Gestão profissional do futebol: construção e manutenção de elenco – Parte 1
Foto: Flickr oficial do Atlético
Por: Silas Gouveia / @silasgouveia17
O tema “Gestão Profissional do Futebol” é bastante amplo, abrangente e com várias formas de abordagem. Não temos portanto, a pretensão de fechar questões sobre nada e tampouco esgotar o assunto sobre quaisquer dos tópicos abordados em cima deste eixo principal. Apenas pretendemos levantar um debate e alguns pontos que julgamos relevantes ao torcedor. Buscaremos as melhores publicações existentes a respeito e convidaremos alguns profissionais de áreas importantes, para que eles possam passar um pouco de seu conhecimento para todos nós.
Quando se fala em processo de profissionalização da gestão de futebol, muitos tópicos e áreas são inseridas em um grande “pacote” de mudanças necessárias na busca deste objetivo. Talvez, uma das principais seja a construção e manutenção do elenco do futebol. E não há como dissociar de outras questões como as categorias de base e até mesmo do futebol feminino. Vamos então tentar abordar neste documento, o futebol profissional. As categorias de base falaremos apenas superficialmente. O futebol feminino e mesmo uma avaliação mais criteriosa das categorias de base, deverão ter maior atenção e ênfase em outro documento a ser ainda elaborado.
PREMISSAS BÁSICAS NA CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DE ELENCO
Na busca por uma gestão alinhada às boas práticas de trabalho profissional em clubes de futebol, o carro chefe do clube precisa ser tratado como tal. O negócio principal de um clube de futebol tem de ser o futebol. O principal objetivo portanto, deverá ser escolhido entre ser coadjuvante nos torneios que disputa, ou protagonista. E não deveria haver demérito algum em se estabelecer como coadjuvante, pois muitos clubes se preparam e são muito bem administrados fazendo este papel, deixando o protagonismo para clubes que conseguem injetar volumosas quantias de recursos para esta finalidade. Na Europa isto é bem claro e relativamente bem aceito. Vez por outra um “azarão” consegue a proeza de ganhar um título. Mas não é comum e nem seria a vocação destes clubes. Eles sobrevivem e conseguem gerar riquezas consideráveis somente com suas participações e possíveis revelações de jovens talentos. Não é um mercado a ser desprezado, mas deve ser bem definido pelos gestores do clube com razoável aceitação de todos.
Mas, para os clubes que pretendem despontar como protagonistas e almejam implantar uma gestão profissional, certas premissas além de básicas, são fundamentais.
- Definição clara das linhas de trabalho do clube. Definição de um padrão e estilo de futebol que se pretende efetivar para o clube;
- Definição do perfil de técnicos que se alinhem a este padrão e estilo de jogo;
- Construção de um departamento de futebol, para análises de jogadores, perfis profissionais, análise extra campo e potencial de revenda;
- Implantação de uma cultura de estilo de jogo com as características definidas;
- Contratações de atletas que se encaixem no perfil de jogo que se pretende;
- Implantação de modelo de jogo do time profissional em todas as categorias de base do clube, com priorização para categorias de base;
- Estabelecimento de teto salarial e política de salários e bonificações;
- Contratações e vendas de atletas com critérios definidos e de forma pontual;
- Planificação e estudo sobre gestão de pessoas voltada à unificação do elenco;
- Plano de carreira para todos os atletas e demais profissionais do clube.
Obviamente que outras premissas podem ser tão ou mais relevantes que estas. Está em aberto.
PANORAMA DE GESTÕES ANTERIORES
Não há espaço para aventuras quando se pensa em profissionalizar a gestão de um clube. E isto começa pela reconstrução e gerenciamento do departamento de futebol, criando uma estrutura completa, mas o mais enxuta possível. Neste departamento, cada vez mais profissional e com o apoio de sistemas e profissionais de informática, são estabelecidas regras e disciplina tanto na avaliação de desempenho dos atletas e mesmo com relação ao perfil de técnicos que se encaixem naquilo que a diretoria propôs como o padrão do clube. Quando um sistema de avaliação completo de desempenho tiver sido devidamente implantado no Atlético, deverá ocorrer um estudo criterioso de possíveis reforços, sempre priorizando a utilização da base do clube. Desta forma, os elencos formados em uma temporada deverão sofrer alterações pontuais para a próxima. Apenas para corrigir possíveis desvios de avaliações e necessidade de recomposição de determinada função ou carências do elenco.
