Por Silas Gouveia
Como havíamos proposto em nossas redes sociais, O Fala Galo irá iniciar com este texto uma série de “textos debates” sobre alguns temas que têm repercutido muito em todos os meios de futebol e que geram acalorados debates, sem contudo produzir algo que se possa servir de base a uma discussão ou apresentação de ideias e propostas que tenham embasamento, para que os gestores de futebol possam ao menos se debruçar sobre elas e abrir espaço para a participação do torcedor em temas de relevada importância para todos. Este primeiro texto, que tem como tema o programa de sócio torcedor, tem a finalidade de trazer alguns dados e informações que possam servir de parâmetro na elaboração dos textos seguintes sobre o mesmo tema, facilitando assim alguns entendimentos comuns. A partir da publicação deste, todos os demais poderão fazer referências aos conceitos e informações aqui levantadas para direcionar melhor os assuntos e tornar estes textos mais objetivos e resumidos.
Para efeitos de um melhor entendimento é bom esclarecer que, pelo menos no futebol, a Europa e seus clubes foram os pioneiros na implantação de um modelo de relacionamento com seus torcedores, que acabou tendo aqui no Brasil a designação de sócio-torcedor. Entretanto, este é um nome que costuma guardar pouca relação com o que de fato tem representado este programa de relacionamento clube-torcedor, visto que pouquíssimos clubes permitem a participação destes associados nas assembleias e decisões administrativas dos mesmos.
Na Bundesliga (a primeira liga alemã de futebol), desde 1998 uma regra administrativa adotada pelos clubes garante que as ações dos times sejam controladas majoritariamente por seus torcedores. Investidores privados até podem participar, porém, eles precisam deter até 49% deste total. Daí o nome desta regra ser “50 + 1”. No caso em questão, as empresas privadas acionistas do Bayern são a Allianz, Adidas e a Audi, que dividem 25% do total das ações.
Para que se possa medir o tamanho do sucesso administrativo que se tornou o clube Bávaro, em 2005 o Bayern teve de recorrer a um empréstimo de 346 milhões de euros para a construção de sua arena, em um planejamento de pagar esta dívida em 25 anos, ou seja, em 2030. Mas com o bom desempenho em campo do clube e as excelentes receitas obtidas, foi possível antecipar o pagamento desta dívida em 16 anos. Ou seja, todo o empréstimo foi pago em apenas nove anos.
Como este modelo de sócio-torcedor precisava ser adequado para os padrões sul-americanos e, em especial ao padrão dos torcedores e clubes brasileiros, este conceito sofreu profundas mudanças de conceituação. E para isto foram necessárias não somente relativizar sobre o padrão aquisitivo da população brasileira, mas também se adequar às diversas necessidades ou demandas de diferentes regiões e clubes, país afora. De acordo com recentes pesquisas realizadas por institutos que buscam municiar não somente os próprios clubes, mas também aos possíveis investidores, a relevância de atributos que os torcedores dão aos programas de sócios torcedores é, segundo reportagem de Rodrigo Capelo ainda em 2015 pela revista Época, bastante diferente da que inicialmente se imaginava.
Grau de relevância para torcedores brasileiros para o sócio-torcedor:
1º Desconto nos ingressos;
2º Prioridade de compra dos ingressos;
3º Direito a voto nas eleições do clube;
4º Desconto no estádio (alimentação, estacionamento etc.);
5º Kit de boas-vindas (com uniforme);
6º Experiências exclusivas (viagem com jogadores, eventos etc.);
7º Pontos em programa de fidelidade;
8º Recebimento de revista oficial do clube;
9º Desconto em produtos de parceiros.
Ainda segundo esta reportagem, todo clube de futebol da primeira divisão brasileira dá desconto em ingresso e prioridade de compra. O direito a voto nas eleições para presidente, no entanto, é uma raridade. Dirigentes ainda não se deram conta de que um pouquinho mais de democracia em um time é capaz até de aumentar a receita no final da temporada. A má notícia é que o único fator que se tornou universal no país – graças à Ambev e ao grupo de empresas coordenado por ela que dá descontos em cerveja, refrigerante e TV por satélite – é justamente o que tem menos influência na decisão de compra do torcedor.
Podemos observar que existe não somente uma diferenciação conceitual entre os modelos praticados mundo afora e o que se utiliza no Brasil, como também o fator cultural praticamente impede que os clubes façam algo um pouco mais avançado ou diferente do normalmente praticado. O que mais se aproxima de uma modernização ou proposta diferente das demais, ainda é muito incipiente e pouquíssimos clubes adotam, que é permitir que os associados possam também participar de assembleias e ter o poder de voto nas decisões dos clubes.
Há também o fato de que os preços dos ingressos de futebol no Brasil são considerados os mais inacessíveis do mundo. Um trabalhador brasileiro que ganhava um salário mínimo, de acordo com uma pesquisa realizada em 2014, precisava trabalhar 10 horas e 18 minutos para comprar um ingresso mais barato de um clube que tivesse disputando as primeiras colocações do Brasileirão. Isso sem contar outros gastos como transporte, alimentação e bebidas dentro ou fora do estádio. Um peso considerável, convenhamos.
Criar novas formas de atrair os torcedores e transformá-los não somente em consumidores de ingressos parece ser o desafio que se vislumbra nos horizontes dos principais clubes brasileiros. Obviamente que somado a implantação de uma gestão altamente profissionalizada com a adequação às regras básicas de administração responsável e moderna e sem poder fugir de algo que se transformou quase em uma regra, a de ter seu próprio estádio. Isso surge como uma espécie de tábua de salvação, em que todos irão lutar para transformá-lo em um polo de desenvolvimento de novos negócios e receitas, uma vez que o modelo atual de captação de recursos por parte dos clubes tem se mostrado reduzido e insuficiente para cobrir seus custos e produzir algum crescimento. Modelo de sucesso na europa que deve ser muito bem estudado por aqui antes de partir para esta empreitada.
Com a desigualdade social existente no Brasil, algumas leis foram criadas com o intuito de promover a inclusão social e permitir que a parcela de menor poder aquisitivo também possa usufruir de determinados programas sociais e esportivos. Sendo assim, existe no futebol a lei de gratuidade de ingressos que deve ser observada e garantida por todos os clubes do Brasil. Ao se trabalhar numa reestruturação dos programas de sócios-torcedores, esta condição também deveria ser levada em consideração, para que o clube possa distribuir estes ingressos com a menor perda de receita possível e a participação social do sócio-torcedor neste quesito.
Como havíamos explicado no início deste texto, aqui estão apresentadas as premissas básicas ao início de um debate que se espera ser o mais proveitoso e produtivo possível. A partir de agora, os demais textos debates a serem publicados irão trazer mais uma visão pessoal de quem o escrever, assim como suas propostas de alterações e mudanças. Ao final de um ciclo de postagens, iremos retirar as principais propostas e tentar montar um projeto a ser encaminhado ao CAM, sugerindo que o clube abra espaço para uma discussão com o torcedor que se propôs a ajudar no engrandecimento dos debates de ideias para melhoria do clube.
A participação dos leitores e seguidores do Fala Galo está aberta para o encaminhamento de sugestões, propostas e ideias, através do endereço eletrônico criado especialmente para esta função; sugestoes@falagalo.com.br
Esperamos a participação e contribuição de todos. Obrigado!