O resgate do Galo do povo
Foto: Reprodução Internet
Prof Denílson Rocha
12/06/2020 – 09h57
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Em entrevista ao Super.FC, retratada no artigo do jornalista Gabriel Pazini (veja aqui), o vice-presidente do Atlético, Lásaro Cândido da Cunha falou da elitização do futebol brasileiro e do desejo de “voltar a ter o torcedor atleticano de todas as categorias econômicas no estádio”. Para quem acompanha suas redes sociais e suas entrevistas, a fala não é surpresa. Afinal, o dirigente tem o hábito de defender valores humanistas, democráticos e sociais. Valores que fazem parte da história do Clube Atlético Mineiro, um clube verdadeiramente do povo – e nem precisa de faixa para autoafirmação.
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Para o vice-presidente, para trazer o torcedor pobre de volta ao estádio, seriam praticados ingressos com preços “populares”, em torno de R$ 15 para os setores de arquibancada, onde não haveria cadeiras, resgatando o ambiente que já existiu nos antigos estádios, como o Mineirão. É uma ideia já praticada, por exemplo, na arena do Grêmio e aproxima o torcedor de algo que era comum até a construção das novas arenas para a Copa do Mundo.
Para quem, como eu, cresceu no antigo Mineirão, sem cadeiras, com as arquibancadas e geral apenas no concreto, vem a sensação de nostalgia, como se fosse reviver uma fase tão especial da infância e adolescência. Naquele período, na arquibancada até dava para assentar, ainda que fosse um frequente “senta e levanta” a cada vez que a bola ia para o meio de campo (senta) ou para a área (levanta). Já a geral era um desafio para quem era tão pequeno. Assistir ao jogo em pé e em um nível abaixo do campo exigia um enorme esforço. Mas era o local que me “aceitava”, pobre, que ia a pé desde Venda Nova até o Mineirão para assistir a um time que tinha Reinaldo, Cerezo, Éder e muitos outros que ficaram marcados na minha memória e na história do Galo. Diversão boa e barata. A geral era, realmente, a “alegria do povo”.
A ideia do vice-presidente Lásaro é, então, importantíssima para que a Arena MRV seja a casa do Atleticano, a abrigo da Massa, o lugar do nosso acolhimento, nosso ponto de encontro. Se a proposta inicial foi apresentada, vamos nos permitir algumas considerações e sugestões para que se transforme em realidade e sucesso.
Primeiro, alguns poréns… O aumento no valor dos ingressos é uma realidade mundial, especialmente porque o futebol ficou caro. Aquele esporte romântico que fez parte da minha infância não existe mais. Outro ponto importante é a sustentabilidade da Arena MRV, conforme o plano de negócio. Há custos de manutenção do estádio e, ainda, para operação nos dias de jogo. Ainda é importante ressaltar que a inclusão do torcedor mais pobre deveria ser amplo, não restrito a apenas alguns setores. Mas, o mais importante, ingresso barato não é sinônimo de acesso dos pobres. Infelizmente, a oferta de ingressos baratos não seleciona quem vai comprar e, então, pessoas que teriam capacidade de comprar ingressos por preços mais adequados ao espetáculo acabam se apropriando daquilo que foi direcionado aos que tem restrições.
Quanto ao primeiro ponto, dos altos valores dos ingressos, é apenas uma estratégia do Clube. Uma decisão interna que pode, a qualquer momento, reduzir o valor dos ingressos, sabendo das consequências. O Atlético, atualmente, já tem uma arrecadação com bilheteria bastante baixa se comparada com Grêmio, Inter, Fortaleza ou Bahia – e nem se compara a Palmeiras ou Flamengo. A escolha do Clube é legítima e criará a necessidade de buscar outras fontes de receitas ou de reduzir os investimentos, inclusive no time. Escolhas!
A sustentabilidade da Arena é o segundo ponto importante, pois a receita de bilheteria compõe o plano de negócios e faz parte das previsões de recebimentos que permitirão pagar as contas. Se compararmos com o Mineirão ou o Independência, R$15 ficam muito próximos do custo de operação em dia de jogo. Mas uma arena própria tem outros custos. Ou seja, sequer paga a manutenção necessária a toda a Arena. Assim, ainda que os preços populares sejam praticados apenas em alguns setores, exigiria o aumento dos preços nos demais setores para equilibrar a conta. Alguém precisa pagar a conta.
Os preços populares sendo direcionados a alguns poucos setores nos trazem o terceiro ponto importante. A inclusão do torcedor mais pobre deveria ser ampla e irrestrita (conceitos que tenho certeza que o Dr. Lásaro compartilha). Ou seja, oferecer ingressos baratos apenas em alguns setores ainda manteria uma característica de diferenciação, de distanciamento, de exclusão. É preciso buscar alternativas que coloquem o torcedor pobre ao lado do nobre, que permita que todos possam estar em todos os lugares na Arena MRV.
Por fim, e mais importante, o ingresso por preço popular não escolhe comprador. Infelizmente, sabemos que várias destas boas intenções se perdem na apropriação indevida de diversas pessoas que se beneficiam de algo que não foi direcionado a elas – e a boa ideia não se mostra tão boa na prática. Nos diversos eventos que oferecem ingressos a preço popular, é comum ver pessoas com melhor condição financeira realizando a compra e se aproveitando do benefício enquanto o pobre continua excluído e sem acesso. Especialmente, ao direcionar o ingresso popular para setores que são, reconhecidamente, ocupados por torcidas organizadas (e nelas também há pobres e ricos), sabemos que haverá maior busca por estes setores e que dificilmente se cumprirá o desejo de estimular o acesso do mais pobre.
Como, então, transformar uma ideia tão importante em algo prático e que atenda, verdadeiramente, ao interesse de colocar o povão na Arena MRV?
Um bom exemplo está na iniciativa “Paysandu, alegria do povo”. O clube paraense cadastrou pessoas de baixa renda e passou a oferecer acesso gratuito aos jogos. Para ter acesso ao programa, o torcedor precisou apresentar comprovação de renda – o que, atualmente, poderia ser substituído pelo cadastro em programas de assistência governamental. A quantidade de ingressos ofertada era baseada na capacidade do estádio (Curuzu ou Mangueirão). Existe uma quantidade mínima, de forma que o programa esteja disponível em todos os jogos e não excluir nas decisões ou em jogos com maior apelo. Esta quantidade pode ser ampliada nos jogos com menor atratividade. Outro ponto, é buscar uma “rotatividade” entre os agraciados, ou seja, se não há espaço para atender a todos em todos os jogos, cria-se um modelo de revezamento para que todos possam ser beneficiados. E não existe um setor específico para este torcedor. Pode ser no lugar mais com ingresso mais barato, assim como pode ser no camarote disponível naquela data. O importante é estar presente. Presente, incluído… sócio GNV, categoria especialíssima, com carteirinha e identificação com o Galo, com a Massa.
Sugestões apresentadas, resta crer que, independente da forma, o Atlético busque resgatar sua essência de Clube do povo, plural, democrático e próximo da Massa. Que o desejo do Dr. Lásaro possa logo se tornar a realidade de todos nós.