Gestão de pessoas no futebol: Declarações do meia Nathan x Rafael Dudamel

Foto: Bruno Cantini

 

Prof Denílson Rocha 
10/04/2020 – 19h20
Clique e siga nosso Instagram
Clique e siga nosso Twitter
Clique e siga nosso YouTube

Clique e siga nosso Facebook

GRUPO DE NOTÍCIAS DO FALA GALO, CLIQUE AQUI:

A entrevista do meia Nathan, concedida à Rede Record, gerou bastante repercussão ao expor uma realidade que todos que conhecem o ambiente do futebol sabem existir, mas poucos tem coragem de falar. A entrevista, cujo conteúdo é vergonhoso, vexatório, se torna muito importante por mostrar a realidade do dia a dia do futebol no Brasil. Os muitos erros apresentados pelo atleta mostram que jogadores, técnico e direção do Galo – e da maioria do futebol brasileiro – compartilham de uma característica comum: a falta de gestão profissional.

Os jogadores do Atlético não são diferentes da maioria dos atletas brasileiros e da maioria de todos os brasileiros – ainda bem que existem pessoas que não vão se enquadrar nesse modelo. Reconhecendo as exceções, a maior parte dos jogadores brasileiros têm em sua cultura o “jeitinho” e a “lei de Gérson”. Organização, disciplina, ordem, hierarquia, regras… nada disso é valorizado. E o resultado é fácil de ser percebido. Os times europeus pagam valores muito mais elevados em jogadores chilenos, argentinos, uruguaios do que pagam em brasileiros. Por quê? Porque, segundo Nathan, “tem alguns jogadores que gostavam de fazer academia depois do treino. Acabava o treino, e queriam ir para a academia, mas não podiam, pois tinham que estar meio-dia no almoço”. O jogador não tem que fazer a academia depois do treino porque “gosta”. Tem que fazer quando a comissão técnica avalia que é mais adequado e que vai gerar melhor resultado. É para isso que existem médicos, fisiologistas, educadores físicos, preparadores físicos, fisioterapeutas e todo o grupo que compõe a comissão técnica de um time de futebol. O plano de trabalho para cada atleta é feito por pessoas que são pagas para estudar e oferecer o que há de melhor a cada um. O jogador precisa respeitar o conhecimento desta equipe.

 

Outra demonstração da falta de profissionalismo dos jogadores diz respeito aos esquemas táticos adotados. Segundo Nathan, “A gente era acostumado, era bitolado, a só fazer um esquema, só jogar de um jeito. Aí chega um técnico e quer que a gente jogue de outro jeito. Aí alguns jogadores já começam a não gostar, e o técnico gostava de bater de frente. ” A função do técnico é, dentre outras, justamente orientar quanto ao esquema de jogo, ao esquema técnico a ser adotado pela equipe. Se os jogadores não respeitam a orientação do treinador, para que serve o treinador? Melhor ficar como nós, peladeiros, que organizamos o time, distribuímos os coletes, entramos em campo e salve-se quem puder…

Hierarquia, cadeia de comando, ordem, organização… fica claro que os jogadores não conhecem e não tem interesse no que é isso. Mimados, supervalorizados, desrespeitosos… Não por acaso, vários não conseguem se adaptar ao futebol europeu e voltam ao Brasil, onde podem continuar com sua falta de profissionalismo.

O treinador também tem sua grande parcela de responsabilidade – e de incompetência. Qualquer profissional, ao assumir a direção de uma nova equipe, precisa conhecer a cultura daquele grupo, o que é valorizado e o que é recusado pelas pessoas, o que é aceito e o que não é aceito, quem são os líderes, quem são as pessoas, suas habilidades e competências. Se não consegue isso antecipadamente, é preciso de tempo para buscar esse conhecimento e, só então, ir implementando as suas ideias. Não respeitar a ordem vigente é pedir para ser boicotado e derrubado – não só no futebol, mas em qualquer área de atuação! Dudamel não soube e não quis fazer a leitura do ambiente onde estava chegando. Pagou pela arrogância.

