O “novo” Galo Na Veia

 

 

Prof Denílson Rocha
12/03/2020 – 07h
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Já se vão quase 25 anos desde que entrei em uma sala da antiga Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, na rua Curitiba, para as primeiras aulas de “Gestão Mercadológica”. O que logo veio a ser chamado simplesmente de marketing trazia dentre os primeiros ensinamentos o que era o “composto de marketing”, “mix de marketing” ou os “4 p’s”. O conceito criado por Jerome McCarthy se mostrou essencial para compreender como funciona a gestão de marketing e, especialmente, como planejar seu posicionamento competitivo considerando o Preço, as características do Produto, seus canais de distribuição (do original Placement, traduzido como Praça ou Ponto) e a Promoção (incluindo aí a publicidade, propaganda, merchandising…). Ajudou, ainda, a separar os “marketeiros” (tratados como picaretas ou charlatões) dos profissionais de mercadologia, cujas competências passavam pela gestão financeira (para definição de políticas de preços, custos, margens, rentabilidade), design (para o desenvolvimento de produtos e serviços), psicologia, sociologia, antropologia e outras ciências do comportamento, além, obviamente, dos publicitários, RPs e comunicólogos. Ou seja, fazer marketing já não era fácil.

O tempo passou e as coisa ficaram ainda mais complicadas. Utilização intensiva de tecnologia, big data, mineração de dados, neuromarketing, marketing digital e mais um monte de novas abordagens foram surgindo. Até os 4 p’s foram se multiplicando e hoje nem dá para ter certeza de quantos p’s estão na moda – é quase uma língua do p, como na antiga brincadeira das crianças.

A evolução da gestão esportiva traz uma série de mudanças no marketing esportivo. Porém, é um campo que permanece a anos-luz do que é realizado nas empresas de bens de consumo ou mesmo em outros campos do entretenimento (sim, futebol agora é parte da indústria do entretenimento e concorre diretamente com a Netflix!!!). O problema é vermos que o Atlético ainda não conseguiu sair do conceito de “marketing é bola na casinha”, como dizia o ex-presidente Kalil, e o lançamento do novo programa Galo na Veia reforça esta ideia.

Antes de qualquer ação de marketing, é preciso definir qual o público-alvo, quem é seu cliente, quem é seu consumidor, ou, no caso do futebol, quem é seu “torcedor”. Para complicar, é possível segmentar o público do futebol em dois grupos distintos: os “aficionados”, que tem paixão pelo seu clube, acompanha, se envolve, consome produtos, serviços e informações; e aqueles que “curtem” seu time, mas que têm interesses menos intensos. É um fenômeno mundial e não há como fugir disto. Futebol é um dos grandes entretenimentos e visto como grande mercadoria, tanto dos investidores, como por grande parte da torcida, que sempre sonha com grandes contratações e, em geral, têm pouca ou nenhuma paciência em aguardar um desenvolvimento de uma joia revelada pelo clube. A geração do imediatismo força os dirigentes a buscar soluções de curto prazo.

É importante construir estratégias de relacionamento não só com quem já tem a paixão pelo Clube, mas também conquistar novos “adeptos”, inclusive como o “segundo clube” de pessoas espalhadas pelo mundo. Quantos de nós, Atleticanos, não temos alguma afinidade com algum clube europeu e, além de assistir a jogos e buscar informações, consumimos produtos? Então, a primeira constatação: o GNV ainda é bastante tímido para buscar relacionamento com quem está fora de Belo Horizonte.

O lançamento do novo GNV em 10 de março traz uma nova questão: por que neste momento? Lembremos que muitos sócios do GNV tiveram seus planos sendo encerrados desde dezembro e ficaram com as indefinições quanto ao futuro do programa. Especialmente os GNV Black ficaram absolutamente perdidos. Enfim, por que não houve o lançamento no início da temporada? Ou, por que não aguardaram o aniversário do Clube, no próximo dia 25? O timming é essencial para o sucesso do produto e é difícil compreender qual o plano do Atlético para o lançamento neste momento.

Finalmente falando dos planos, ficou bastante claro que o Atlético apostou em uma estratégia baseada em preços baixos. A intenção clara é de ampliar o número de associados com a oferta de planos com valores bastante reduzidos e acessíveis, e isso foi amplamente divulgado anteriormente como uma busca de seguir o exemplo do Vasco. Deve-se, apenas, ter o cuidado para que o preço seja suficiente para garantir lucratividade.

Há vários pontos positivos em ter planos por preços tão baixos. O principal deles é aumentar a base de associados e permitir um aumento de receitas (ganho de escala). Ampliar a base de associados pode (na verdade, deve!) ser um elemento básico para ampliar o relacionamento com o torcedor. Informação tem muito valor, e ter os dados de milhares de pessoas é essencial para ampliar negócios e gerar receitas, mesmo que não venham diretamente da associação ao programa GNV. Ponto positivo, embora ao que parece, os dirigentes esperavam algo em torno de 85 mil novos sócios ainda no mês de março, ou início de Abril.

