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Coluna Gestão Alvinegra: Um bilhão! E agora?

Foto: Reprodução Twitter

 

Por: Prof Denílson Rocha / @denilsonrocha

A “bomba” dos últimos dias foi a constatação que a dívida do Atlético deve ultrapassar a marca de um bilhão de reais. Se considerar que o Clube publicou balanço de 2019 com dívidas superiores a R$ 760 milhões e que o ano de 2020 foi marcado por uma profunda restruturação, já era previsível que haveria aumento nas dívidas. Não bastasse isso, a pandemia fez com que quase todos os clubes do mundo tivessem maiores dificuldades financeiras. Ou seja, só se surpreende com a dívida Atleticana quem ignorou as notícias de 2020.

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Discutir a origem deste volumoso endividamento é quase o mesmo de contar a história do Atlético. É difícil imaginar um momento na vitoriosa história do Galo que não houvesse dívidas e dificuldades financeiras. Desde que o Galo é Galo, existem dívidas. Só como exemplo, o PROFUT consolidou, em 2015, dívidas tributárias que os clubes brasileiros acumulavam há mais de uma década. Então, não adianta buscar culpados porque todos, sem exceção, que estiveram no Atlético nas últimas décadas tiveram alguma cota de responsabilidade – seja por ação, seja por omissão – frente a situação que encaramos agora. Sem fazer a caça às bruxas, melhor buscar soluções.

O primeiro aspecto necessário é de entender a verdadeira relevância deste valor devido. A dívida do Atlético, cujas informações preliminares falam em 1,2 bilhão de reais, representa algo pouco superior a 3 vezes o faturamento anual do Clube. Parece muito, mas vamos a uma analogia simples: imagine que você vá comprar um imóvel e buscou um financiamento bancário. Com sua renda de 10 mil reais mensais (120 mil reais por ano, excluídos 13º e férias), o sistema financeiro te disponibiliza um empréstimo com parcelas de até 3 mil reais mensais – comprometimento de 30% de sua renda. Com estas regras e um parcelamento em 360 meses, é possível captar 360 mil reais. Ou seja, 3 vezes sua renda anual. Milhares de famílias passam por isso no Brasil todos os meses. A maioria paga sua dívida. Então, temos que entender que a dívida do Atlético é gigante, mas que o prazo para o pagamento é tão importante quanto o valor da dívida. E ninguém tem, até o momento, certeza quanto ao prazo do pagamento das dívidas do Atlético. Somente o PROFUT tem prazos estabelecidos. Fica claro que, antes de qualquer desespero frente ao valor apresentado, que tenhamos consciência do prazo para o pagamento. E muito importante ganhar tempo para conseguir pagar as dívidas.

De qualquer maneira, o endividamento gera consequências. A primeira delas é a exigência de saber viver com o dinheiro que “sobrou” na conta. Se a renda é de 10 mil e a parcela da dívida de 3 mil, tem que aprender a viver com os 7 mil que restam. Esse é o dever de casa que não foi feito no Atlético. Só como exemplo, as demonstrações financeiras de 2019 mostram que, mesmo desconsiderando o pagamento de dívidas ou mesmo de encargos sobre estas dívidas, o Galo gastou mais do que arrecadou. Assim não tem jeito. A segunda consequência é conviver com restrições para novos financiamentos. Se você já comprometeu sua renda com uma dívida, fazer outra aumenta o risco de inadimplência. Aí, fica mais difícil encontrar quem tenha disposição para fazer os empréstimos ou, se encontrar alguém, as taxas aplicadas ficam mais altas. Não tem alternativa: precisa separar o dinheiro para pagar as parcelas da dívida e sobreviver com o que resta. Esse é o dever de casa que, parece, o Atlético vem buscando fazer. Está organizando processos, reduzindo salários e despesas para ser um Clube que vive com o que tem.

E dá para pagar uma dívida tão grande? Com toda certeza, SIM!

O primeiro passo foi dado com a redução dos custos. O segundo passo é ganhar tempo. Dívidas que já estão próximas do vencimento (ou até vencidas) precisam ser “alongadas”, isto é, jogadas para o futuro, se possível, parceladas em uma quantidade maior de meses, de maneira que os valores mensais fiquem menores e que seja possível cumprir com cada compromisso assumido. Para algumas destas dívidas, a forma de ganhar tempo é levar para uma discussão jurídica. Assim, vários dos processos na FIFA ou na justiça trabalhista são, apenas, para ganhar tempo para o pagamento. Porém, uma hora a conta chega de verdade e tem que pagar.

Para pagar, a venda do restante da propriedade do Diamond Mall é necessária? Depende!

Não existe uma resposta exata para isso porque depende da estratégia a ser aplicada para sanar as dívidas. Para começar, uma venda como esta não é simples. Além das aprovações no Conselho Deliberativo, é preciso encontrar quem quer comprar e pagar o valor que o Clube considera adequado. Se a primeira metade foi vendida por, aproximadamente, R$ 300 milhões de reais, conseguir o mesmo valor neste momento de pandemia pode não ser uma missão tão simples. A própria Multiplan estaria disposta a comprar o restante? Se sim, também precisa de suas aprovações internas e informações ao mercado – afinal, é uma empresa listada em bolsa e que precisa comunicar as opções de investimento. Desta maneira, supondo que a decisão de venda fosse tomada agora, até que seja colocada em prática e o dinheiro chegue ao caixa do Atlético, podemos esperar até 2022.

