Foto: Pedro Souza
Por: Max Pereira
O Atlético chega a uma reta de final de temporada recheada de vários ingredientes. Armadilhas, algumas certezas, outras tantas incertezas, malas brancas, Fake News, arbitragens polêmicas, ações e omissões controversas do VAR, muita ansiedade e uma expectativa de títulos jamais vivida pela sua torcida nesses seus 113 anos de vida, dão o tom deste fim de temporada singular do Galo mais famoso do mundo.
O Glorioso percorre uma jornada sem par em sua história, registrando números e performances que justificam o otimismo de muitos e os sonhos de outros tantos. E, como não poderia ser diferente, os tropeços, normais e inevitáveis, repercutem no seio de sua torcida como um soco na boca do estômago.
Entre a agonia e o êxtase o torcedor atleticano vive cada jogo como se fosse o último de sua existência. Ora da agonia ao êxtase, ora do encanto a uma angústia que machuca, o galista vai de jogo a jogo cozendo a sua atleticanidade, acreditando, desafiando o vento, se apegando aos santos de sua devoção, por vezes mergulhado em carne viva em seu inferno astral, por vezes se deleitando no paraíso dos justos e vivendo intensamente, 24 horas por dia e minuto a minuto, esta reta final do Brasileirão e os momentos que antecedem aos jogos da final da Copa do Brasil.
Entre um jogo e outro, Cuca e o elenco atleticano vivem, talvez, a experiência mais densa que já experimentaram em suas carreiras. Afinal, uma série fatores se conjugam para tornar essa caminhada mais do que especial, quiçá única. Jogadores de origens e nacionalidades diversas se encontram, se conhecem e se unem em torno dos objetivos de um clube que há quase cinquenta anos busca ganhar pela segunda vez o título máximo do futebol brasileiro. Um elenco de peso é montado. Tão pesado quanto é o carma atleticano.
Entre jogadores consagrados no exterior que tentam pela vez primeira serem vitoriosos em seu próprio país e gringos com história consolidada em seus países de origem que também buscam reconhecimento e sucesso no futebol brasileiro, um grupo heterogêneo, parcialmente jovem, parcialmente maduro, se vê com a missão de dar ao torcedor atleticano um título que muitos, talvez a maioria de seus loucos aficcionados ainda não viram e, claro, não puderam comemorar.
E tudo isso em plena pandemia o que torna especial e diferente o entorno das competições, das relações intramuros dos clubes e das vidas de qualquer ser vivente racional, ainda que muitos insistam em negá-la ou aos seus efeitos nefastos. Os surtos que sacudiram ou ameaçaram a tranquilidade de vários clubes, as perdas de parentes e amigos, as mudanças forçadas de rotina e de comportamento, o uso de máscaras e o distanciamento social não têm como não impactar a cada um de nós e, claro, a cada jogador e a cada funcionário do clube, do porteiro ao presidente, ainda que as reações variem de pessoa para pessoa.
Cada ser humano passou a ser uma ameaça para quem quer que dele se aproxime. As máscaras que antes eram apenas adereços personalistas dos super-heróis das histórias em quadrinho e das telas que as usavam para proteger suas identidades e artifícios usados pelos vilões das histórias de ficção, pelos bandidos da vida real e por policiais em operações de risco para não serem identificados, se tornaram peças de uso obrigatório de qualquer cidadão/cidadã comum, uma segunda pele.
Se antes da eclosão da pandemia os seres humanos já criavam cada qual a sua própria máscara e se escondiam uns dos outros em armaduras, se defendendo de suas próprias fraquezas e medos, agora com as máscaras sanitárias passamos a conviver mais explícita e friamente com estranhos cada vez mais estranhos, mais distantes e menos calorosos. Como passar impune diante de tudo isso?
Não bastasse todo este contexto, o Atlético nessa corrida rumo ao título do Brasileirão fere diversos interesses do chamado eixo e do sistema que comanda o futebol brasileiro. E todo e qualquer adversário se torna naturalmente um aliado estratégico de quem se opõe aos interesses do Galo. Que o Atlético coloque as barbas de molho.
