VARgonha! As arbitragens, o erro de paralaxe, a regra 18 e o apocalipse do futebol

 

 

Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
14/10/2019 – 06h

O futebol é um negócio multibilionário e, como tal sistêmico.

Nesse sentido, é apropriado dizer e, não canso de repetir, que existe um sistema que comanda e conduz o futebol segundo um conjunto de interesses dos mais diversos atores que o compõem e nele interagem com graus de influência e poder diferenciados.

Esse sistema, cada vez mais sofisticado, está exigindo dos clubes um nível de organização e de força política que a grande maioria é absolutamente incapaz de atingir, graças à incúria, a mediocridade e a imprevidência de seus dirigentes, os grandes responsáveis pelas gestões temerárias, pelas dívidas escorchantes e pelas intermináveis crises que vem solapando suas agremiações.

O Atlético, que pontifica nesses quesitos, hoje jogado pelo sistema no terceiro escalão das receitas de transmissão televisa e com perspectivas de cair ainda mais nesse ranking, tem perdido importância, força política e respeitabilidade ao longo dos anos.

Na atual temporada mais um ator vem se incorporar a esse sistema, o VAR. Avanço tecnológico? Apenas uma nova ferramenta? Ou apenas mais um negócio no mundo do futebol?

O VAR (Video Assistant Referee ou Arbitro Assistente de Vídeo) é indiscutivelmente tudo isso. E, como tal, poderá influir e modificar o futebol tanto para o bem, quanto para o mal.

Hoje o VAR não é uma imposição da FIFA, ou seja, a utilização a dessa tecnologia é opcional. Entretanto, havendo opção por utilizar, algumas regras devem ser respeitadas para não prejudicar o andamento da partida:
* O árbitro principal é quem toma a decisão final;
* O VAR só deve ser acionado em situações que podem definir o resultado da partida. Entre eles, lances de em gols, pênaltis e faltas passíveis de expulsão.

Atualmente, duas empresas estrangeiras dominam a tecnologia do VAR e polarizam o mercado dos equipamentos destinados à sua utilização. Mas, uma terceira empresa, japimpedimentoonesa, já ameaça revolucionar esse sistema e dominar o mercado, anunciando uma tecnologia revolucionária em relação à existente e, por exemplo, utilizada aqui no Brasil.

Este lado negocial e mercadológico do VAR mostra que essa ferramenta veio para ficar e irá mudar definitivamente a arbitragem e o próprio futebol.

É isso é tão importante que já há disputa sobre a paternidade do sistema.

Segundo o jornal Marca, por exemplo, o espanhol Francisco López afirma que criou o sistema de arbitragem em vídeo em 1999. López diz que ele apresentou a ideia no Ministério da Educação e Cultura com o seguinte título: “O futebol no século XXI (Tecnologia de futuro para as equipas de arbitragem)”.

O VAR, que pode gerar um alto custo moral e forte prejuízo competitivo para os clubes, como sua má utilização vem mostrando, gera também um custo financeiro significativo, o que obriga os clubes a contraírem mais obrigações, mais contas a pagar.

A introdução dessa ferramenta no sistema futebol por óbvio, não é coisa simples, vez que muda paradigmas, provoca choque cultural e afeta, em maior ou menor escala, a relação sistêmica entre seus vários atores, incluindo aqui os próprios clubes, vez que a força político-econômica dos mais poderosos poderia, pelo menos em tese, ficar mitigada.

E é esse risco que, claramente, está pondo que a ferramenta.

Por tudo isso, nada do que está acontecendo com o VAR é obra do acaso. E os efeitos, até agora, mais negativos que positivos, sobre as arbitragens, também são, mais que previsíveis, sub-produto natural de um experimento mal feito e, principalmente, nada blindado a pressões de toda natureza.

Nada mais polêmico e também mais folclórico que as arbitragens ao longo da história do futebol nesse Brasilzão de meu Deus, como dizia a velha e saudosa Zulmira que nunca entendeu de futebol, torcia para o Atlético e se benzia sempre que repetia que o homem de preto era coisa do “coisa ruim”. Nos tempos de Zulmira os árbitros se vestiam de preto e só de preto.

Kafunga, o mais emblemático e, para muitos, o melhor goleiro da história do Atlético, nos seus tempos de comentarista de rádio e de homem de TV, se notabilizou aqui em Minas, como um crítico ferino das arbitragens.

Com o velho Kafa aprendi que nunca existiu nas regras do futebol a figura do último homem como imperativo de aplicação do cartão vermelho a quem, nessa condição, fazer um falta e, também, que o goleiro nunca foi intocável na pequena área, “verdades” que, ao longo dos tempos, trouxe prejuízos irreparáveis ao futebol em geral e ao Atlético em particular.

Aprendi também com ele que o futebol é regido por apenas 17 regras básicas. Tudo o mais que existe são várias e várias determinações, orientações e recomendações da FIFA.