Foto: Bruno Cantini

Pior, pagou por não compreender que o mundo mudou e achar que “manda quem pode, obedece quem tem juízo” ainda poderia vigorar. Esse tempo passou. Nas palavras do Nathan, “O Dudamel era um cara que às vezes queria muito mandar, mandar, mandar, deixava a gente trancado no CT e tal. Tem alguns jogadores que não gostam disso e acabavam ficando de saco cheio: ‘Pô, o cara quer mandar em tudo’”. Esse modelo de gestão baseado em “comando e controle”, teve origem no meio militar, mas já deixou de ser aceito em outros ambientes há muito tempo. As decisões continuam sendo responsabilidade do gestor, no caso do futebol, do técnico, mas ouvir, pedir opinião, ouvir sugestões, aceitar questionamentos e críticas, valorizar o conhecimento das pessoas da equipe e estimular a participação são vitais para qualquer gestor atualmente. Estimular, convencer, coordenar… liderar! Dudamel mostrou-se incompetente para esta função.

Também não podemos parar por aí… onde estavam os superiores imediatos? Onde estavam o gerente de futebol e o diretor de futebol? Se existem problemas na relação entre o técnico e o grupo, a função do gerente e do diretor é de intervir. O próprio Rui Costa explicou inúmeras vezes que o papel do diretor de futebol não é apenas de contratar ou dispensar jogadores. E tem razão! Era obrigação do gerente e do diretor de futebol observar como estavam os trabalhos e as relações no dia-a-dia, compreender o que estava funcionando ou não e tomar atitudes para que as coisas funcionassem adequadamente – inclusive, fazendo com que a hierarquia fosse respeitada. Com todo respeito que merece o ídolo Marques, não estava preparado para esta função e foi alçado ao cargo de gerente de futebol por sua relação com o Clube e com a torcida. Já o diretor de futebol, me surpreende que não tenha aprendido tais funções básicas em suas experiências anteriores.

Mais uma vez, a direção de futebol mostra que não teve competência para contratação de um técnico. Não conheciam o perfil do Dudamel? Não conheciam o perfil do grupo de jogadores? Não avaliaram se estes perfis distintos poderiam trazer problemas? Como é possível que façam a gestão de um grupo de “profissionais” sem avaliar comportamentos? Futebol não é feito apenas dentro de campo. Jogador de futebol não é avaliado apenas pelas condições físicas e técnicas. É essencial avaliar a capacidade de convivência em grupo e, à frente desse grupo, ter uma pessoa com respeito, legitimidade e competências. A gestão de futebol do Atlético mostrou sua incapacidade para buscar essa liderança e para gerir o grupo de jogadores. O resultado não surpreende a ninguém.

Quando falamos em gestão, as pessoas normalmente associam à parte financeira, aos números, lucros, prejuízos, orçamentos, balanços… Porém, gestão é muito mais que isso. Os cursos de Administração (não é administração de empresas!), como ciência humana (não é ciência exata!!), inclui conhecimentos em finanças, mas também em gestão da produção, logística, marketing, gestão da informação, tecnologia da informação contabilidade, direito e – para colocar tudo em prática – gestão de pessoas! Todas as ferramentas, todos os conhecimentos só são colocados em prática por pessoas. Muito provavelmente, a gestão de pessoas é a área da Administração mais frequentada pelos coaches quânticos, palestras motivacionais, líderes servidores, mágicos, milagreiros e todos os demais picaretas que habitam o mundo da gestão. Mas um negócio bilionário como é o futebol não pode ficar refém destes seres extraordinários. É preciso buscar profissionais qualificados em todas as áreas. Se estamos nos acostumando a discutir as finanças dos clubes de futebol, também é preciso discutir a gestão das pessoas. Que jogadores, comissão técnica e dirigentes usem do período de quarentena para se qualificar para a profissão que exercem. Só assim será possível falar em gestão profissional.