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Coluna Preto no Branco: A base que a base não tem…

Foto: Flickr oficial do Atlético

 

 

Por Max Pereira / @pretono46871088 @MaxGuaramax2012

O Atlético divulgou a tão esperada e especulada lista de 50 jogadores inscritos para a fase de grupos de Libertadores. E, ainda que se esperasse que garotos egressos do extinto time de transição e do sub20 fossem relacionados, não é possível esconder a surpresa com a presença de determinados nomes, alguns deles certamente desconhecidos da grande maioria da massa atleticana, seja porque não acompanham em profundidade as categorias de base, seja porque vários deles estavam escondidos na equipe treinada por Leandro Zago que, por razoes que só acontecem no Atlético, nunca disputou um jogo sequer.

Nas redes sociais sempre pipocaram críticas em relação à base atleticana. A maioria desses questionamentos é costumeiramente direcionada para acusar a incapacidade da base para revelar talentos para o profissional sem, contudo, buscar e analisar as razões que, por ventura, estariam por trás dessa decantada deficiência.

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Entre os atleticanos mais antenados outra crítica vem ganhando corpo e se tornando um consenso, segundo a qual, enquanto o Atlético continuar mantendo relações no mínimo equivocadas com empresários e se mantiver refém de credores, negócios temerários irão continuar acontecendo indefinidamente diante dos olhos de uma torcida apaixonada, mas, por vezes, passiva, não reativa e, quase sempre, impotente.

Entre jovens promessas emprestadas de forma açodada e inconsequente e outras tantas negociadas em definitivo de forma prematura e temerária por razões mil ou dispensadas de forma nebulosa, vários garotos de inegável potencial vêm sendo jogados, ano após ano, em uma espécie de limbo dentro do próprio clube.

Limbo é uma palavra que vem do latim limbus, que significa basicamente margem, beira, borda, orla. No sentido informal, significa cair no esquecimento. É o lugar para onde se atiram as coisas inúteis. E, dentro do catolicismo, o termo serve para definir o local aonde almas, que não vão para o céu e nem para o purgatório ou inferno, ficam “à margem” da presença de Deus.

Ao longo dos anos, um sem número de garotos que emergiram da base atleticana e, por ventura, conseguiu permanecer algum tempo no clube foi, por diversas razões, marginalizado no profissional, seja porque o pessoal da base não se sentia mais responsável por eles, seja porque não foram recebidos com o cuidado e o carinho que lhes deveria ter sido dispensado.

Esse fenômeno indigesto, e que tem sido um corte ou um redefinidor cruel de várias carreiras promissoras, pode ser explicado, dentre outros fatores, pela indisponibilidade do treinador do momento de trabalhar com eles ou pela falta de critérios para lançá-los com parcimônia, cuidados e planejamento, seja porque alguns técnicos não gostam de trabalhar com jovens promessas, seja porque outros, se sentindo pressionados por uma campanha ruim ou pela ameaça iminente de perder o emprego, buscam se socorrer apenas dos chamados jogadores prontos.

As recorrentes crises atleticanas, a crônica descontinuidade dos trabalhos, as trocas equivocadas ou extemporâneas de treinadores e do comando da base e do profissional, sempre com perfis, valores e métodos inteiramente diferentes, a habitual falta de planejamento de elencos e a inexistência de uma política de transição das categorias de base para o profissional, vêm se constituindo, ao longo dos tempos, em um gargalo intransponível para muitos e muitos garotos que vão do céu ao limbo e depois descem ao fogo do inferno, frustrando suas expectativas de uma carreira sólida e vitoriosa.

Entra ano, sai ano, vários ex-atleticanos engrossam a tribo dos nômades do futebol, rodam o mundo e desenvolvem uma carreira obscura. Um deles, por exemplo, na última rodada do campeonato mineiro voltou às manchetes mundo afora por ter marcado um gol contra o rival azul a lá Saci, o mítico personagem de uma só perna do folclore brasileiro. Para quem não sabe o centroavante Paulo Henrique do Pouso Alegre é mais um entre centenas e centenas de garotos que passaram pela base atleticana e saíram por aí.

Sempre que há troca de comando mudanças importantes na base são sempre sinalizadas. E, a bem da justiça e da verdade, ainda que tenha apresentado resultados apenas embrionários, há que se reconhecer que a gestão Sette Câmara sacudiu a base atleticana de forma significativa e o trabalho que ali foi executado por Júnior Chávare merece ser destacado.

Enquanto o Atlético como sempre, se retorcia em suas tradicionais cirandas políticas internas, o passivo se avolumava, o futebol se ressentia da falta de um planejamento consistente, o ambiente interno por vezes se deteriorava e o time profissional claudicava nas competições que disputava, surgiram nos últimos tempos notícias alvissareiras como o inovador projeto DNA do Galo e o Centro de Inteligência do Galo, departamento estratégico para gerar conteúdo e monitorar o mercado em geral, de modo que o clube pudesse se disponibilizar de um banco de dados completo e dependesse menos de terceiros para desenvolver as suas ações de captação e contratação.

Salta aos olhos até do mais incauto dos observadores que é na base que se percebe que vinha sendo desenvolvido um trabalho de médio e longo prazos mais consistente e interessante. Quem acompanhou os jogos do Galinho nas várias divisões dessa categoria na temporada passada percebeu, além da notória a evolução dos times e do trabalho que lá vinha sendo desenvolvido, a qualidade e o potencial dos garotos.

Não atoa o belo desempenho no time alternativo de Lucas Gonçalves de garotos como o atacante Felipe, o meia atacante Echaporã, o meia julho César que, ao lado de Calebe e de Savinho, fizeram a torcida mudar radicalmente os seus conceitos sobre a base atleticana.

A chegada de novos profissionais como, por exemplo, o preparador de goleiros do sub-20 que impressionou pelo trabalho moderno e diferenciado, a estruturação de um apoio psicológico aos garotos e a criação de uma equipe de transição para o profissional, foram alguns dos pontos positivos que devem ser aplaudidos e tratados com carinho e cuidados para que não sejam interrompidos ou atropelados pela fatídica descontinuidade que caracteriza a história atleticana.

Se não há mal que sempre dure, no Atlético não há bem que resista a tantas idas e vindas. Independentemente de qualquer juízo de valor em relação às razoes trazidas a público pelo clube para justificar as suas demissões, as saídas de Rui Costa, Alexandre Mattos e júnior Chávare por certo interromperam projetos, o que sempre é um vetor de prejuízos.

E nunca mais se ouviu falar daqueles projetos. E, assim como o time sub-23 criado durante a gestão de Daniel Nepomuceno virou pó, o time de transição foi sumariamente extinto pela atual diretoria.

Esse time de transição, se bem trabalhado e estruturado, seria um ganho enorme para o clube, vez que viria possibilitar a vários jovens a maturação necessária para ascenderem ao profissional com chances reais de sucesso.

Por opção estratégica, quem mais recebeu atletas na temporada passada foi o sub-20, vários deles semi-prontos, formando assim um embrião para que a equipe de transição, caso atuasse em alguns jogos do Campeonato Mineiro de 2020 e, principalmente, no campeonato brasileiro de aspirantes promovido pela CBF, além de ser sparing do profissional em jogos treinos, burilasse esses garotos e os deixassem prontos para desafio do mundo profissional.

O projeto do time de transição, na verdade, foi falho desde sua origem porque o objetivo colimado a época pelo comando atleticano era o de formar uma equipe de jovens talentos para excursionarem no exterior, Europa de preferência, e, assim, atraírem ofertas para o seu futebol. Uma espécie de vitrine ambulante.

A pandemia frustrou essa ideia. E, pior, escancarou o fato de que o projeto do time de transição não tinha nenhuma base estrutural e financeira que o sustentasse. Essa é a razão de sua extinção e do êxodo de vários atletas, alguns dispensados, outros emprestados, outros devolvidos às categorias base por ainda terem idade compatível e outros mais vegetando no infernal limbo preto e branco.

O mínimo que se espera é que o clube esteja se estruturando para acompanhar cada um desses garotos, seja onde estiverem. Vez ou outra os ventos e os passarinhos nos trazem notícias alvissareiras de alguns deles. Bruninho, Guilherme Castilho e Terans são exemplos de que nem tudo está perdido.

Restam, ainda, algumas questões que merecem ser cuidadas ao extremo, sob pena de se tornarem problema e não solução. Falo do fascínio que propostas ou mesmo interesses noticiados de clubes do exterior em relação às crias da base acabam gerando e tumultuando ambiente, além de, por vezes, precipitar negócios mal feitos. Além disso, a conturbada situação financeira do clube sempre foi uma péssima conselheira dos dirigentes atleticanos que, premidos pelas dividas, sempre se esmeraram em fazer péssimos negócios.

Não atoa, o Atlético angariou a fama de ser um péssimo vendedor, talvez o pior do futebol brasileiro. Qualquer transação sem planejamento e conduzida apenas no crivo do emocional ou sob pressão de credores certamente trará prejuízos enormes para o clube

O exemplo recente do Flamengo, que teria negociado a preços nababescos jovens promessas de sua base, o que despertou a atenção de muita gente, fazendo com que muitos torcedores defendam, aqui e ali, que o Atlético mire o exemplo do rubro-negro carioca e também revele talentos para esse fim, tem que ser olhado com muito cuidado e, porque não, como uma lição a ser aprendida.

Para que esse caminho seja seguido com chances reais de êxito, é preciso levar em conta dois cuidados em especial. O primeiro, entender que a perspectiva de tais negócios não pode e nem deve prevalecer sobre a formação de elencos e times fortes e, nem tampouco, comprometer os resultados financeiros do clube, a favor de empresários, agentes, parceiros, credores, etc… E, o segundo, compreender que, somente com trabalho e planejamento, o Atlético conseguirá revelar talentos em número e qualidade suficiente para atender a todas essas expectativas.

Durante anos as trocas de comando no Atlético têm acontecido sem nenhuma preocupação com a continuidade de projetos e trabalhos que poderiam trazer resultados fantásticos para o clube. Os prejuízos que o clube tem acumulado em razão desse histórico são imensos.

Sonho com uma revolução de métodos e conceitos que, óbvia e certamente, saiba considerar, manter e potencializar o que de bom vem sendo feito, mensurar o que é preciso ser ajustado e o que de fato precisa ser expurgado da vida do clube.

Saiu Sette Câmara, assumiu, Sergio Coelho. E, como não poderia ser diferente, uma transição marcada por tensões políticas, ainda que o clube sinalize à larga que caminha em busca de uma gestão profissional e de excelência, só poderia levar o Atlético a amargar problemas e dificuldades, decorrentes das mudanças de enfoque no trato do futebol profissional e das categorias de base e, claro, das medidas disruptivas adotadas.

E um recado final: qualquer cobrança racional é válida, em particular aquela construída com um olhar crítico e holístico sobre o clube.

Mas, mais do que cobrar, conhecer em profundidade o clube é vital.