R.I.P. Clube Atlético Mineiro
Prof Denílson Rocha
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
16/10/2019 – 06h
Sou um Atleticano como a grande maioria: torcedor de arquibancada, que frequentou estádio desde criança, com família e amigos Atleticanos e que tiveram o Atlético como parte da formação da própria personalidade. Não tenho amigos (ou inimigos) no Clube, não conheço as pessoas que estão à frente da Instituição e não sei dos bastidores. Nunca estive em torcida organizada. Aprendi a ouvir os jogos no rádio, depois a assistir na TV e ir ao Mineirão, e, agora, acompanho as notícias na internet. Ou seja, um típico torcedor.
Nasci em 1970, pouco antes do Galo ser campeão nacional – ainda não entendia isso na época, mas já estava neste mundo para presenciar o Atlético Campeão Brasileiro. Das primeiras lembranças da infância tenho a imagem do goleiro Ortiz – meu primeiro ídolo no futebol. E logo me lembro como meu pai se sacrificou para guardar uns trocados e me presentear com um uniforme igual ao do goleiro – era daqueles uniformes de fio pesado e o número comprado solto para ser costurado por minha mãe naquela camisa tão especial.
Nos jogos de bola na rua de terra ou no jogo de botões, os gols eram narrados com um inconfundível “Adivinhe!!!!!”, bordão do saudoso e inigualável Vilibaldo Alves. Como criança, cada jogador no time da rua ou no time de botão receberia o nome de um dos atletas que nos representavam no Mineirão. João Leite, Luisinho, Cerezo, Paulo Isidoro, Éder, Reinaldo… e tantos outros que nos davam orgulho.
Chorei na desclassificação de 1981. Mas aquele sofrimento nos fez mais unidos e mais Atleticanos que nunca. Injustiçados. Roubados. Mas honrados. Em um momento de redemocratização no país – ainda que a criança entrando na adolescência não compreendesse completamente o que era aquilo –, ser roubado pelo time da ditadura não era vergonhoso. Era uma honra ser o adversário dos escolhidos da TV, dos escolhidos dos generais. Era uma honra ver a comemoração do Rei lembrando os Panteras Negras.
A adolescência foi na casa do Sr. Aldo – o vizinho bondoso que abria as portas de casa para receber todos os muitos garotos da rua. Era onde nos encontrávamos para ir à missa, aos jogos do Galo (uma dúzia amontoada em uma Brasília) e colocar a conversa em dia. Ali, os laços de família e de Atleticanidade eram reforçados a cada dia. Ainda hoje, quase quatro décadas depois, as amizades se mantêm. E quando falta assunto, o Galo nos dá motivo para ligar ao amigo, ao irmão.
Já depois de adulto, formado e estabelecido, a relação com o Clube afeta a tudo. No fatídico rebaixamento, mais uma vez chorando, deixei de me encontrar com a então namorada (atual esposa) e até hoje sou cobrado por isso. O amor incondicional pelo Galo foi abertamente explicado como parte do casamento: é possível trocar a esposa, mas o Atlético, jamais.
Pouco depois veio o primeiro contato com alguém do Atlético. Participando de um congresso de Administração em uma capital nordestina, a programação coloca um debate sobre gestão esportiva. Lá, o então presidente do Grêmio, Paulo Odone, e o ex-presidente do Galo, Ziza Valadares. Na plateia, apareceram vários gremistas com suas bonitas camisas. Do Galo, só eu. Único exemplar Alvinegro.
Já em 2009, me juntei a um pequeno grupo de pessoas bem-intencionadas que levaram ao presidente Kalil uma série de sugestões. Tratávamos do programa de sócio-torcedor, de relacionamento com a torcida, de marketing esportivo, de gestão, de licenciamentos, de ampliação de receitas… Ousadia de alguns profissionais sérios e reconhecidamente competentes em suas profissões. Uma pequena oferta de ajuda a um Clube que já padecia. Infelizmente, as propostas – hoje sendo aplicadas nos clubes de referência mundo afora – foram parar em alguma gaveta ou diretamente jogadas no lixo.
O ex-presidente Kalil conseguiu alguns dos maiores resultados esportivos do Atlético e foi alçado ao posto de mito. Seus méritos são inquestionáveis. Mas muitos teimam em não enxergar os erros. As conquistas e um jogador de nível mundial não foram aproveitados para ampliar a marca, criar reconhecimento do Atlético internacionalmente, ampliar licenciamentos e receitas. Pior, as dívidas foram multiplicadas. O Galo ganhou muito dentro e fora de campo. E o Galo gastou muito mais. Situação que permaneceu na gestão Nepomuceno. Ousadia para trazer jogadores consagrados e falta de responsabilidade ao gastar o que não tinha.
Não questiono o discurso de “austeridade” do atual presidente – era necessário porque o clube estava falido. Podemos até questionar as contratações infelizes, mas houve, efetivamente, redução de despesas, pagamento de dívidas e recuperação da credibilidade. Só que nada disso tem sentido sem o que faz o Atlético existir: o futebol. Não adianta arrumar a casa, ajustar as contas e deixar o futebol piorar a cada dia, afastar a torcida.