Uma dessas orientações que vigeu durante décadas e que, ao meu ver, interpretou magistralmente o espírito da regra, era o que é falta e o que não é falta, o que é toque e o que não é toque.

A orientação era, se em um choque ou em um toque estivesse presente o dolo, i.e., a intenção de lesiva ou a intenção de levar vantagem, dever-se-ia marcar falta. Bons tempos aqueles que bola na mão era uma coisa e mão na bola era outra.

O futebol é um esporte de choque, de contato, por excelência. A figura do dolo não deveria, ao meu entender, ser desconsiderada, sob pena de empobrecer o esporte e sob o risco de metamorfosear a sua natureza.

Cronistas de futebol da velha guarda, entre eles o velho Kafunga, faziam uma crítica mordaz aos árbitros, hoje esquecida, intencionalmente ou não, pelos analistas da atualidade, em especial pelos comentaristas de arbitragens, todos ex-sopradores de apito: a aplicação da regra 18.

Mas, como ??!!?? Se futebol tem apenas 17 regras, como poderiam os árbitros aplicar a regra 18? Simples, muito simples.

Dizia-se do árbitro que recorrentemente invertesse a posse de bola em prejuízo de um determinado time ou a favor de outra camisa, seja marcando faltas inexistentes, seja invertendo marcações, ou ainda que continuamente interferisse na dinâmica de um jogo interrompendo-o por qualquer coisa, não dando a lei da vantagem, etc., em detrimento a A e a favor de B, que ele estava aplicando a regra 18, ou seja, administrando o jogo segundo um interesse qualquer, até mesmo buscando simplesmente preservar o controle da partida em defesa de sua própria atuação.

Soma-se a tudo isso o fato de que o desprestígio político crônico de um clube e a incúria recorrente de seu comando, como acontece historicamente com o Atlético, se tornaram cada vez mais determinantes do nível das arbitragens.

Se antigamente os antigos árbitros de embaixada, aqueles que acompanhavam as delegações visitantes, suscitavam um rosário de reclamações dos donos da casa, e o apito caseiro tirava o sono dos visitantes, hoje, em razão de sua extensão e consequências, os erros de arbitragem, cada vez mais complexos e sofisticados, induzem ao torcedor acreditar que há mesmo algo de podre no reino do futebol.

Aqui ê preciso frisar que a crônica esportiva, com raras exceções, vem contribuindo para potencializar a desconfiança do torcedor, seja minimizando ou negando erros claramente crassos, seja desestimulando que se cobre dos responsáveis pela arbitragem medidas efetivamente saneadoras, seja buscando justificar o injustificável, seja falando do que não conhece ou entende.

É muito comum segmentos da imprensa e da própria torcida negarem o direito do clube e da própria massa de reclamar das más arbitragens, sob o argumento de que o time jogou mal e, por isso, falar do apito seria apenas uma estratégia para desviar o foco das razões que levaram a desempenhos tão ruins. Meia verdade que mais desconstrói do que ajuda.

Sem chororô!!!, diz a turma do deixa prá lá. Mas que tem jogos que é duro de ver o homem do apito prejudicar o seu time do coração, isso lá é verdade.

Ainda que sempre existam treinadores, dirigentes e jogadores que buscam usar os erros de arbitragem como cortina para encobrir a incompetência e os desacertos dos primeiros e as más atuações dos últimos, no caso do Atlético, em especial, os prejuízos que a sua história registra em consequência de arbitragens claramente facciosas e de decisões polêmicas de tribunais esportivos, que custaram, inclusive, títulos importantes, recomenda-se ao clube e à sua torcida repensar sobre esse tema e agir para frear essa espiral de desimportância política que está minando o clube.

O que vem acontecendo nos estádios Brasil afora não mostram que o futebol chegou ao fundo do poço, pois, na realidade ele lá já reside faz tempo. Apenas escancarou o que já era sabido e percebido por muitos.

E por que o VAR está provocando mais problemas do que soluções e gerando mais preocupações do que confiança e tranquilidade? As respostas a esta pergunta já estão, de certa forma, antecipadas no que foi escrito até agora.

O VAR segue um protocolo é verdade. E, mesmo que todos os árbitros o cumprissem de forma padronizada, ainda assim essa ferramenta seria insuficiente para sanar todos os problemas da arbitragem brasileira, a maioria deles sistêmicos e também de ordem cultural.

O VAR coibiria, por exemplo, a aplicação da regra 18? Óbvio que não.

A finalidade principal do VAR seria revisar os lances e as decisões do árbitro central relativamente a 15 tipos de situações que podem acontecer durante uma partida:
* Gol
* Pênalti
* Cartão vermelho direto
* Confusão de identidade
* Posição de impedimento na jogada de criação do gol (somente no lance que gerou o gol);
* Infração da equipe atacante na jogada de criação do gol (qualquer falta não marcada);
* Bola fora do campo antes do gol (verificar se a bola saiu das quatro linhas ou não);
* Gol/não gol (verificar se a bola entrou inteira);
* Pênalti erroneamente assinalado;
* Pênalti não assinalado;
* Falta ou impedimento antes da jogada de pênalti, cometido pela equipe atacante;
* Bola fora de campo antes da jogada de pênalti
* As revisões limitam-se a expulsões diretas e não ao segundo cartão amarelo;
* O VAR observa uma falta de expulsão clara que não foi detectada pelo árbitro.
* Se o árbitro advertir com cartão amarelo ou expulsar um jogador erroneamente.

Diferentemente dos esportes de quadra o VAR no futebol não admite desafios dos clubes. E isso é algo para se pensar.

A avaliação do impedimento pelo VAR tem gerado uma discussão sobre um dos conceitos basilares da física, desenvolvido por um cientista de nome PARALAXE. Falo do erro de “PARALAXE”, como é conhecido o fenômeno do aparente deslocamento de um objeto observado, que é causado por uma mudança no posicionamento do observador.

Cada um de nossos olhos vê um determinado objeto de um ângulo diferente. Ou seja, cada olho individualmente vê o mesmo objeto em pontos diferentes, não obstante este não haver se deslocado de um para outro.

Isso permite, porém, que uma pessoa que veja bem com os dois olhos tenha a noção de profundidade e consequentemente de distância.

O erro de paralaxe acontece graças a um desvio óptico causado pelo ângulo de visão de um indivíduo, que pode levá-lo a ter uma percepção errada, em uma escala de graduação, do posicionamento do objeto observado.

Assim, erros de Paralaxe na marcação de impedimentos podem acontecer, dependendo, claro, do posicionamento do ou do deslocamento do assistente no momento do lance.

Aqui existe um complicador para a arbitragem e para o próprio VAR: os objetos observados, in casu, os jogadores de ambos os times estão quase sempre em movimento.

Com ou sem erros de Paralaxe, a verdade é que as marcações de impedimento têm sido fruto de interpretações variadas e de uma utilização da ferramenta, mais que confusa e sem padrão, bastante dúbia e controversa.

A padronização é fundamental para dar à ferramenta a credibilidade necessária. Mas, é essencial também devolver ao futebol o risco e o direito ao erro humanos, coibindo apenas as transgressões que desequilibrem a correlação de forças entre as equipes que se enfrentam.

Ou seja, deveria caber ao VAR básica e, exclusivamente, trevisar apenas os erros das arbitragens que interferissem no andamento e no resultado do jogo.

Outro fator dificultador para os árbitros e assistentes são as recentes orientações da FIFA quanto a interpretar o toque na bola, especialmente dentro da área, tanto em relação aos defensores, quanto aos atacantes. Ao meu ver, uma orientação infeliz que pune o toque acidental, não intencional e inevitável.

Desaparece a figura da bola na mão e cria-se a figura esdrúxula do risco assumido pelo “infrator”, quando este, por vezes, nada pode fazer para evitar que bola toque seu braço.

Léo Silva desceu aos infernos quando se desequilibrou, caiu, a bola resvalou em seu braço direito que buscava um ponto de apoio para amortecer a sua queda. Pênalti marcado, cartão amarelo aplicado, gol do rival e o título do Mineiro/2019 perdido.

O que é pênalti e o que não é pênalti? Ou melhor, quando marcar e quando não marcar, parece ser o dilema do VAR. Não é mesmo Igor Rabelo?

Fala-se muito em lances interpretativos para justificar marcações díspares em lances similares e na decisão soberana do árbitro central como determina a Internacional Board.

Muitos árbitros, porém, se tornam perigosamente reféns do VAR e despersonalizam suas arbitragens, sujeitando-se acriticamente às revisões do assistente de vídeo, muitas vezes falhas e estranhas. Outros, se agarram insensivelmente às interpretações ortodoxas, punindo o que deveria ser inimputável.

O que revisar e o que não revisar? Melhor, quando revisar e quando não revisar? Este é mais um dilema do VAR, cujos operadores e gestores estão se perdendo ante as pressões cada vez mais frequentes e as críticas, cada vez mais impróprias, desfocadas de bom senso e até de conhecimento do que se fala.

É fácil perceber que o protocolo do árbitro assistente de vídeo não contempla todas as nuances de um jogo de futebol. Mas, é forçoso reconhecer que o VAR bem aplicado só traria benefícios ao esporte.

A verdade é que a ferramenta até agora apenas abriu um alçapão que pode fazer o futebol brasileiro mergulhar em abismos imensuráveis, infinitos, se os clubes brasileiros não se revolucionarem, rompendo com seus modelos de gestão ultrapassados que os tornam mais reféns do que participes altivos do sistema que rege o esporte no Brasil.

Somente com planejamento e boa governança os clubes atingirão o nível de respeitabilidade, força política, organização e altivez, que possa conferir às competições e ao VAR A SONHADA CREDIBILIDADE.

O VAR será o início de uma nova era?

Quem viver, verá.

 

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Edição: Ruth Martins
Edição de imagem: André Cantini