortar na própria carne, um procedimento doloroso, difícil, mas quase sempre necessário. Algumas coisas doem, mas são necessárias e, com o tempo, cicatrizam.

Mas, uma coisa é certa: a tão propalada transparência não passou no primeiro teste do novo mandato. À luz do que tem sido falado e do que não se tem dito, o risco da descontinuidade de projetos vitoriosos e de sérios prejuízos ao clube é imenso. Não há como não pensar diferente e em não se preocupar.

O atleticano tem sido bombardeado por uma serie de notícias e informações, boatos ou não, a maioria passível de averiguação e de confirmação sobre as motivações das mudanças anunciadas. Entretanto, independentemente da veracidade de tudo que tem sido veiculado pela imprensa tradicional e nas redes sociais, o problema maior do Atlético é a sua histórica e recorrente falta de transparência, associada a uma comunicação institucional deficiente, o que coloca em xeque todas as suas posições e decisões de seus dirigentes, novos e antigos.

Credibilidade não se compra. Adquire-se e inspira-se com transparência, comunicação institucional eficiente e firme, posições claras e oficiais e, óbvio, com a prática alinhada ao discurso.

Um dos maiores desafios da atual gestão é trabalhar de forma a tornar o clube uma referência de gestão de credibilidade e excelência. E não pensem que conseguirão isso em um abrir e fechar e olhos. Ainda que a gestão seja compartilhada, informal ou formalmente, são o presidente e o vice-presidente que estão e estarão sempre na linha de frente e serão cobrados. A partir de agora são eles a imagem do clube.

Assim, Sérgio Coelho e José Murilo Procópio têm uma tarefa adicional: espanar as desconfianças derivadas de suas experiências em gestões anteriores. Enfim, trabalhar para que a palavra do Atlético seja crível e respeitada tanto para os seus aficcionados, atletas e funcionários, quanto para os mais diversos atores que compõem o universo do futebol e das relações institucionais do clube.

Expressões hoje utilizadas à larga nas redes sociais do tipo “tem caroço debaixo deste angu”, “quais interesses esses caras tem?”, “Cambalacho?” têm que ser eliminadas do vocabulário de quem ouve ou lê alguma informação sobre o clube.

Credibilidade é um bem precioso. Em muito pouco tempo os mecenas não só conquistaram o carinho e o apreço dos torcedores atleticanos, como passaram a ser os guardiões da confiança e da esperança de um futuro pujante para o clube de seu coração. E ganharam essa gratidão e esse crédito com a massa porque, dentre outras coisas, sempre alimentaram o discurso de continuidade. E aí, o que de fato está sendo mudado e por quê? Cabe a eles também responder a esta questão, sob o risco de colocarem em xeque tudo aquilo que conquistaram até hoje e, porque não, o próprio projeto.

Muito se tem falado que o Atlético estava em queda livre, mergulhando em um buraco sem fundo e sem perspectiva de volta e que foram exatamente esses benfeitores que estenderam as mãos, salvaram o clube e o estão ajudando a se tornar sustentável no futuro. 

O erro e o acerto fazem parte da vida de todos e ninguém está livre de errar, inclusive os novos gestores do clube e os 4 erres. Se de um lado é inegável que existe um projeto para o Galo para os próximos anos, estarmos ou não no caminho certo vai depender das escolhas feitas e da capacidade e da habilidade para enxergar os desvios e fazer os ajustes necessários. 

Se há risco de descontinuidade naquilo tudo de bom e positivo que foi construído até agora, cabe aos novos dirigentes e aos mecenas responderem e, mais que isso, agirem para que não aconteça. E só o futuro nos dirá se eles estão acertando ou não. Quem viver verá.

Por ora, cabe ao atleticano vigiar e cobrar, depurando os fatos e separando o joio do trigo.