Por Max Pereira
Em Belo Horizonte
29/11/2019 – 04h
*Edição de capa: Superesportes
Há menos de um ano o jovem zagueiro e grande promessa da base do Atlético, Ruan Marvyn, era emprestado ao Palmeiras até o final da Copinha de 2019. O time paulista tinha opção de compra após o término do vínculo.
Saía Ruan Marvyn e vinha outro zagueiro da base palmeirense, com o Galo recebendo Gabriel Lacerda, de 18 anos. Vinha sem custos. O Atlético teria 30% dos direitos econômicos e os outros 70% ficariam com o alviverde paulista.
Caso quisesse comprar definitivamente os direitos de Ruan Marvyn ao final da Copa São Paulo, o Palmeiras teria que desembolsar R$ 600 mil por 50% de seus direitos. E, caso optasse pela compra no final de 2019, este valor aumentaria para R$ 1.200.000,00. Isso mostra que o Palmeiras tinha a opção de estender, a seu critério e vontade, o empréstimo da joia.
Segundo o Atlético, o zagueiro de 18 anos, um gigante de quase dois metros de altura, deixava o clube após somar algumas desavenças na Cidade do Galo. Ruan teria se mostrado aborrecido com “acontecimentos” no dia a dia na Cidade do Galo e, do outro lado, o clube também mostrou descontentamento com algumas posturas do atleta, principalmente nas redes sociais. Essa era a justificativa oficial para a realização do negócio com o Porco.
Ruan Marvyn estava na mira da CBF para futuras convocações no Sub-20. Ter retornado naquela época a esta categoria, depois de ter sido integrado ao profissional do Atlético, teria sido um pedido da própria entidade para que o jovem atleta pudesse ter “minutos jogados” antes de futuras convocações, a tal famosa minutagem.
De lá para cá as notícias são desencontradas e versam sobre contusão, novo empréstimo a outra equipe, etc.. E, atualmente, nada se fala sobre a jovem promessa. Ah! Sobre Gabriel Lacerda também não há notícias.
Esse foi mais um, entre os muitos e muitos negócios extemporâneos, estranhos e mal explicados, envolvendo um jogador da base atleticana.
Reza a lenda que Ruan Marvyn, ao longo da história do Atlético, tem muitos nomes. Muitos são os garotos que, ou tiveram os seus sonhos frustrados ou os seus destinos no futebol transmudados de uma hora para outra, sem que os interesses deles próprios e os do próprio clube fossem prioritariamente observados.
Na atual gestão, muitos foram os casos de garotos acusados de indisciplina ou de comportamento indesejado no dia a dia e que, por isso, foram surpreendente e temerariamente desligados do clube. Ruan Marvyn foi apenas um deles.
Nas redes sociais sempre pipocaram críticas sobre a base atleticana. A maioria desses questionamentos é costumeiramente direcionada para acusar a incapacidade da base para revelar talentos para o profissional sem, contudo, buscar e analisar as razões que, por ventura, estariam por trás dessa deficiência.
Entre os atleticanos mais antenados outra crítica vem se tornando um consenso, segundo a qual, enquanto o Atlético continuar mantendo relações no mínimo equivocadas com empresários e se mantiver refém de credores, tais negócios irão continuar acontecendo diante dos olhos de uma torcida apaixonada, porém, tradicionalmente passiva, não reativa e impotente.
Entre jovens promessas emprestadas de forma açodada e inconsequente e outras tantas negociadas em definitivo de forma prematura e temerária por razões mil ou dispensadas de forma nebulosa, vários garotos de inegável potencial vêm sendo jogados, ano após ano, em uma espécie de limbo dentro do próprio clube.
Limbo é uma palavra que vem do latim limbus, que significa basicamente margem, beira, borda, orla. No sentido informal, significa cair no esquecimento. É o lugar para onde se atiram as coisas inúteis. E, dentro do catolicismo, o termo serve para definir o local onde almas, que não vão para o céu e nem para o purgatório ou inferno, ficam “à margem” da presença de Deus.
Ao longo dos anos, um sem número de garotos emergiram da base atleticana, permaneceram no clube e, por diversas razões, foram marginalizados no profissional, seja porque o pessoal da base não se sentia mais responsável por eles, seja porque no profissional não tenham sido recebidos com o cuidado e o carinho que lhes deveria ter sido dispensado.
