Foto: Reprodução / WhatsApp
Prof Denílson Rocha
24/09/2020 – 14h51
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Finalmente, o Atlético parece começar uma semana com tranquilidade. Vitória (mais uma vez suada), liderança no Brasileirão, apoio do torcedor, tempo para treinar, os concorrentes envolvidos em outras competições e até o caso contra o Cone está próximo do final. Nestes momentos de (aparente) calmaria, o Galo tem um verdadeiro dom de criar as próprias crises, encontrando problemas onde não precisaria existir, como vimos na última semana.
Temos a certeza de que logo aparecerão as falas “a situação já foi resolvida, é passado. Vamos esquecer disso”. Realmente, os deslizes já fazem parte do passado e não devemos ficar remoendo questões superadas. Não podemos ficar mexendo em algo que não afeta mais o nosso bom momento – dizem que quanto mais mexe em m… mais fede. Só não podemos esquecer. Afinal, devemos aprender com os erros para que não voltem a acontecer. Então, sem reabrir feridas, sem sofrimento ou sem buscar crises inexistentes, o que podemos aprender com nossa semana turbulenta?
Todos sabemos que o Atlético ainda está em busca de peças para completar e qualificar o elenco, pensando em, no mínimo, voltar a disputar a Copa Libertadores. Também sabemos que o nosso treinador é exigente e “pidão” – sempre exigindo mais contratações e melhor desempenho. E essa busca por reforços nos levou a duas situações complexas que mostram como o futebol não é feito apenas dentro das quatro linhas. Aquela fase do jogador de futebol, “boleiro”, acabou. Agora, o profissional do futebol precisa, além da habilidade, se preocupar com o físico, com a tática, com o comportamento extracampo, com a imagem. E as duas situações no Galo foram exemplares.
O primeiro caso foi de um amadorismo assustador. Desnecessário lembrar do comportamento pouco profissional do jogador (que sequer merece ter seu nome citado). E não é apenas pela passagem pelo rival local. A carreira desta pessoa foi marcada por polêmicas, processos e por desrespeito até mesmo aos clubes foi tratado como ídolo. Em relação ao Atlético, então, as atitudes passaram de qualquer limite razoável, com momentos que não seriam aceitos sequer entre os torcedores. Se as brincadeiras e a zoação fazem parte do futebol, as ofensas não deveriam ser normais, especialmente para quem se coloca como um profissional do setor. Ou seja, é um perfil que não deveria ter mais espaço no futebol profissional, mas ainda consegue se manter porque encontra, especialmente no Brasil, clubes geridos de forma amadora.
O que mais assusta no caso é a simples possibilidade de trazer alguém com esse perfil para jogar no Atlético. Analista de desempenho, auxiliares, treinador, supervisor, coordenador, gerente, diretor, presidente… é gente demais na hierarquia aceitando – e poucos “botando a cara” para dar alguma resposta, inclusive em relação à absurda notificação extra-judicial. E a postura da torcida foi suficiente para gerar um amplo debate quanto à postura dos profissionais do futebol, mostrando o histórico da pessoa envolvida no caso e, também, diversas outras situações similares. O diretor de futebol afirmou que serviu como aprendizado. E esperamos que seja aprendizado para toda diretoria e, inclusive, para orientação desde as categorias de base para que compreendam como as falas e atitudes podem comprometer a carreira.
O segundo caso é ainda mais complexo. Violência é SEMPRE violência. Não é mimimi, não é politicamente correto, não é frescura… é violência. Não pode ser menosprezada, não pode ser minimizada, não pode ser vista como normal. Então, o caso em questão é bastante grave e requer apuração, julgamento pelos órgãos competentes e, comprovada a agressão, punição exemplar. E aí que aparece a complexidade do caso: estas etapas não foram concluídas, seja pela necessidade de apuração, seja pela morosidade do sistema judiciário (tal lá, quanto cá).
E aí, o tribunal da opinião pública e das redes sociais rapidamente fez seus julgamentos. Por um lado, os que consideram, corretamente, que não se pode punir antes da condenação no Judiciário, pois já vimos equívocos (lembremos sempre do caso da Escola Base). Por outro lado, os que entendem, também corretamente, que não se pode desprezar o que a vítima mostrou e colocá-la em dúvida é ampliar seu sofrimento – e quantas pessoas carregam seus traumas, culpas e até vergonha após serem vítimas de ações violentas e não receberem o devido apoio, suporte e socorro. Tamanha complexidade não pode ser debatida de forma tão superficial por nós (amadores), que não temos acesso às investigações e colocamos a paixão pelo futebol como uma variável para aceitar ou deixar de aceitar determinadas atitudes. Ou seja, não somos nós que vamos absolver ou condenar. Nem o Clube.
Mas, dai, vem um novo aprendizado para instituição Atlético. O papel do Clube é avaliar cuidadosamente o histórico do atleta – não só o desempenho em campo, mas, cada vez mais, seu comportamento extra-campo e como suas falas, comportamentos e valores éticos estão adequados ao que o Clube acredita e busca colocar em prática. O atleta é imagem e representação do clube. Se não tem um comportamento aceitável, compromete a imagem do clube. Se antes aceitávamos qualquer pessoa porque não está contratando “para casar com minha filha”, agora temos a consciência de que não existe uma “chave” que liga ou desliga e separa o jogador de futebol (campo) das demais partes da vida (extra-campo). Quantos habilidosos jogadores brasileiros foram para clubes europeus e “não se adaptaram”? Quantos habilidosos jogadores brasileiros deixaram de ir para os grandes clubes europeus porque não tem um comportamento profissional adequado? Quantos habilidosos jogadores não chegam aos grandes clubes porque sua imagem é incompatível com o que o clube defende? É preciso aprender, então, a contratar não apenas o talento do futebol, mas, também, o caráter, o exemplo.
Novamente, temos a certeza de que alguns dirão para esquecermos estes assuntos e voltarmos a falar do futebol e valorizar o bom momento que estamos vivendo. Tem certa razão. Não podemos ficar remoendo os problemas. É preciso entender que as situações já fazem parte do passado. Ainda assim, os episódios mostram que o Atlético ainda precisa evoluir bastante na profissionalização – não só administrativa, mas também no futebol. Seguir em frente não é esquecer o que passamos. Não vamos apagar o passado. Ao contrário, deveríamos, cada vez mais, conhecer nossa história (acertos e erros) para nosso próprio aprendizado. Precisamos valorizar nossos títulos, valorizar nossas conquistas, valorizar nossos ídolos. Também precisamos reconhecer nossos erros para que não voltemos a cometê-los. É preciso mais cuidado, discernimento e, especialmente, respeito à imagem e à história do Clube Atlético Mineiro. Mais uma vez, o futebol não se resume ao campo. Que fique o aprendizado e possamos voltar a curtir o jogo, a vitória, a liderança e, em breve, mais um título.