Convicção e Coerência

Foto: Rafael Araújo / GE

 

Por: Silas Gouveia / @silasgouveia17

Convicção e coerência são dois atributos que deveriam estar casados, em regime de comunhão de bens. Assim, nos casos em que houvesse uma separação entre ambos, deveria ocorrer também uma partilha bem estruturada e discutida, para que nenhuma das duas partes pudesse reclamar futuramente do tratamento ou consequências da separação.

Ao contrário, vemos cada dia mais que ambos, quando juntos, não passam de colegas ou, no máximo, amantes. E como amantes, na maioria dos casos, a paixão se mistura com um dos dois e esta, em geral, se torna a causadora da discórdia e da separação daqueles que até então formavam um casal dos sonhos.

No mundo do futebol, raros são os casos onde estes dois atributos conseguem permanecer juntos. Na grande maioria dos clubes de futebol do Brasil, a convicção é a primeira a ser abandonada, e a coerência nem sempre permanece ou, sofre profundas alterações de critérios.

Nos clubes de futebol do Brasil o mais comum é que a coerência seja um atributo inicial, muito embora isto nem sempre represente algo positivo, pois os clubes brasileiros costumam manter a coerência de não ter nenhuma coerência entre os atos praticados e uma boa administração daquilo que deveria ser seu carro chefe, o futebol. E depois reclamam dos resultados obtidos, quando nada foi feito para mudar ou direcionar seus rumos na busca de um sucesso, mesmo que demorado. Seria como se tivessem aberto uma conta em um banco na qual nunca se depositou um centavo sequer e querer sacar mil reais no caixa eletrônico. Fatalmente, caso consigam efetivar este saque, ao final do mês terá uma fatura a pagar, cujos juros podem ser algo fora da realidade.

Para toda tomada de decisão ou atitude haverá uma consequência futura, na proporção exata dos riscos ou erros embutidos nas mesmas. Esta é uma regra básica para qualquer atividade e para vida de qualquer pessoa. E é por isto que a coerência e a convicção precisam estar juntas, unidas e bem entrosadas. Não tendo esta união, os riscos de uma tomada de decisão ou de uma atitude se tornar algo equivocado e com grandes chances de um prejuízo amargo, são enormes.

Devia ser regra que, para se manter sempre a coerência, deveriam tentar atrelar coerência à convicção. Dirigentes que não têm convicção do que se deve fazer e para onde quer caminhar e levar seu clube, em geral sucumbem aos primeiros sinais de crise ou de distanciamento das metas inicialmente divulgadas (algumas feitas inclusive sem qualquer planejamento). Isto sem contar aqueles que não suportam o peso das críticas nas redes sociais e, após uma série de fracassos, demitem técnicos, trocam jogadores e até mesmo comissão técnica.

Os dirigentes de futebol que conseguiram primeiro consolidar a convicção em um projeto pensado, planejado e estruturado, tiveram muito mais facilitado seu caminho em busca da coerência e a maioria já consegue começar a colher bons frutos desta iniciativa. Cite-se como exemplo o Grêmio futebol porto-alegrense, que hoje caminha com relativa tranquilidade financeira e administrativa. Já aqueles que continuam descolados e afastados de uma convicção, ou que não fizeram o trabalho de um planejamento estruturado e consistente, como parece ser o caso do Clube Atlético Mineiro, flertam com o fracasso e arriscam jogar fora vultosos investimentos e grandes perspectivas futuras, como o caso do projeto de construção de seu próprio estádio.

O projeto de reestruturação de um clube, exige muito mais que discursos ensaiados e bravatas ditas em redes sociais ou em entrevistas censuradas. Há de ser convicção sobre o projeto que está sendo construído, independentemente da figura pessoal que esteja ocupando a cadeira de presidente do clube. Um cargo não deveria servir apenas para atingir o auge da vaidade e sim a coroação de uma proposta bem estruturada de crescimento e consolidação do clube em um patamar que consiga representar toda a grandeza e força de um clube centenário e com milhões de apaixonados torcedores.

Ao nos depararmos com discursos personalistas e divulgação de opinião atualmente divergente daquelas que pregavam até pouco tempo atrás, demonstra acima de tudo, que a tal unidade interna que tem sido buscada por alguns, não resiste sequer a um confronto de ideias ou a um tropeço do time em um campeonato que, segundo os próprios atuais mandatários, não seria o objetivo final para este ano. Segundo estes próprios dirigentes, o objetivo para este ano deveria ser montar um time que pudesse garantir ao menos uma vaga direta para a Libertadores e, a partir do próximo ano, com contratações pontuais, poder brigar pelos títulos em todos os torneios que o clube estivesse disputando.

O que mudou? Por que a cobrança exacerbada na busca de um resultado imediato agora? Será que a perspectiva de não mais poder usar da vaidade de ter alcançado um título de expressão, enquanto eram os dirigentes de plantão, supera a convicção em um projeto a médio ou longo prazo? Será que, ao desnudar a máscara da mediocridade administrativa, fica o gosto amargo de não ter o que se vangloriar por quem passou anos no comando e não conseguiu mostrar nada além de bravatas, frases de efeito e brigas com torcedores, inclusive bloqueando estes torcedores em suas redes sociais ou ainda, processando-os?

Sem a tal da coerência, é impossível exigir que se tenha convicção de algo. Mas seria uma atitude mais digna assumir que nunca a tiveram e que seguiam um rumo determinado pelas condicionantes temporais e do acaso. O acaso de contar com investidores que ao menos demonstram entender e defender, estes sim com alguma convicção, que um projeto como o que está sendo construído precisa de um tempo de maturação e planejamento. Precisam deixar claro ao torcedor, que não há caminho curto e fácil para se atingir objetivos tão sérios e grandiosos como os que estão sendo propostos. E que, mesmo que se tenha alguma falha ou mudança de planejamento, face a questões por vezes imponderáveis ou imprevisíveis, o caminho a trilhar deverá se manter intacto, sofrendo pequenas e necessárias alterações para que se possa atingir o objetivo final.

No Atlético, há tempos que a convicção é deixada de lado e a coerência vive um namoro pouco conveniente e muito individualista, com a Vaidade, prima irmã do Medo. Longe da convicção, dando as costas à coerência, dirigentes que estão de saída entoam um discurso de unidade, mas praticam atos de completa incapacidade de avaliação, de sentimento de pertencimento, nem que apenas ao grupo que comanda o clube há décadas.

Uma regra básica que todos deveriam tentar seguir, é que a convicção ajuda a conquistar o melhor lado da coerência. Isto vale para os dirigentes de clubes e para qualquer cidadão. E lembrem-se: ao decidir por plantar tomates, não espere colher laranjas no futuro.