Já escrevi e defendi mais de uma vez que o futebol se tornou um negócio multibilionário e que o esporte bretão no Brasil está estruturado de forma perversa para a grande maioria dos clubes brasileiros, tal o abismo que se verifica entre as receitas de alguns poucos clubes, pouquíssimos mesmos, e aquela aferidas pela maioria absoluta das agremiações tupiniquins.
O fato de São Paulo ser a locomotiva do país e possuir de longe o mais forte e poderoso mercado publicitário do Brasil e o Rio de Janeiro ser a capital lúdica e histórica do futebol brasileiro, sede da CBF e da empresa que historicamente deteve até então os direitos de transmissão televisiva dos dois principais campeonatos nacionais, Brasileirão e Copa do Brasil, além dos principais campeonatos regionais, e possuir o segundo mercado publicitário brasileiro, dá a estes dois estados peso e poder desproporcional em relação aos outros centros.
Assim, ao passar por uma revolução de métodos e conceitos quanto à sua governança, organização e finanças, permitindo-se montar um elenco diferenciado, o que o torna candidato natural a ganhar todos os títulos que disputar e, em consequência, amealhar as melhores premiações e atrair os melhores contratos de patrocínio e as melhores parcerias, o Glorioso forçosamente desequilibra a correlação de forças existente, provoca uma redistribuição das quotas de transmissão televisiva e reconfigura o sistema, o que certamente desagrada, preocupa e incomoda a gregos e troianos.
Dizer, portanto, que o Atlético está mergulhado numa guerra cruel e que cada jogo é uma batalha não é mera figura de linguagem. Os inimigos jogam com tudo o que têm dentro e fora dos gramados. Nunca saber jogar o jogo dos bastidores foi tão importante. Reações protocolares são ineficazes.
À mulher de César nunca bastou ser honesta. Tinha que parecer honesta. Ao Atlético não basta se organizar e ser forte internamente. Tem que refletir externa e politicamente essa força e essa organização.
O que mais preocupa e incomoda aos adversários, rivais e ao próprio sistema não é a conquista em si dos títulos brasileiros ainda em disputa nesta temporada e, sim, o Atlético que está surgindo no horizonte. É o acordar de um gigante adormecido. É o despertar de um elefante que, até então, ou desconhecia, ou não acreditava, na força que tem e, por isso, achava natural alguns leões dominarem o selvagem futebol brasileiro e ele ser um mero coadjuvante, com direito de incidentalmente e apenas incidentalmente, abiscoitar um título ou outro.
Assim, é natural que este processo que agiganta o clube provoque críticas verborrágicas e agressivas, que faça com que as coisas não sejam fáceis para o Galo nem dentro e nem fora do campo, que o Atlético e sua torcida sofram ataques, que os tropeços sejam comemorados efusivamente pelos rivais e vivenciados com muito sofrimento e dor pelos atleticanos.
Esse Atlético que se prenuncia é assustador para muitos e deve ser combatido, derrotado, abortado. E, por isso, esse Atlético tem que entender que o próximo jogo não é apenas o mais importante. É sempre mais um degrau rumo ao primeiro lugar dos pódios em disputa. É sempre mais uma fonte de afirmação e de inspiração para a batalha seguinte. É sempre mais um obstáculo a ser removido, superado.
Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra, já escreveu o poeta maior que era mineiro e, segundo reza a lenda, atleticano.
O Atlético, comando, técnico e jogadores, têm que entender que as pedras sempre existirão e que o pulo do gato é saber que elas só serão superadas ou removidas com muito trabalho, foco e resiliência. Enfim, caminhando sem parar e sem esmorecer entre os espasmos de angustia e os momentos de deleite divino.
Massa, cabe entender que jogar junto é também resistir e caminhar entre a agonia e o êxtase sem desistir nunca.
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