Esse fenômeno indigesto, e que tem sido um corte ou um redefinidor cruel de várias carreiras promissoras, pode ser explicado, dentre outros fatores, pela indisponibilidade do treinador do momento de trabalhar com eles ou pela falta de critérios para lançá-los com parcimônia, cuidados e planejamento, seja porque alguns técnicos não gostam de trabalhar com jovens promessas, seja porque se sentem pressionados por uma campanha ruim ou pela ameaça iminente de perder o emprego.
Enfim, as recorrentes crises atleticanas, a crônica descontinuidade do trabalho, as trocas equivocadas de treinadores, sempre com perfis, valores e métodos inteiramente diferentes, a habitual falta de planejamento de elencos e a inexistência de uma política de transição de uma categoria para outra, vêm se constituindo, ao longo dos tempos, em um gargalo intransponível para muitos e muitos garotos que vão do céu ao limbo e depois descem ao fogo do inferno, frustrando suas expectativas de uma carreira sólida e vitoriosa.
Embora sinalizasse mudanças importantes na base, a gestão Sette Câmara ainda registrou problemas em seu primeiro ano à frente do clube.
Enquanto o Atlético se retorcia em uma cizânia política interna que ameaçava implodir a base que elegeu o atual mandatário, o passivo se avolumava, a equipe profissional se ressentia da falta de um planejamento profissional, o ambiente interno se deteriorava e o time profissional claudicava nas competições que disputava.
Se Sette Câmara errou, e errou muito, ele não pode ser acusado de não tentar fazer algo diferente. Seja para se descolar ao máximo da influência e da ingerência de antigo aliado, como acreditam alguns, ou porque foi convencido de que algo precisava ser feito em prol da organização do clube, como creem outros, ele resolveu dar uma injeção de profissionalização no Atlético. E, por isso, para a base atleticana 2019 tem sido um ano de transformações e novidades interessantes.
Independentemente do que possa explicá-las, as contratações de Rui Costa e de Junior Chávare já mostram alguns resultados, ainda que embrionários, mas que merecem ser considerados e analisados, com maior destaque ao que está sendo feito nas categorias de base pelo segundo.
Se no profissional Rui Costa, conforme o Fala Galo noticiou anteriormente, já criou o Centro de Inteligência do Galo, um departamento estratégico para gerar conteúdo e monitorar o mercado em geral, de modo que o clube tenha um banco de dados completo e dependa menos de terceiros, é na base que as ações inovadoras já são mais visíveis.
Salta aos olhos até do mais incauto dos observadores que é na base que se percebe um trabalho de médio e longo prazos mais consistente e interessante. Quem acompanha os jogos do Galinho nas várias divisões dessa categoria percebe que é notória a evolução dos times e do trabalho que lá vêm sendo desenvolvido. E, por uma questão de justiça e amor à verdade, é preciso reconhecer alguns sinais muito significativos.
A chegada de novos profissionais como, por exemplo, o preparador de goleiros do sub-20 que já impressiona pelo trabalho moderno e diferenciado, a estruturação de um apoio psicológico aos garotos e a criação de uma equipe de transição para o profissional, são alguns dos pontos positivos que devem ser aplaudidos e tratados com carinho e cuidados para que não sejam interrompidos ou atropelados pela fatídica descontinuidade que caracteriza a história atleticana.
Ainda que incipiente, o trabalho que está sendo feito na base já apresenta alguns resultados como a série de títulos regionais nas diversas divisões, entremeados pelo vice campeonato mineiro do sub-17, definido em uma infeliz disputa de pênaltis.
Com Chávare à frente de suas divisões de base, o Atlético tem garimpado jovens promissores e de inegável qualidade técnica para todas as categorias, sendo que o sub-20 foi, por opção estratégica, quem mais recebeu atletas nessa temporada, vários deles semi-prontos, formando assim um embrião para uma futura equipe de transição, que deverá atuar em alguns jogos do Campeonato Mineiro de 2020, em torneios e amistosos, além de ser sparring do profissional em jogos treinos.