Em um texto anterior, estava orgulhoso em ver como a torcida tinha retornado aos estádios com um sentimento que havia se perdido há décadas. Estávamos lá pela camisa Alvinegra. Não importava que o time era horroroso, que os jogadores eram medíocres, que não brigaríamos por títulos. Estávamos lá por um sentimento único de Atleticanidade. Não há explicação para esse sentimento. Atleticanidade deveria ser colocada no dicionário. E a palavra deveria ser tratada como se faz com “saudade”, que não tem tradução ou uma explicação simples. Atleticanidade é apenas para sentir e torcer contra o vento.
Porém, o tempo passa, as coisas mudam (ou permanecem iguais?) e a gente se entrega…
Os últimos meses foram para reavaliar o que é ser Atleticano. Por que se manter em uma religião que pouco nos traz de alegrias ou mesmo de esperanças em dias melhores? Não estamos falando de uma sequência terrível em campo, da incompetência dos diretores ou da omissão do conselho. Já passamos por isso em situações anteriores e estávamos lá para segurar o Galo. Imortal! Eterno!
Mas é estranho se preparar para os jogos contra Palmeiras, Flamengo e Grêmio e estar pronto para as derrotas. Esperar passivamente por derrotas. Pior, é estranho terminar cada um dos jogos e continuar do mesmo jeito, sem reação, sem revolta, sem raiva – era esperado perder. O pior que poderia acontecer não era perder os jogos, era perder o sentimento, a Atleticanidade. O pior é a indiferença.
De quem é a culpa pela situação atual?
É dos donos do Clube, famílias tradicionais que se apossaram do Atlético e mandam e desmandam. Escolhem quem pode se candidatar ao conselho. Colocam seus filhos como beneméritos, cargos vitalícios para eternizar sua posse e garantir que os Coronéis continuem donos do pasto.
É dos conselheiros, gados manipulados pelos donos do poder. São os que só são aceitos nas chapas e não podem falar. Vaquinhas de presépio.
É de diretores que só permanecem nos cargos enquanto aceitam os mandos e desmandos. Enquanto se vendem por um punhado de dinheiro no final do mês ou nem isso – “são abnegados”.
É dos atletas. Passivos, acomodados, em eterna colônia de férias. Os que não têm ambição pela vitória, pela conquista. Alguns já têm seus nomes eternizados por títulos e perderam o desejo de novas conquistas. Outros, nunca ganharam nada além dos nababescos salários e também não saberão o que é ter títulos ou ser idolatrados porque se entregaram à mediocridade (se é que podem ser chamados de medíocres porque acho que estão abaixo deste nível).
É culpa da torcida também. Das organizadas que se vendem por meia dúzia de ingressos, por um ônibus para “excursão” ou por manter os privilégios de usar a marca do Clube para comercializar seus produtos. Também é culpa minha ou dos demais torcedores “comuns” que ficamos nas redes sociais reclamando, choramingando, cornetando. Sempre há as exceções, como alguns poucos que tiveram a coragem de ir à porta da sede questionar o que vem acontecendo.
As soluções não estão dentro do prédio na avenida Olegário Maciel ou no Centro de Treinamento. A solução está nas ruas – mas quem está disposto a ir para as ruas? É mais cômodo permanecer esperneando no Twitter ou no WhatsApp.
Da minha parte, desisti. Ontem foi o dia do sepultamento do Clube Atlético Mineiro. Fará parte das minhas melhores lembranças, mas não estará mais em minha vida. Pode parecer o infantil que queima a camisa, quebra o cartão do GNV ou cancela o PPV para voltar logo depois da primeira vitória. Pode parecer o bipolar que faz as contas para os 45 pontos e depois se empolga para cobrar que o time medíocre seja campeão brasileiro. Mas, não… é a decepção de quem vê que o clube (agora em letras minúsculas) tem dono. É a decepção de quem vê um clube minguando, sendo diminuído, reduzido e que perdeu sua grandeza. E o mais importante, é a decepção de quem não vê um futuro minimamente decente. Acabou a esperança.
Como a morte de um ente querido, é necessário recolher seus pertences e dar o devido encaminhamento. É preciso organizar as coisas de quem já não estará mais ao nosso lado. Então, ontem foi dia de cancelar o PPV, de separar as camisas a serem doadas, de deixar de seguir o influenciador na rede digital. A tatuagem permanece para mostrar o amor eterno por aquele Atlético que já não existe mais, e só permanece em nossas memórias. O Atlético morreu e seus assassinos têm nome e sobrenome de famílias tradicionais. Que, então, descanse em paz.
****”No Atlético, nas torcidas organizadas e nos torcedores em geral, há pessoas sérias e competentes. Não se deve generalizar. O texto não tem o intuito de colocar todos no mesmo “balaio”, mas tão somente expor as desilusões que nós, Atleticanos, estamos vivendo.
Especialmente a fala de indicação de parentes aos cargos no Conselho causou uma legítima reprovação das pessoas éticas que não compartilham desta prática. A estas, meu sincero pedido de desculpas.”
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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini