A Ana de 1 9×2 0
Por Silas Gouveia / Revisado por Jéssica Silva / Imagem: Daniel Teobaldo
Os anos da década de 20, foram considerados os “anos loucos” para os norte-americanos e, no Brasil, os anos das transformações políticas, sociais e culturais. Foi em 1922 que ocorreu a Semana da Arte Moderna, por exemplo. Ali começavam as manifestações contra a Velha República e tanto os artistas como grande parte da sociedade, incluindo parte dos militares, começaram a expor seus descontentamentos à supremacia dos “coronéis” que nada guardava relação à patente militar, mas tão somente ao seu poderio econômico e político junto à sociedade e às autoridades.
Foi também na década de 20 que chegou no Brasil o advento do rádio, ainda que muito pouco difundido, mas que teve seu vertiginoso crescimento e seu auge nas décadas seguintes, o que ajudou na interiorização das notícias, informações e também do divertimento. Famílias inteiras se reuniam ao redor de um rádio para escutar programas de auditórios, novelas e também os noticiários. A década de 20, proporcionou ao brasileiro pensar e se questionar quantos aos costumes, a sociedade, a tirania dos senhores das fazendas, ao sistema político e eleitoral do Brasil e ao desenvolvimento necessário ao país.
Este cenário parece ter sido criado sob medida para o nascimento de uma pessoa que certamente forjou seu espírito e sua alma nos conceitos de mudanças, rebeldia, firmeza e convicção de princípios, guardando sempre consigo o amor ao próximo e à família, a meiguice, a tolerância e a convicção de suas escolhas, assim como sua crença no divino. Conceitos e diretrizes que a ajudaram a crescer, estudar, lecionar, criar uma família numerosa e homogênea, tornando-se dela a fonte de inspiração e o porto seguro de todos. Mesmo que nunca tenha procurado agir como uma matriarca impositiva, sua figura foi se tornando o centro de tudo e de todos naturalmente, com seu exemplo, suas atitudes e sua forma doce e segura de se fazer presente, mesmo estando muitas vezes a quilômetros de distância de alguns de seus entes queridos.
Nascia, aos 08 dias do mês de julho de 1920, Ana Cândida de Oliveira Marques. Por seu nome raramente seria conhecida pela maioria da população, visto que também nunca foi adepta dos holofotes e da autopromoção. Mas esta senhora responde por uma alcunha que lhe rendeu grande visibilidade. Principalmente perante a uma nação de mais de 8 milhões de apaixonados. A vovó Ana, também responde ao apelido de “Vovó do Galo”! E a data, predestinadamente, nos remete ao terrível (para o rival) e fatídico placar de um jogo daquela mesma década, no ano de 1927, contra o Palestra, que à época nem era ainda nosso principal rival, que era o América. 1 9×2 0.
Esta pessoa, a qual tive o privilégio de conhecer pessoalmente recentemente, simplesmente me cativou, me apaixonou e me fez dela mais um neto, dentre tantos outros milhares que, com certeza também se sentem assim, acolhidos por sua imagem e sua postura inflexível quanto ao seu amor pelo Alvinegro. Mesmo os que não puderam ter o privilégio de conhecê-la pessoalmente, todos certamente têm na figura da Dona Ana a extensão amorosa da figura de uma avó muito querida e respeitada.
Esta pessoa, que cresceu e se criou no interior, dedicou a maior parte de sua vida em lecionar para os mais pobres, dando aulas nas escolas rurais de Minas Gerais, na região da Zona da Mata, nas proximidades do município de Rio Espera. E mesmo depois de aposentada, continuou dando aulas gratuitas aos mais necessitados. Nasceu em Rio Espera, mas nunca quis esperar muito que as coisas apenas acontecessem em sua vida. E assim, em 1949 mudou-se com seu querido esposo e atleta amador, torcedor fanático do Atlético, para Belo Horizonte. E desde então, já que não dependia mais tão somente do rádio para acompanhar sua paixão expressada de várias formas, passou a acompanhar de perto as rotinas e jogos do Clube Atlético Mineiro.
Esta senhora, que dedica grande parte de seu amor a um clube de futebol, não abandona e muito menos desmerece sua família, que sempre foi a razão principal de sua vida. A paixão pelo Galo ela usa também como um remédio contra os males trazidos pelo envelhecimento e contra um inimigo invisível que ataca todas as classes sociais e todas as idades: a depressão. Não existe, segundo ela, terapia melhor do que assistir aos jogos do Galo. E em sua sabedoria matriarcal, lembra que ganhar ou perder faz parte do esporte. Não gosta quando o Galo perde, é claro. Mas quando isto acontece, ela busca outro remédio infalível: sua inabalável fé em Deus. Reza para os jogadores e dirigentes, inclusive, para que eles tenham maturidade e sabedoria para suportar o fardo das derrotas, assim como têm saúde e disposição para comemorar as vitórias.
Esta senhora, que hoje completa 99 anos bem vividos, como gosta de frisar, é uma das cabeças mais lúcidas e coerentes com as quais já tive o prazer de conversar. Não conversamos somente sobre nossa paixão mútua. Impossível estar com ela e trocar algumas ideias sem falarmos de política, religião, desigualdades sociais, necessidade de avanços na educação e, principalmente, no amor ao próximo, que ela estende inclusive aos rivais. Não quer nada de mal a estes, até reza por muitos deles. Apenas quer que na maioria das vezes suas orações de conforto e pedido de amparo do Pai sejam dirigidas a eles e não aos nossos.

Falar sobre Dona Ana, nossa Vovó do Galo, é assunto ao menos para um livro. Mas este dom infelizmente eu não possuo. Certamente alguém da família um dia o fará, se já não o fizeram. Mas a Vovó do Galo nunca caberia apenas em palavras, frases, textos ou mesmo em livros ou enciclopédias. Nenhum documentário, escrito ou filmado, jamais conseguirá repassar o que é, foi e ainda será esta senhorinha de figura frágil e andar humilde, pois sua alma e seu caráter foram forjados com o mais duro e inflexível aço das nossas Minas Gerais, moldados na paixão e alegria de viver, espelhados e transmitidos pela forma mais forte e segura de se expressar, que á a “ateticanidade” de cada um de nós, pois só quem é atleticano sabe o que é isto. Provavelmente, grande parte deste sentimento tenha sido inspirado na figura desta mulher e em sua inabalável conduta ao acompanhar o Galo sempre!
Parabéns, Dona Ana! Parabéns, Vovó do Galo e de todos nós atleticanos. E apesar de a senhora ter me dito pessoalmente que não espera mais muitos anos de vida e que já viveu mais que o suficiente, que prefere a saúde e a felicidade de conviver com sua família, filhos, netos e todos mais, nós, Dona Ana, mas especialmente eu, desejamos ainda muita saúde, felicidades e anos prazerosos de vida com a gente. E viva a Vovó da Massa!
CONFIRA ENTREVISTA COM DONA ANA, A VOVÓ DO GALO: