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Momento de mudar pensamentos

 

 

Prof Denílson Rocha 
29/03/2020 – 21h45
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Há alguns anos deixei um bom emprego, reduzi a atuação docente e me uni a dois amigos para abrir uma consultoria de gestão. Estávamos, os três, há mais de duas décadas trabalhando em grandes empresas e acreditávamos ter algo a oferecer a instituições que buscavam se desenvolver ou mesmo superar dificuldades.

Logo nos primeiros dias, fomos convidados a auxiliar uma empresa que passava por graves problemas de gestão e tinha prejuízos seguidamente. Seus proprietários já estavam desesperados e falavam em fechar a empresa e demitir todos os empregados. Discutimos opções, cenários e estratégias para atuação. Acertado o caminho, obviamente precisaríamos acertar nossa remuneração. Oferecemos uma condição que julgávamos bastante razoável: somente passaríamos a receber quando a empresa voltasse a ter lucro e o valor seria um pequeno (bem pequeno mesmo) percentual sobre o resultado alcançado. Para nossa surpresa, os proprietários nos falaram que ganharíamos muito. Para eles, não importava que deixariam de ter prejuízo e passariam a ter substanciais lucros. Eles só tiveram olhos para o que nós poderíamos ter de remuneração.

Achei que era uma situação especial, única, atípica. Engano. Passamos por situações idênticas em outras empresas, ONG e clubes de futebol. Em todos ele, não importava que teriam excelentes resultados e ganhariam dinheiro. Importava o que o outro ganharia – mesmo que fosse muito menor que o próprio benefício. E ao desprezar que ambos poderiam ganhar, acabavam perdendo.

O atual momento nos traz algumas similaridades.

Talvez nem todos tenham consciência do tamanho do problema que enfrentamos. A última pandemia com alcance mundial foi da gripe espanhola, no início do século passado. De lá para cá, tivemos surtos, epidemias, contaminações, mas nunca com dimensão global. E as coisas mudaram muito. É a primeira vez que temos um mundo tão conectado, com tamanha interação e facilidade para ir de um país a outro e com tanta facilidade para contaminação. Se antes somente os ricos viajavam e outros países, hoje é bem mais acessível e boa parte da classe média já teve oportunidade de alguma viagem internacional. Realmente virou uma “aldeia global”, permitiu que um vírus atravessasse o mundo em poucos dias e colocou a todos em situação de risco. E as medidas para um momento tão complicado exigem mudança de posturas. Mas boa parte dos brasileiros, em especial no futebol, ainda não compreendeu isso.

Enquanto vemos atletas mantendo suas atividades isolados em casa, o brasileiro expõe nas redes sociais o seu “isolamento social” com o grupo de parças. Enquanto atletas fazem doações a hospitais e abrem mão de parte de seus salários, os brasileiros têm poucos exemplos de preocupação com o próximo (como Arana, que fez doação cestas básicas) e, especialmente, se recusam a reduzir seus vencimentos.

Quanto às doações e pensar no próximo, estamos vendo diversas iniciativas mundo afora. No Brasil, há doações de comida, material para higiene e limpeza, roupas…. Na maioria das vezes, vemos gente simples compartilhando o pouco que tem. Enquanto 11 milhões de famílias estão amontoadas em pequenas residências, o artista vai para suas redes sociais reclamar da quarentena em sua casa com piscina, academia, entretenimento… Doações? Nada. Muita fala bonita e pouca ação. Mas por que deveria falar que está doando? Não deveria ser uma ação espontânea, sem a vaidade de aparecer? Em princípio, sim. Mas precisamos de exemplos, bons exemplos que sirvam de estímulo aos outros para também fazer o bem.

Já os salários são uma outra grande discussão… eu, você e a maioria de nós precisa do salário para própria sobrevivência e para o sustento da família. Poucos de nós podem se dar ao luxo de ficar sem o salário. No futebol não é diferente. Mais de 95% dos atletas no Brasil ganham menos de R$ 5 mil por mês. A maioria destes vai ficar sem contrato até o final do mês de abril. A realidade de salários nababescos e luxo se reduz a poucos privilegiados que atuam em clubes que estão nas séries A e B (e nem são todos). E estes, mesmo sabendo que os clubes estão quebrados, recusaram a proposta de redução temporária de seus vencimentos.

É estar fora da realidade! É não compreender o que o mundo está passando! É preciso compreender que o momento requer soluções além do próprio umbigo.

Os poucos privilegiados que têm seus salários na casa das centenas de milhares de reais podem, sim, oferecer parte disso para compor um fundo direcionado ao sustento dos milhares de colegas de profissão que estão em situação de desespero. A CBF, cujo faturamento em 2019 ficou próximo de um bilhão de reais, tem a obrigação de direcionar parte desses recursos para socorro a clubes menores e a atletas em situação de risco. São medidas temporárias, mas essenciais.

Aos dirigentes e atletas que não conseguem compreender a gravidade da situação atual, é importante que saibam que o produto do futebol não é o atleta ou o clube, é a competição. É o conjunto! A noção de competitividade e concorrência no futebol é muito diferente dos demais setores econômicos. Não adianta o concorrente falir porque eu preciso de alguém para jogar contra. Não adianta ganhar sempre o mesmo, porque o torcedor (que é quem paga a conta) quer a emoção, a rivalidade, o clássico. Os campeonatos alemão, italiano e francês perderam sua atratividade porque um único clube virou hegemônico. Neste momento, muitos clubes brasileiros estão próximos de fechar as portas. E não adianta pensar em soluções individualizadas porque o problema é coletivo e a solução precisa ser coletiva. Também não adianta um novo PROFUT ou socorro governamental, que tem problemas muito maiores a enfrentar com milhares de pequenas empresas e milhões de empregos em risco. As soluções para o futebol precisam vir de quem está no futebol.

Se este espaço é dedicado ao Galo, é hora do Atlético, dirigentes e atletas, assumirem postura de liderança, de exemplo! Na noite deste domingo, a Presidência do Atlético decidiu, com base na lei vigente, fazer a redução em 25% nos salários de atletas e demais empregados. Não há dúvida de que várias pessoas, atletas ou não, ficaram insatisfeitos, ainda que poucos venham a declarar sua insatisfação. Porém, se houvesse consciência da gravidade do momento, não seria necessário tomar uma medida unilateral. Se o bom senso prevalecesse, haveria um acordo amplo que melhor atendesse a clubes e jogadores. Mas não houve disposição para negociar. Então, é preciso compreender a medida, por mais rigorosa que possa ser.

É hora de todos mostrarem que podem fazer sacrifícios por um bem maior. A Massa sempre se dedicou e se sacrificou para o Clube. É hora de um pouco de retribuição.

A pandemia vai acabar em breve. O futebol vai voltar em breve. As atitudes tomadas neste breve (mas histórico) período serão lembradas por muito tempo. Que Atleticanos – dirigentes, atletas e mesmo torcedores em melhor situação – possam mostrar a grandeza do Clube Atlético Mineiro.