Aí vem outro ponto importante. Da dívida de R$ 1,2 bilhão de reais, R$ 350 milhões são débitos tributários, com a maior parte (ou sua totalidade) equacionada no PROFUT, com parcelamento em até 20 anos, com aplicação de taxa SELIC + 1% sobre o valor mensal. Então, não há muito o que fazer aí. Tem um acordo firmado e basta cumpri-lo. A segunda parte da dívida é com os empresários apoiadores, com algo próximo a 300 milhões de reais. Precisa ser paga, mas não gera preocupação frente à fala dos credores de não haver juros nem urgência para o pagamento. Ficaram, então, 550 milhões em empréstimos, dívidas com outros clubes e com atletas. Essa parte da dívida gera encargos (juros, multas) que, em 2019, chegaram a 37 milhões de reais. É para reduzir esse montante que seria destinado o valor de uma eventual venda do patrimônio.

Não precisa de muita matemática para mostrar que R$ 300 milhões de uma venda não seriam suficientes para pagar R$ 550 milhões de dívidas. Também é bastante simples compreender que, com o dinheiro na mão, é mais fácil negociar um desconto com os credores. Daí a imaginar que os credores darão, em média, 45% de desconto na dívida já é esperar demais. Simplificando, mesmo negociando e conseguindo descontos, R$ 300 milhões não são suficientes para pagar os R$ 550 milhões de dívidas relativas a empréstimos, dívidas com outros clubes e atletas. Com bastante capacidade de negociação e boa vontade, podemos esperar uma sobra de uns R$ 200 milhões para serem pagos. E essa parcela ainda vai ter juros e, um efeito extra, deixaremos de ter a renda que o shopping gera para o clube, algo próximo a 10 milhões anuais.

Resumindo, se a opção for a venda do Diamond Mall, a dívida pode ser reduzida de R$ 1,2 bilhão para R$ 850 milhões, reduziremos os juros pagos anualmente, mas também deixaremos de receber a receita patrimonial.

E aí aparece um ponto importante: em 2030 – parece longe, mas é logo ali –, a participação do Atlético no Diamond Mall passa a 49,9%. Isso implica dizer que as receitas patrimoniais podem ultrapassar a marca de R$ 50 milhões por ano, conforme previsões da própria operadora do empreendimento. Vale abrir mão da receita futura com a venda imediata para quitar as dívidas? Depende da capacidade de sobreviver no curto prazo. Não adianta pensar no jantar maravilhoso do final do ano se não tiver o do almoço de hoje.

Existe alguma alternativa? Também depende.

Depende da boa vontade dos credores para alongar os prazos para o pagamento e depende do esforço do próprio Atlético para aumentar suas receitas – detalhe, aumentar MUITO. Como se faz isso? Com melhores colocações nos torneios que disputa, com ampliação do Galo na Veia, com bilheteria (quando a pandemia permitir), com venda de atletas (em especial, os formados na base), com oferta de produtos e serviços do Clube… Nesse caso, o Galo mostra evolução na captação e formação na base, além de estar atento com a contratação de dois profissionais reconhecidamente qualificados para gestão comercial e para inovação.

Então, em números, o que estas duas alternativas nos apresentam?

Para simulação ter sentido, vamos considerar que todos os gastos do Clube se manteriam nos mesmos patamares próximos ao realizado entre 2016 e 2018, com 275 milhões por ano. Além disso, o Atlético precisaria gerar R$ 90 milhões paga pagar as dívidas em 2021 (não dá para vender o shopping ainda neste ano) e 150 milhões por ano a partir de 2022, e, obviamente, não contrair novas dívidas. Com estas premissas, temos que:

  1. Com a venda do shopping, o Atlético precisaria aumentar suas receitas para R$ 365 milhões em 2021 e para R$ 425 milhões a partir de 2022, sem ter disponibilidade do que atualmente obtém do patrimônio. A dívida seria paga até 2029, inclusive com antecipação do PROFUT.
  2. Sem a venda do shopping, o Atlético precisaria aumentar suas receitas para R$ 365 milhões em 2021 e para R$ 418 milhões a partir de 2022. A partir de 2030 passa a contar com, aproximadamente, R$ 50 milhões de receitas do shopping, e dívida seria paga até 2033.

São apenas duas alternativas sendo tratadas de maneira bastante superficial. Há outras? Certamente!

No meio desta história existe um fator que pode alterar profundamente o plano para redução do endividamento. Os contratos de transmissão esportiva têm validade até 2024. Depois, novos contratos PODEM (não há certeza) ter valores melhores e, como ocorreu na última renovação, permitir recebimentos como “luvas”. São receitas que permitiriam colocar a casa em ordem muito mais cedo.

Em resumo, a dívida está aí e precisa ser paga. Os credores querem receber e, certamente, tem interesse em acordos que garantam o recebimento. O Atlético precisa colocar a casa em ordem para garantir a própria sobrevivência. Assim como a dívida não surgiu em poucos anos, também não será paga rapidamente. O sacrifício é enorme e todos precisam contribuir para uma solução, inclusive a torcida, consumindo os produtos do Clube. Depois, que o estatuto seja revisto para garantir que tal situação não volte a acontecer. O Atlético precisa ser protegido dos gestores incompetentes.

A realidade está apresentada e não adianta fugir. Agora, é assumir os erros, buscar soluções e trabalhar bastante. Só assim para recuperar a condição financeira do Atlético e garantir seu futuro gigante.