Parece muito lógico mas no Brasil de forma geral, poucos clubes seguem esta conduta. O planejamento referente à reformulação de elenco e também de comando técnico, sofre com mudanças drásticas a cada ano, no volume de atletas envolvidos nesta reformulação e nas características de cada técnico contratado. O exemplo a ser utilizado é do próprio Atlético de gestões anteriores, que vamos demonstrar no quadro abaixo:
Fonte: Clube Atlético Mineiro – Home Page
O quadro apresentado, mesmo sem a indicação de nomes de atletas e técnicos, nos dá uma ideia de como a gestão de futebol do Atlético sempre foi tratada de forma aleatória e sem os devidos critérios e definições. Em geral, os técnicos que se sucederam, não guardavam relação alguma entre os estilos de jogos de cada um, sendo que em alguns casos, podia-se ver quase uma oposição entre estilos. Não à toa, os melhores anos em termos de títulos e até mesmo em rendimento financeiro do clube, foram aqueles em que houve menos mudanças no comando da equipe. Os números relativos à troca de técnicos não incluem aqueles que ficaram como interinos, à espera de um efetivo.
PROFISSIONALIZAÇÃO DE GESTÃO: ÚNICA SAÍDA
A lógica a ser entendida é que, em um clube bem estruturado e com uma gestão voltada aos resultados de excelência tanto nas categorias de base, como no profissional, é que o volume de saídas anuais de atletas seja sempre maior que o volume de chegadas. Quanto mais eficientes forem os trabalhos de todos os setores envolvidos do clube, para que se possa montar e manter um elenco de qualidade, menos necessidade de contratações a cada ano pelo clube e as vendas de atletas passará a ser talvez, o ponto chave de equilíbrio das finanças do clube. Sempre haverá mais disponibilidade de atletas do que necessidade de reposição.
A mudança constante do comando técnico de um clube, revela, antes de tudo, a falta de objetividade e critérios do clube, ficando cada vez mais sujeito às pressões externas de torcida e imprensa, por resultados cada vez mais imediatistas e os dirigentes cada vez mais, sem convicção no próprio projeto do clube. A busca por títulos deve ser sempre o norte a ser seguido pelo clube que se propõe a ser protagonista no cenário futebolístico. Entretanto, o foco e a convicção nos rumos traçados para a temporada e mesmo a médio e longo prazo, deverão ser a base para a busca da meta principal.
Esta troca constante de técnicos, além de demonstrar externamente que o clube não consegue definir claramente seus objetivos e com isto afastar bons profissionais do clube, traz prejuízos absurdos com a manutenção de atletas de baixo rendimento e inchaço na folha de pagamento. Na esteira de tudo isto, sempre haverá espaços para as chamadas “barcas” de treinadores que, ao chegarem no clube exigem a contratação de atletas de sua preferência e confiança. Mas quando saem, deixam para o clube o peso não só do inchaço do elenco e da folha salarial, como o aumento de passivos trabalhistas para o clube, quando de possíveis rescisões de contratos. E desta forma, o equilíbrio financeiro do clube fica cada vez mais difícil de se obter. Geralmente quando temos panoramas assim, o clube briga mais para se manter na elite do futebol, do que pelos títulos que podia conquistar e com isto, foge de seu propósito elementar de ser um clube protagonista e se transforma, inadvertidamente, em coadjuvante.
Os tópicos referentes a este tema são extensos e complexos. Vamos dividir em várias publicações e, neste caso específico, fazer uma explanação em pelo menos duas etapas. Está é a primeira. Na próxima abordagem, tentaremos avançar um pouco mais ainda neste tema da Construção e Manutenção de Elenco em uma Gestão Profissional.