Outro ponto importante é permitir maior flexibilidade na precificação dos ingressos. Por exemplo, com o GNV Black próximo a R$ 200/mês, criava um problema complicado quando buscavam ter ingressos a preços “populares” e eram obrigados a disponibilizar ingressos “extra”, gratuitos, para compensar o valor superior pago pelos associados. Não havendo o plano com acesso liberado a todos os jogos, é possível estabelecer preços de ingressos conforme a atratividade do jogo (dia, horário, adversário, Mineirão ou Independência…). Aquilo que parecia ser o maior ponto positivo, acabou por frustrar àqueles que querem acima de tudo, a comodidade e a despreocupação de, a cada jogo ou torneio, terem de gastar seu tempo na busca por ingressos. Talvez a saída fosse deixar duas ou mais opções do Black, ou criar uma nova categoria, talvez a “Diamond” para estas pessoas que não se importam quanto irá custar!

Entretanto, além da questão dos preços, o novo GNV trouxe algumas melhorias como “produto”. Finalmente, atenderam a uma antiga demanda para que o GNV Black não ficasse confinado em um setor específico e possa escolher o ingresso para o setor que melhor lhe atenda. E inicia, ainda, o relacionamento com a Arena MRV, estabelecendo prioridade na compra de planos. Pontos muito positivos!

Mas… e sempre existe o mas…

Como produto, é preciso romper com a crença do sócio-torcedor tendo como principal atrativo a comercialização de ingressos para os jogos. Lembrando, inclusive, que Sócio-torcedor é MUITO mais que isso, permite e exige muito mais. E os elementos para isso estão presentes no GNV: gamificação, experiências e rede de descontos. Se até o momento pouco foi feito nesse sentido, o que virá para ampliar a oferta de experiências e descontos? Como funcionará a gamificação? Haverá distinção para aqueles que não se importam em gastar? E para aqueles que são de fato os mais assíduos? Como garantir que é de fato o sócio e não seu preposto que utiliza os ingressos? É preciso ampliar o olhar quanto ao que gera valor para o associado, para o torcedor. É preciso compreender que a relação com o torcedor pode (e deve) ser muito mais profunda que apenas um desconto para compra do ingresso do jogo. É preciso valorizar o verdadeiro torcedor e não um “cambista” que usa seus “laranjas” para lucrar em cima dos que realmente torcem pelo clube. É possível usar o GNV como base para programas de prevenção à violência e ao desrespeito às divergências políticas, sociais e de segregação. É possível ter um relacionamento muito mais frequente que apenas o tempo do jogo.

Associado a isso vem o placement. Ainda com o foco nos ingressos, qual o benefício ou incentivo ao torcedor que vive fora de Belo Horizonte? Qual o estímulo para se associar? Somente o preço baixo? Os gestores do Atlético precisam, urgentemente, ampliar o olhar para além das montanhas da Serra do Curral. É preciso criar relacionamentos e buscar proximidade com os Consulados e com as pessoas que tão bem representam o Galo mundo afora. A “praça” do Galo não está restrita a BH. O Galo é do mundo e o GNV precisa estar preparado para isso.

O mais traumático está no próprio site do GNV, como principal “ponto” de comercialização e relacionamento com o torcedor. É inaceitável que o site não tenha sido exaustivamente testado para suportar o volume de torcedores dispostos a fazer sua associação. As reclamações quanto ao erro no acesso são frequentes (enquanto escrevo este texto, permaneço sem conseguir me associar). A experiência do cliente ou, no caso, do torcedor começa no site. É ali que se conquista. É ali que a venda é estabelecida. É ali que se cria uma experiência única, em que a pessoa se sinta importante, relevante na vida do Clube, cativada. Se já começa com o site sem funcionar direito, o que esperar do restante da relação? E não bastassem os problemas com o acesso, ainda aparece uma falha de segurança – algo que pode trazer consequências graves, especialmente com a entrada em vigor da LGPD.

E quando teremos um aplicativo? Quando poderemos comprar produtos, serviços, ingressos, experiências direto do celular? O acesso aos dispositivos móveis é muito maior que os websites. O relacionamento que pode ser estabelecido é muito mais frequente e efetivo. Ter um aplicativo é URGENTE.

Outro ponto cheio de questionamentos está na forma de pagamento. Estamos vivendo um momento de profundas mudanças no sistema financeiro. Desbancalização é realidade. Aplicativos para transações financeiras são rotina. Enquanto isso, o Atlético restringe sua venda ao cartão de crédito. Senhores do Galo, tem muita gente que não tem cartão de crédito e quer ser GNV. Fica até incoerente com a estratégia de preços populares… E alternativas para pagamento (viáveis) existem aos montes.

Por fim, e sem esgotar o assunto, faltou intensidade na divulgação do novo GNV. Publicidade, propaganda, marketing digital… Muito pouco para algo tão importante. O Marketing até aqui, se resumiu a lançar o mais rápido possível, aquilo que já estava atrasado desde o ano passado.

O Atleticano quer viver intensamente o Atlético, quer ter experiências, emoções e proximidade com o Clube. A Massa quer estar presente no dia-a-dia do Galo. Mas o novo Galo na Veia ainda está distante de proporcionar algo assim. Os gestores do Atlético precisam voltar à sala de aula para compreender o que é marketing e oferecer um GNV como a Massa merece.