A saga do balanço desaparecido: Conselheiros recebem oficio e balanço de 2019 segue sem previsão

Foto: Atlético

 

Prof Denílson Rocha 
08/05/2020 – 11h20
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Passado o prazo para publicação das demonstrações financeiras relativas ao ano de 2019, o Atlético é um dos poucos clubes da série A que não cumpriu com a obrigação. Como o balanço passou a ser assunto, especialmente em período de pandemia e quando todos estão procurando notícias dos clubes, os poucos clubes que deixaram de fazer a publicação passaram a ser cobrados. Não adiantou ter Lei Pelé, PROFUT, regras de Licenciamento de Clubes ou mesmo estatuto… Mais que a obrigação legal, existe o interesse público em relação às instituições. A não publicação do balanço de 2019 trouxe uma publicidade dispensável: a publicidade negativa. Figuramos na lista de clubes sabidamente caloteiros e/ou com extrema dificuldades financeiras. Péssimo para a imagem que o clube pretendia criar, de comprometimento com as mais corretas e atuais práticas de compliance. Bola fora da diretoria.

Primeiro oficio enviado aos Conselheiros

O roteiro para este atraso começou a ser montado em 13 de abril, quando foi cancelada a reunião do Conselho Deliberativo do Atlético prevista para avaliação do balanço relativo a 2019. Considerando a pandemia do COVID-19, era adequado que a reunião fosse cancelada e fossem buscadas alternativas para análise financeira. Na mesma nota que cancelava o encontro, a direção do Galo informava que os documentos da demonstração financeira seriam encaminhados ao Conselho Fiscal entre os dias 15 e 20 do mesmo mês de abril. Parecia, até ali, algo perfeitamente factível e justificável.

Porém, em 15 de abril, o presidente e o diretor de finanças enviaram comunicação à presidência do Conselho informando a impossibilidade do fechamento do balanço relativo a 2019 em função das medidas de isolamento social e, posteriormente, em razão da ausência da decisão a respeito da forma de contabilização da venda de parte do Shopping Diamond Mall. Daí, a presidência do Conselho demorou injustificados vinte dias para, em 06 de maio, encaminhar ofício aos conselheiros, informando da ausência das demonstrações financeiras (o conteúdo completo dos documentos está ao final deste artigo).  Ressalta-se que a inoperância da presidência do Conselho foi suficiente para permitir que o prazo para apresentação dos documentos contábeis fosse descumprido e não houve qualquer questionamento – inclusive de conselheiros – quanto as consequências do fato. Mesmo em tempos de pandemia, este comportamento omisso do Conselho também merece destaque, pois ninguém se manifestou.

Como anteriormente citado, publicar as demonstrações financeiras são obrigações definidas na Lei Pelé, no PROFUT, nas regras de Licenciamento de Clubes da CBF e no Estatuto do CAM. O “balanço” apresenta os dados financeiros da instituição em 31 de dezembro do ano encerrado, no caso, de 2019. Toda e qualquer instituição com organização mínima (mínima mesmo) consegue consolidar suas demonstrações contábeis durante o ano e apenas as transações realizadas nos últimos dias de dezembro ficam para registro nos primeiros dias do ano seguinte. Assim, consolidar os dados do balanço é, normalmente, tarefa que não deveria ultrapassar o mês de janeiro. Logo depois, as informações são encaminhadas para auditoria e, finalmente, para aprovação.

Para que se tenha como referência, o balanço de 2018 cita que o documento estava aprovado pela diretoria em 04 de abril de 2019; o balanço de 2017 estava aprovado em 23 de março de 2018 e o balanço de 2016 estava aprovado em 07 de abril de 2017. Notem que, em todos os anos anteriores, na primeira semana de abril estavam disponíveis as demonstrações contábeis consolidadas, auditadas e aprovadas.