Essa equipe de transição, se bem trabalhada e estruturada, seria um ganho enorme para o clube, vez que viria possibilitar a vários jovens a maturação necessária para ascenderem ao profissional com chances reais de sucesso.
Entretanto, restam algumas questões que merecem ser cuidadas ao extremo, sob pena de se tornarem problema e não solução. Falo do fascínio que propostas ou mesmo interesses noticiados de clubes do exterior em relação às crias da base acabam gerando e tumultuando ambiente, além de, por vezes, precipitar negócios mal feitos.
O exemplo recente do Flamengo, que teria negociado a preços nababescos jovens promessas de sua base, o que despertou a atenção de muita gente, fazendo com que muitos torcedores defendam, aqui e ali, que o Atlético mire o exemplo do rubro-negro carioca e também revele valores para esse fim, tem que ser olhado com muito cuidado e, porque não, como uma lição a ser aprendida.
Para que esse caminho seja seguido com chances reais de êxito, é preciso levar em conta dois cuidados em especial. O primeiro, entender que a perspectiva de tais negócios não pode e nem deve frustrar nem a formação de elencos e times fortes e, nem tampouco, comprometer os resultados financeiros do clube, a favor de empresários, agentes, parceiros, credores, etc.. E, o segundo, compreender que, somente com trabalho e planejamento, o Atlético conseguirá revelar talentos em número e qualidade suficiente para atender essas expectativas.
Vale a pena destacar, ainda, que o sub-20 do Atlético, por exemplo, será o único representante mineiro na tradicional Copa Internacional IPIRANGA, em Porto Alegre.
É no mínimo intrigante a ausência do rival, um dos maiores vencedores dessa competição, e do América, também habituado a disputar o torneio, na edição 2019 que terá início nos próximos dias. Dada a tradição e a história desses dois clubes no torneio, não acredito em falta de convite.
E os dois mineiros não são as únicas ausências deste ano. Outros clubes brasileiros também não participarão e essa edição tem o recorde histórico de participação de clubes estrangeiros.
Na fase de classificação o Atlético enfrentará em seu grupo, além do Internacional, três equipes estrangeiras, duas sul-americanas e uma européia. Os duelos contra escolas diferentes deverão servir de aprendizado e maturação para os garotos do Galo.
Esse time que viajará para o RS é o embrião da equipe de transição que Chávare e Rui Costa estão criando no Atlético para dar sustentação e desenvolvimento a atletas que saem da base ou vêm de equipes de camisa menos pesada e de menor tradição e chegam no profissional, evitando se perderem, como já aconteceu com inúmeros garotos ao longo da história do clube.
Para a tradicional Copa São Paulo que vem em seguida, cuja tolerância à participação de atletas de maior idade é bem menor, o Atlético está preparando outro grupo que terá o comando do técnico Marcos Valadares, que estava à frente da equipe sub-20 do Vasco da Gama.
Com a chegada de Valadares, o técnico Leandro Zago deixa o sub-20 para assumir a equipe transição do Atlético.
Vários garotos que este ano disputaram competições do sub-17 já começam a ser testados nas duas competições.
Se falo aqui de algumas notícias alvissareiras é porque quero chamar a atenção, uma vez mais nessa coluna, para o fato de que uma descontinuidade no comando do clube, sem os cuidados com esse trabalho que está se desenhando, pode trazer prejuízos consideráveis para o Atlético. Qualquer transição sem planejamento e conduzida apenas no emocional traz riscos enormes para o clube.
Aqui na coluna PRETO NO BRANCO tenho chamado a atenção para o fato de que Sette Câmara tem merecido sim as críticas que lhe têm sido feitas e que, independentemente dessa profissionalização embrionária, mote desse ensaio, muita coisa precisa mudar no clube que exige, mais que uma simples dança de cadeiras e troca de comando, uma revolução de métodos e conceitos que, óbvia e certamente, saiba considerar e potencializar o que de bom já vem sendo feito no Atlético.
Por isso, renovo o chamado para que a massa saia de sua zona de conforto e se movimente para transformar o Atlético em um clube democrático, aberto, transparente e pujante, porém sempre com um olhar crítico e holístico sobre o clube.
Mais do que cobrar, conhecer em profundidade o clube é vital.
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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini
Edição de texto: Angel Baldo