Em 2019, a justificativa inicial para ausência dos documentos é a pandemia do COVID-19 e as medidas de isolamento social impediram a consolidação dos dados. Impressiona como a maioria dos demais clubes brasileiros conseguiu atender à lei, mas os funcionários do Galo estavam sob restrição, ainda que o decreto 17.297, que declarou situação de emergência em saúde pública no município de Belo Horizonte, tenha sido publicado somente em 17 de março de 2020. Ou seja, tiveram 75 (setenta e cinco!!!!) dias entre 02 de janeiro a 17 de março, mas ainda assim não foi tempo suficiente para consolidar os dados contábeis. Dois meses e meio para realização do trabalho e não foi concluído o trabalho.

Tinha uma pandemia no meio do caminho e uma pandemia é justificativa para tudo.

Quantos de nós continuamos trabalhando em regime de home office desde que as medidas de isolamento social foram adotadas? Quantas reuniões com uso da tecnologia? Quantos documentos compartilhados, analisados e quantas decisões tomadas? Não parece ser plausível justificar o atraso na publicação do balanço de 2019 por não ser possível realizar o trabalho contábil se os empregados não estiverem em seus devidos assentos na sede administrativa. Milhares de trabalhadores continuam com suas atividades em suas residências.

Acompanha a justificativa da não publicação do referido balanço, a decisão de como deveria ser registrada a venda de parte do patrimônio do clube, os 50,1% do shopping Diamond. Entretanto, no balanço relativo ao ano de 2017, as notas explicativas já registram que Em 18 de setembro de 2017 em reunião extraordinária do Conselho Deliberativo do Clube foi aprovado o projeto de construção do Estádio (Arena MRV), de suas respectivas fontes financeiras, da incorporação do bem ao patrimônio social, autorização prévia para celebração do contrato de construção e incorporação de arena esportiva, bem como das demais propostas contratuais que lhe dão viabilidade econômica: a) Cessão de 50,1% do Shopping Diamond Mall – R$ 250 milhões; b) Venda de cadeiras cativas – R$ 100 milhões; c) Venda dos naming rights – R$ 60 milhões. Nos dois anos posteriores a esta decisão, pela justificativa apresentada, ninguém teve a iniciativa de analisar como seria o registro contábil da venda. Dois anos (!!!) para avaliar como seria o registro contábil e ninguém fez a tarefa.

Ainda neste quesito, temos um outro ponto importante: o Atlético adota o regime de competência para registro de suas transações – isso está apontado em todos os balanços de anos anteriores. Neste modelo, o valor da venda é registrado contabilmente no momento em que é realizada a transação, ou seja, na assinatura do contrato de compra e venda, mesmo que o dinheiro venha a ser recebido posteriormente. Considerando, então, matéria do Globoesporte.com tratando da efetivação da venda de parcela do Shopping Diamond Mall em 20 de janeiro de 2020, o registro contábil NÃO entra no balanço de 2019 pois, como cita a reportagem, a transação foi efetivada apenas em 2020. Assim, os funcionários do Clube terão todo o ano de 2020 para discutir e decidir como será feito o registro contábil.

Como parece ter ficado muito claro, as justificativas da diretoria para toda esta situação, são absolutamente frágeis e insustentáveis.

Na falta de transparência e com as explicações infundadas, os boatos começam a surgir. Por que tanto segredo para divulgar os números? Abre-se inclusive espaço para questionamentos sobre a lisura de todo procedimento contábil do clube, quando sabemos que, em tese, não há o que se esconder. Some-se a isto o fato de o clube ter a consultoria de uma Big Four (termo para designar as maiores empresas de auditoria do mundo) e ser auditado externamente. De qualquer forma, a incompetência parece visível.

Deixar de publicar o balanço traz a possibilidade de punições tanto aos dirigentes quanto ao próprio Clube. Talvez apostando na inoperância dos órgãos fiscalizadores, de que estas punições nunca vêm, o Atlético parece não estar preocupado com elas. Parecem se espelhar no balanço irreal apresentado pelo rival no ano passado e mais de um ano depois não houve qualquer consequência.

Pior que ver o Atlético deixando de cumprir com as obrigações legais e com a transparência que a moralidade exige, é ver que as justificativas fúteis que são aceitas sem questionamento pelo Conselho Deliberativo. O clube merece mais atenção e responsabilidade! E a Massa merece mais respeito.